Infecções por Clostridioides difficile têm importância em termos de saúde e econômicos por sua associação com doença sintomática e potencialmente grave, sendo um dos organismos mais associados à diarreia pós uso de antibióticos em humanos. Entretanto, dados epidemiológicos sobre as cepas circulantes no Brasil são escassos. Uma revisão sistemática procurou avaliar a epidemiologia de C. difficile no país.
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Materiais e métodos
Para a realização da revisão, os autores utilizaram três grandes bases: Periódico CAPES, Pubmed e Medline. Foram selecionados trabalhos com dados epidemiológicos relevantes — como descrição de status de internação (pacientes ambulatoriais ou internados), presença de sintomas e comorbidades, isolamento de C. difficile, teste de suscetibilidade e metodologia de tipagem — publicados entre 1988 e 2018.
Aspectos gerais
C. difficile — previamente conhecido como Clostridium difficile — é um bacilo Gram-negativo anaeróbio e capaz de formar esporos que coloniza o trato gastrointestinal de vários hospedeiros, incluindo seres humanos e animais domésticos e silvestres, além do ambiente.
A produção de citotoxinas é o principal fator de virulência relacionado à patogenicidade do organismo, com todos os sintomas geralmente podendo ser relacionados à produção de enterotoxina (TcdA) e citotoxina (TcdB). Outros fatores de virulência, como fímbrias, flagelos e proteínas de superfície ou secretadas, também contribuem para a patogenicidade da cepa, gerando diferentes espectros clínicos de doença.
Entre os fatores de risco para a incidência e recorrência de casos de infecção por C. difficile destacam-se o uso de antibióticos — que leva a um desbalanço na microbiota intestinal —, uso de antiácidos, principalmente inibidores de bomba de prótons, e idade ≥ 65 anos — associada à imunodeficiência, especialmente no braço humoral.
O diagnóstico definitivo é baseado em dois testes, considerados padrão-ouro: ensaio de citotoxicidade e cultura toxicidade. Entretanto, cada vez mais, os laboratórios de microbiologia vêm utilizando outas modalidades diagnósticas, mais rápidas, como kits de detecção de toxinas, testes moleculares e ensaios enzimáticos.
Estimativas mostram que cerca de 20% dos casos de infecção por C. difficile tornam-se recorrentes e que, após a primeira recorrência, o risco de segunda recorrência é de 40% e de 60% para uma terceira recorrência. Desde 2000, tem-se observado um aumento no número de casos ao redor do mundo, o que está associado à emergência de cepas hipervirulentas e capazes de causar surtos.
Nesse contexto, a caracterização das cepas circulantes mostra-se importante para definição da epidemiologia desse patógeno. As tecnologias de sequenciamento genético vêm sendo muito utilizados com esse objetivo, com especial papel do sequenciamento genético completo (WGS), que possui maior poder discriminatório do que outras técnicas para caracterização de C. difficile.
Resultados
Estudos conduzidos em São Paulo mostraram, de forma consistente, o uso de antibióticos como um fator de risco independente para o desenvolvimento de infecção por C. difficile. Cefalosporinas de terceira geração, carbapenêmicos e vancomicina intravenosa estão entre os mais utilizados. De forma semelhante, transmissão intra-hospitalar parece ser um importante fator para disseminação. Um estudo identificou uso de linezolida e formas graves de doença como fatores de risco independentes para óbito.
Um estudo de 2016 procurou avaliar diferenças na microbiota intestinal de crianças vivendo em diferentes condições socioeconômicas nesse estado. As amostras foram coletadas de crianças sem diarreia e sem história de uso de antibióticos nos 30 dias anteriores à entrada no estudo. PCR foi utilizado como método de identificação dos microrganismos. As bactérias mais frequentes em crianças que viviam em condições consideradas satisfatórias foram Staphylococcus aureus e C. difficile, enquanto que, em crianças que viviam em condições definidas como precárias, Lactobacillus sp., Escherichia coli e Methanobrevibacter smithii foram os organismos principais. Esse foi o primeiro estudo a demonstrar interferência da condição socioeconômica na microbiota de crianças convivendo na mesma região geográfica, indicando que crianças com melhores condições teriam uma microbiota menos favorável. Os autores, entretanto, destacam que outros fatores podem estar envolvidos nessa diferença, como maior frequência de parto prematuro e por cesariana nas crianças consideradas como vivendo em condições satisfatórias.
Já estudos conduzidos no Rio de Janeiro avaliando a população pediátrica com quadro de diarreia mostraram alta incidência de C. difficile nas com até 1 ano de idade. Os autores acreditam que, após esse período de vida, estilo de vida, dieta, localização geográfica e uso de medicamentos possam interferir com a microbiota intestinal. Outro estudo, também com amostras provenientes de crianças, avaliou o padrão de suscetibilidade das cepas isoladas, encontrando um perfil favorável em relação a metronidazol e vancomicina, mas com frequente resistência a clindamicina e quinolonas, mesmo em condições da comunidade. Esse padrão de resistência foi encontrado também em outros trabalhos.
Outra abordagem sobre o papel de colonização de C. difficile foi explorada por Colombo et al., 2016. Os autores procuraram avaliar a prevalência de microrganismos patogênicos no biofilme formado na porção subgengival de indivíduos com diferentes condições periodontais. Entre os organismos mais frequentes, com prevalência > 40%, encontram-se Neisseria sp., Peptostreptococcus anaerobius, Candida albicans, Enterobacteria, Pseudomonas aeruginosa, Eubacterium saphenum, Olsenella uli and C. difficile. Apesar de não ser associado a infecções orais, a presença de C. difficile no biofilme desses pacientes foi observada em alta frequência (30 – 80%) também em outros trabalhos, o que levanta a hipótese de que esse organismo pode ser relevante no desenvolvimento de periodontite.
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Mensagens práticas
- A frequência de C. difficile em pacientes sintomáticos com diarreia é elevada, devendo sempre ser lembrada pelos profissionais de saúde como uma possível etiologia, mesmo em casos ambulatoriais. Entretanto, a existência da condição de carreadores assintomáticos faz com que a interpretação de exames diagnósticos deva ser cautelosa.
- Uso prévio de antibióticos, em especial cefalosporinas e carbapenêmicos, é o principal fator de risco para infecção por C. difficile identificado em diversos estudos. Outros fatores, como idade avançada e uso de inibidores de bomba de prótons, também já foram relacionados à doença. Condições socioeconômicas, estilo de vida, dieta, entre outros parecem ser fatores adicionais que influenciam a composição da microbiota intestinal humana e, com isso, afetam o risco de colonização e infecção por C. difficile.
- Pelos padrões de resistência observados nos estudos citados na revisão, as cepas em circulação no Brasil mantêm suscetibilidade a metronidazol e vancomicina, com alta frequência de resistência a quinolonas e clindamicina. Segundo as últimas diretrizes internacionais, fidaxomicina (não disponível no Brasil) ou vancomicina enteral são os antimicrobianos de escolha para o tratamento de infecções por C. difficile.
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