Globulina antitimócito, ou timoglobulina (ATG), é um imunossupressor utilizado em receptores de transplante de órgãos sólidos e que atua diminuindo a resposta da imunidade celular mediada pelas células T e, com isso, reduzindo o risco de rejeição aguda. O uso de ATG é classicamente associado a um aumento no risco de reativação de citomegalovírus (CMV), sendo um dos critérios para indicação de profilaxia com antiviral. Entretanto, o uso desse imunossupressor parece resultar em retardo no desenvolvimento de imunidade celular específica. Baseados nesses fatos, um novo estudo procurou avaliar a resposta celular específica após uso de ATG e de profilaxia antiviral e se sua cinética após o transplante sofre influência da dose de ATG administrada.
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Materiais e métodos
Trata-se de um estudo observacional, prospectivo e multicêntrico, conduzido em 13 centros espanhóis. Foram incluídos indivíduos adultos receptores de transplante de rim com sorologia positiva para CMV e com imunidade celular específica para CMV positiva antes da cirurgia do transplante e que tenham recebido ATG como parte de seu esquema imunossupressor de indução (pelo menos 1mg/kg/dia por até 10 dias).
Profilaxia contra CMV foi administrada por 3 meses com valganciclovir oral na dose de 900 mg/dia, nos casos em que a medicação não era tolerada, com ganciclovir IV na dose de 5 mg/kg/dia. Imunidade celular contra CMV foi avaliada pré-transplante e nos dias 30, 45, 60 e 90 após o transplante por meio do ensaio QuantiFERON-CMV.
Resultados
Foram incluídos 78 pacientes com imunidade celular para CMV previamente ao transplante. Nessa coorte, 20,5% dos doadores tinham sorologia negativa pra CMV e 75,6% tinham sorologia positiva. Todos os participantes foram tratados com tracolimus, micofenolato e corticoides e a mediana da dose de ATG foi de 4,5 mg/kg.
Três participantes apresentaram episódios autolimitados e assintomáticos de replicação de CMV durante a profilaxia. Após a suspensão do antiviral profilático, replicação tardia clinicamente significativa foi detectada em 12 dos 78 pacientes (15,4%), sendo que 2 participantes apresentaram 2 episódios cada. A mediana de tempo até o desenvolvimento de viremia clinicamente significativa foi de 143 dias após o transplante.
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Dos participantes com avaliação de QuantiFERON-CMV no D30 após o transplante, 59,5% ainda apresentavam resultado positivo, o que indicaria que 40,5% tinham perdido sinais de imunidade celular para CMV 1 mês após o transplante. Após esse período, a frequência de voluntários com QuantiFERON-CMV positivo aumentou gradualmente, com 82,7% dos participantes com exame positivo no D90. Interessante notar que quase 20% não recuperaram a imunidade contra CMV como indicado por esse teste 3 meses após o transplante, quando geralmente a profilaxia com valgancivlovir ou ganciclovir é suspensa.
A análise da cinética dos níveis de IFN-ɤ mostra comportamentos semelhantes. Em comparação com as avaliações pré-transplante, houve diminuição significativa na mediana de valores de IFN-ɤ dosados no D30 (10,3 UI/mL vs. 0,3 UI/mL, respectivamente), com tendência de aumento nas dosagens em D45 e D90 (0,7 UI/mL vs. 1,3 UI/m, respectivamente). Valores indeterminados, que indicam uma resposta baixa aos antígenos de CMV, tiveram seu pico com D30 e gradualmente se tornaram menos frequentes até o D90.
Os autores também investigaram possíveis fatores associados à presença precoce (em D30) ou tardia (D90). Em análise multivariada, o único fator independente associado com imunidade celular para CMV em D30 foi o nível pré-transplante de IFN-ɤ: participantes com níveis maiores do que 12 UI/mL tiveram 12 vezes maior chance de ter QuantiFERON-CMV positivo do que os participantes com valores ≤ 12 UI/mL (OR = 12,9; IC 95% = 3,1 – 53,3; p < 0,001). Já para imunidade celular tardia, fatores como idade, sexo, retransplante, dose de ATG e status sorológico do doador para CMV não mostraram associação. Todos os pacientes que não recuperaram a imunidade celular no D90 apresentavam níveis < 12 UI/mL no pré-transplante.
Em relação à dose de ATG utilizada na indução, somente na avaliação de D30 houve diferença nos valores de IFN-ɤ. Participantes que receberam doses baixas de ATG (definidas como menores do que o valor mediano de 4,5 mg/kg encontrado na coorte) tinham uma mediana significativamente maior de IFN-ɤ do que os que receberam doses maiores (2,13 UI/mL vs. 0,76 UI/mL; p = 0,007). Entretanto, em todas as avaliações subsequentes, não houve diferença entre esses dois grupos.
Interessante notar que nenhum participante que apresentou viremia detectável após o período de profilaxia desenvolveu doença por CMV e que não houve associação entre replicação tardia clinicamente significativamente entre os indivíduos com ou sem imunidade celular para CMV.
Mensagens práticas
- O nível pré-transplante de IFN-ɤ em ensaio para imunidade contra CMV esteve associado à recuperação precoce ou manutenção de imunidade celular para CMV 1 mês após o transplante. Nenhuma associação não foi encontrada em relação à dose de ATG.
- Não houve correlação clínica entre os valores de IFN-ɤ relacionados à imunidade celular de CMV e o desenvolvimento de doença no período de seguimento.
Referências bibliográficas:
- Páez-Veja, A, Cantisán, S, Aguera, ML, Suñer, M, Facundo, C, Yuste, JR, Fernández-Ruiz, M, Montejo, M, Redondo-Pachón, D, López-Oliva, MO, Fernández-Rodríguez, A, Fariñas, MC, Hernández, D, Len, O, Muñoz, P, Valle-Arroyo, J, Rodelo-Haad, C, Cordero, E, Torre-Cisneros, J. Pretransplant CMV-Specific T-Cell Immunity But Not Dose of Antithymocyte Globulin Is Associated With Recovery of Specific Immnuity After Kidney Transplantation. J Infect Dis. 2021 Apr 8;223(7):1205-1213. doi: 10.1093/infdis/jiaa503.
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