A hanseníase – doença antigamente conhecida como “lepra” – é uma doença infectocontagiosa crônica há muito descrita entre humanos. Com relatos que datam há mais de quatro mil anos, ainda hoje é cercada por estigmas.
Causada pela microbactéria Mycobacterium leprae, a hanseníase pode afetar pele, mucosas e nervos periféricos, causando perda de sensibilidade e disfunções neurológicas, que podem, se não tratadas, evoluir para incapacidades físicas permanentes.
Conhecer as características clínicas e epidemiológicas da doença é essencial para fornecer o cuidado adequado aos pacientes acometidos e ajudar a vencer barreiras ligadas ao preconceito e ao desconhecimento.
Epidemiologia
O Brasil é o segundo país com maior número de casos novos de hanseníase no mundo. Apesar de existirem notificações em todas os estados do país, a distribuição da doença é heterogênea, com concentrações mais elevadas nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Em 2024, foram registrados 19.469 novos casos no Brasil, uma redução de 8,6% m relação ao número de casos de 2023. O estado com o maior número de casos foi o Mato Grosso (4.084), seguido do Maranhão (1.812), Pernambuco (1.532), Bahia (1.496), Minas Gerais (1.146), São Paulo (1.226) e Ceará (1.019). Em menores de 15 anos, foram 796 novos casos em 2024, o que representa uma queda de 12,1% em relação ao número de casos no ano anterior.
Transmissão
A transmissão é pessoa-a-pessoa, de uma pessoa infectada e sem tratamento para uma pessoa suscetível. O bacilo é eliminado pelas vias aéreas superiores e depende de contato próximo e prolongado. Indivíduos com baixa carga bacilar – paucibacilares – não são considerados como importantes na cadeia de transmissão. O período de incubação é longo, com uma média de dois a sete anos. Há relatos, porém, de períodos superiores a dez anos.
Uma informação importante e que deve fazer parte dos esforços de educação em saúde é que a transmissão de hanseníase não ocorre por contato físico, como por abraços, beijos ou relações sexuais, e nem compartilhamento de objetos, como talheres ou roupas de cama, ou espaços comuns, como piscinas.
Quadro clínico
O quadro clínico pode envolver comprometimento cutâneo e/ou de nervos periféricos, sendo a perda de sensibilidade a característica mais marcante da doença. Os sinais e sintomas mais prevalentes são:
- Máculas (brancas, avermelhadas, acastanhadas ou amarronzadas) e/ou áreas da pele com alterações de sensibilidade térmica, dolorosa e/ou tátil;
- Comprometimento – geralmente espessamento – associado a alterações sensitivas, motoras e/ou autonômicas;
- Áreas com diminuição dos pelos e do suor;
- Parestesias, principalmente nas mãos e nos pés;
- Redução ou perda de sensibilidade e/ou força muscular em face, mãos e pés;
- Eritema nodoso.
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico é primariamente baseado nos achados dos exames dermatológico e neurológico. Casos em que a sintomatologia não é clara, como os que apresentam comprometimento neurológico sem alterações cutâneas, devem ter avaliação mais criteriosa, com coleta de material para baciloscopia ou histopatologia de pele ou de nervo periférico, ou exames de eletrofisiológicos ou ultrassonográficos. Crianças com suspeita de hanseníase também devem ser criteriosamente avaliadas, devido à dificuldade em se aplicar e interpretar os testes de sensibilidade.
O tratamento é feito com poliquimioterapia (PQT), com associação de três antimicrobianos com atividade contra M. leprae. A associação de rifampicina, dapsona e clofazimina é a de escolha, com taxas de cura de aproximadamente 98% e baixa taxa de recidiva.
Atualmente, tanto casos pauci quanto multibacilares são tratados com o mesmo esquema medicamentoso. O tempo de tratamento é de seis doses mensais para os casos paucibacilares e de 12 doses mensais para os multibacilares. A regressão dos sinais e sintomas é variável, podendo levar anos para ocorrer, especialmente nos casos multibacilares.
Uma das preocupações em relação ao tratamento de hanseníase no Brasil é o desenvolvimento de resistência antimicrobiana, que é monitorada pelo Ministério da Saúde. De 2018 a 2023, foram registrados 96 casos de resistência, a maioria a ofloxacino. Resistência a dapsona e rifampicina também foram registrados.
Caso haja suspeita de falha terapêutica, deverá ser feita investigação de resistência antimicrobiana. Caso presente, há indicação de novo ciclo de tratamento com esquema de segunda linha. A investigação pode ser feita por meio de testes moleculares em amostras de biópsia de pele. As medicações que vão compor o novo esquema dependem do perfil de resistência detectado.
Após a identificação de um caso, é importante que se prossiga com a investigação de seus contatos com o objetivo de se identificar outros casos associados e de indicar profilaxia quando indicada. A ocorrência de hanseníase em crianças é um indicativo de transmissão ativa e a investigação de contatos deve ser ainda mais cuidadosa para identificação de outros casos ativos.
Define-se como contato “toda e qualquer pessoa que resida ou tenha residido, conviva ou tenha convivido com o doente de hanseníase, no âmbito domiciliar, nos últimos cinco anos anteriores ao diagnóstico da doença, podendo ser familiar ou não”.
Recentemente, o Brasil incorporou um teste rápido imunocromatográfico para detecção qualitativa de anticorpos IgM anti-M. leprae. Esse teste, disponível no Sistema Único de Saúde, está aprovado como ferramenta auxiliar na avaliação de contatos de casos ativos. Os que apresentam resultado positivo e que não apresentem critérios clínicos ou laboratoriais para o diagnóstico de doença ativa devem ser observados anualmente para o desenvolvimento de sinais e sintomas de hanseníase.
Recomenda-se ofertar imunoprofilaxia com vacina BCG aos contatos de pacientes com hanseníase, maiores de um ano de idade, não vacinados ou que tenham apenas uma dose de BCG. Ressalta-se que, em gestantes, portadores de imunodeficiência primária ou adquirida, pacientes com neoplasias malignas ou os tratados com doses altas de corticoides por mais de duas semanas, a vacinação com BCG está contraindicada.
Orientações aos pacientes
Por ser uma doença ainda marcada por muita desinformação e estigma, é importante que os profissionais de saúde estejam atentos para informar os pacientes e seus familiares sobre as formas de transmissão, importância do autocuidado e dos direitos de indivíduos com diagnóstico de hanseníase.
Informações aos pacientes estão disponíveis na Caderneta de Saúde da Pessoa Acometida pela Hanseníase.
O Ministério da Saúde recomenda a avaliação do contexto social de cada paciente a fim de identificar situações possíveis situações de estigma e preconceito e auxiliar no desenvolvimento de ações voltadas para seu enfrentamento. Recomenda-se, para esse fim, a adoção de duas escalas: Escala de Estigma para Pessoas Acometidas pela Hanseníase (EMIC-AP) e Escala de Participação.
Medidas de prevenção de sequelas e para melhora de qualidade de vida necessitam de envolvimento de equipes multiprofissionais, com intervenções de Serviço Social, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e profissionais de Saúde Mental.
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