Imagine-se avaliando uma criança de seis meses de vida com manifestações clínicas inespecíficas e, poucas horas depois, reavaliando-a, identificar a necessidade de encaminhá-la à UTI por risco iminente de óbito. Essa é realidade alarmante da doença meningocócica invasiva (DMI), uma condição grave e potencialmente fatal,1,2 mas que pode ser prevenida por meio da vacinação.3 Neste artigo, exploraremos a gravidade dessa doença, seus impactos devastadores e a importância de medidas preventivas eficazes, permitindo que você faça a diferença nessa história.
A DMI compreende uma série de possíveis manifestações clínicas graves relacionadas à infecção pela Neisseria meningitidis.4 Esta bactéria gram-negativa usualmente coloniza o trato respiratório superior de indivíduos saudáveis e está relacionada a uma taxa de letalidade significativa, assim como a sequelas que podem ser incapacitantes.4,5
Qual o tamanho real desse problema no Brasil?
Atualmente, já foram identificados 12 sorogrupos de N. meningitidis, sendo cinco destes os principais responsáveis pela DMI em todo o mundo: A, B, C, W e Y.4
A frequência de cada sorogrupo varia entre regiões geográficas, mas o sorogrupo B, atualmente, predomina como o principal causador de DMI na maior parte do mundo.4,5 A incidência da doença pode variar entre diferentes regiões, mas a doença parece ser até 10 vezes mais comum em crianças com menos de 1 ano do que nas que têm 5 anos ou mais.4 Em 2024, no Brasil, o sorogrupo B foi responsável por 75% (N = 40) dos casos de doença meningocócica em menores de cinco anos de idade dos casos confirmados e sorogrupados até o mês de setembro (N = 53).⁷
Esses dados se alinham à epidemiologia observada na maior parte do mundo e refletem, provavelmente, a maior cobertura vacinal contra meningococo do tipo C em alguns países.4 Esse tipo de evidência destaca o papel fundamental dos profissionais de saúde na recomendação do uso de vacinas para a prevenção de doenças imunopreveníveis, reforçando sua responsabilidade na promoção da saúde e na proteção dos pacientes.
Por que devemos nos empenhar tanto no combate à DMI?
A DMI é potencialmente fatal e pode causar consequências severas. A taxa de letalidade de meningite meningocócica no Brasil em 2024 foi de, aproximadamente, 20% em crianças e adolescentes e de 28% em menores de 1 ano conforme ilustrados pelos gráficos 1 e 2, extraídos do painel de monitoramento de meningite do Ministério da Saúde, com dados do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN).6


Um estudo recente, que revisou relatos de caso de DMI em 184 crianças e adolescentes, identificou complicações em 92,9% dos pacientes.5 Em outras palavras, isso significa dizer que 9 em cada 10 pacientes diagnosticados com DMI sofreram consequências de saúde. Nessa mesma pesquisa, entre os pacientes avaliados, 14,6% faleceram, 5,3% necessitaram de amputação e o mesmo número evoluiu com coagulação intravascular disseminada.5 Ou seja, além do risco de mortalidade ser alto, também é alto o risco de sequelas irreversíveis causadas pela DMI.
Uma revisão conduzida pelo National Institute for Health and Care Excellence (NICE) identificou forte associação entre DMI e déficit cognitivo e comportamental, incluindo problemas envolvendo memória, dificuldades de comunicação e forte evidência de que a DMI possa estar associada a maior risco de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).9 Outras possíveis sequelas identificadas incluem tambem sintomas depressivos.9 Um estudo do Reino Unido avaliou 245 crianças com a doença e 328 controles, identificou maior risco de perda auditiva (5% vs. < 1%), menor coeficiente de inteligência (QI) médio (99,5 vs. 107,2), maior prevalência de transtornos psicológicos (26% vs. 10%) e déficits de memória e função executiva (36% vs. 15%). Cerca de 9% apresentaram déficits incapacitantes graves vs 2% quando comparados ao grupo controle.10 Ainda quando se avalia as consequências de longo prazo da DMI, estima-se que os sobreviventes podem apresentar uma redução na expectativa de vida de 16 anos.11
Os danos invisíveis da DMI também se estendem para os familiares de pacientes diretamente acometidos, com atenção especial à saúde mental e qualidade de vida. Um recente estudo de casos identificou que os familiares de pacientes com DMI apresentam um risco significativamente maior de desenvolver transtornos emocionais e dificuldades no cotidiano, quando comparado com familiares de sobreviventes sem sequelas.12
Nossa atuação rápida previne complicação e salva vidas: como fazer?
A doença tem como característica início súbito e progressão rápida.8 Após um curto período de incubação que dura aproximadamente 3 dias, podendo variar de 1-10 dias, há evolução aguda que pode levar ao óbito em 24-48h após o início dos sintomas.5
As principais manifestações clínicas incluem febre, cefaleia, vômitos, manifestações hemorrágicas (petéquia, púrpura), diarreia, rigidez de nuca, taquicardia e taquipneia.5 Sintomas inespecíficos, como irritabilidade e letargia, tornam o diagnóstico ainda mais desafiador.5 A DMI acontece com maior frequência em indivíduos saudáveis e sem sinais de alarme, embora imunossupressão seja um fator de risco assim como a exposição ambiental.5
Por causa da rápida evolução e do curso devastador da DMI, é essencial um elevado grau de alerta, ou em termos epidemiológicos, alta sensibilidade na avaliação inicial, e conhecimento sobre a variedade de possíveis apresentações clínicas da doença para garantir diagnóstico e tratamento precoces.5
E se você pudesse evitar todo esse impacto?
Quando se trata de prevenção, a boa notícia é que existem vacinas. Estão disponíveis atualmente no Brasil as vacinas para MenB, MenACWY e MenC. Para uma cobertura ampla contra a DMI e suas graves complicações, é essencial a vacinação com MenB e MenACWY.3
A educação sobre a doença e o aumento da cobertura vacinal são cruciais, considerando o curso rápido da DMI, assim como sua taxa de letalidade e a frequência de complicações diversas, visíveis e não visíveis.5,8 Todos os profissionais de saúde possuem a responsabilidade de modificar essa história, e os pediatras devem estar atentos à caderneta de vacinação dos pacientes e orientar os responsáveis.5 Mediante suspeita diagnóstica, o tratamento deve ser instituído imediatamente.5 Atuando ativamente você pode evitar mortes e sequelas incapacitantes. A batalha continua, mas através da vacinação não daremos espaço para a DMI vencer.
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