A resistência a antibióticos alcança uma das doenças ultimamente banalizadas devido à antibioticoterapia simples tradicionalmente utilizada para o tratamento, a gonorreia. Agora, essa doença sexualmente transmissível circula em nossa sociedade, em muitos casos sem opções possíveis para tratamento.
A gonorreia acomete em torno de 78 milhões de pessoas por ano, incluindo 11 milhões nas Américas e 4,7 milhões na Europa, mesmo com as subnotificações. A gonorreia pode se manifestar na genitália, reto e orofaringe, e levar a complicações como doença inflamatória pélvica, síndrome artrite-dermatite, endocardite, sepse e outros.
A menor frequência de uso de preservativos, a urbanização e maior facilidade de viagens, taxas de detecção débil e tratamento inadequado ou falhas contribuem para essa elevada incidência em todo o mundo. Além das estimativas dos altos números significativos de casos em todo o mundo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) relatou recentemente, em julho de 2017, a real ameaça da gonorreia intratável.
Diante do uso indiscriminado dos antibióticos e da versatilidade genômica e mutacional da Neisseria gonorrhoeae, a introdução de novas classes de antimicrobianos resulta em expectativas temporárias, pois o surgimento do fenômeno da resistência à drogas é também bastante esperado e em curto período.
Observa-se recentemente a ocorrência da resistência à drogas utilizadas como opções principais para o tratamento, como as cefalosporinas e azitromicinas, mesmo em países desenvolvidos. A carência de diagnóstico preciso e a persistência de tratamentos empíricos reforçam a redução de opções terapêuticas atuais, especialmente em países com menores recursos em saúde, onde a doença é mais prevalente.
A maior preocupação é que existem somente três classes de antibióticos como opção para tratamento da gonorreia. A resistência ao ciprofloxacino em gonococos, anteriormente droga de escolha, é disseminada na maioria dos países, assim como diversas localidades já descreveram a emergência da resistência à azitromicina e cefalosporinas de espectro estendido – ceftriaxona injetável ou cefixima oral, as quais são os últimos recursos para o tratamento.
No intuito de evitar a continuidade da emergência dos números de gonococos multirresistentes, a OMS recomenda, desde 2016, o tratamento duplo com ceftriaxone e azitromicina.
Novas opções de antimicrobianos candidatos para tratamento de gonorreia resistente a múltiplas drogas incluem:
- Solitromicina (Cempra Inc) – um fluorocetolídeo oral com alvo em ribossomo procariotos e atividade contra bactérias Gram-positivos e negativos fastidiosos, incluindo N. Gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis e Mycoplasma genitalium. Atualmente em estudo clínico de fase 3.
- Zoliflodacin (Entasis Therapeutics) – um inibidor de topoisomerase II da classe espiropirimidinetriona com atividade contra patógenos como N. Gonorrhoeae e C. Trachomatis. Os estudos estão em estudo clínico de fase 2.
- Gepotidacina (GlaxoSmithKline) – outro inibidor de topoisomerase II com atividade contra bactérias multirresistentes como Staphylococcus aureus resistente a meticilina, Enterobacteriaceae produtora de beta-lactamase de amplo espectro e N. Gonorrhoeae. Atualmente em estudos clínicos de fase 2.
Mais do autor: ‘Voluntariado médico: por que ainda não?’
Tais preocupações e estimativas relacionadas à emergência da gonorreia e ao fenômeno da multidroga resistente evidenciam as necessidade de melhores programas de prevenção, tratamento e diagnóstico precoce, especialmente recursos tipo “point-of-care” ainda não disponíveis para N. Gonorrhoeae.
Simultaneamente, destaca-se a urgência de um rastreamento mais eficaz e notificação de novos casos, uso de antibióticos, resistência e falhas de tratamento. As dificuldades para desenvolvimento de novos antibióticos recaem sobre o baixo interesse das indústrias farmacêuticas em investir em drogas utilizadas por curtos períodos e com iminência do surgimento da resistência antimicrobiana após introdução na terapêutica.
Iniciativas pela OMS, como “Global Antibiotic Research and Development Partnership” (GARDP), e outras como “The Drugs for Neglected Diseases initiative” (DNDi), que dá suporte a GARDP, visam o desenvolvimento de novos esquemas de antimicrobianos e a promoção do uso racional, incluindo o desenvolvimento de novos antibióticos para gonorreia.
Por outro lado, os investimentos em prevenção permanecem como desafios significativos para controle da disseminação da gonorreia e a consequente resistência. A mudança de comportamento com a adoção de medidas mais seguras, como o sexo seguro com o uso de preservativos, permanecem como pilar central no controle da doença.
O surgimento do PrEP, por exemplo, utilizado na prevenção da transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV), tem contribuído para o menor uso de preservativos, o que resulta na maior disseminação de doenças sexualmente transmissíveis. Portanto, informação, educação e comportamento são estratégias fundamentais, porém requerem recursos e esforços significativos iniciais e de manutenção, com resultados nem sempre eficazes.
É médico e também quer ser colunista da PEBMED? Inscreva-se aqui!
Referências:
- Wi T, Lahra MM, Ndowa F, Bala M, Dillon J-AR, Ramon-Pardo P, et al. (2017) Antimicrobial resistance in Neisseria gonorrhoeae: Global surveillance and a call for international collaborative action. PLoS Med 14(7): e1002344. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1002344.
- https://www.who.int/reproductivehealth/topics/rtis/amr-gonorrhoea-on-the-rise/en/
- https://www.who.int/mediacentre/news/releases/2017/Antibiotic-resistant-gonorrhoea/en/
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.