A temida quarentena. Anteriormente aplicado às doenças epidêmicas quarentenárias, como cólera, ebola, febre amarela e o tifo exantemático, o termo “quarentena” tem como definição clássica a imposição de reclusão aos indivíduos suscetíveis (ou de animais hígidos) pelo período máximo de incubação de uma doença contagiosa, considerando a data do último contato com um caso clínico, portador ou fonte ambiental da infecção. E indica que determinado indivíduo ou animal deve permanecer isolado de outros de igual natureza durante determinado período pelo risco de transmissão de doenças contagiosas, com restrição à circulação.
Tais medidas foram historicamente aplicadas em populações para controle de doenças como hanseníase e peste negra, e mais recentemente, síndrome respiratória aguda (SARS), ebola e as pandemia de influenza H1N1 (2009-2010).
Coronavírus
Mediante a emergência da atual pandemia associada ao coronavírus SARS-CoV-2, causador da síndrome Covid-19, diversas medidas governamentais tem sido implementadas (em muitos países impostas rigorosamente em massa) na tentativa de controle da disseminação do vírus, dentre as quais inclui a quarentena de 14 dias para os contactantes assintomáticos de casos suspeitos ou confirmados com coronavirose, e também para pacientes com casos leves sem sinais de gravidade, devido ao alto risco de transmissão por vias aéreas. Porém, com a explosão de casos em diferentes localidades, atualmente a quarentena está também sendo recomendada ou imposta como forma de proteção aos suscetíveis sem histórico de contato, por período indeterminado, o isolamento profilático.
E como os indivíduos respondem a essas restrições? Quais os efeitos psicológicos à mudança da rotina e restrição da mobilidade frente a quarentena?
De forma a compreender melhor o impacto psicológico da quarentena, Brooks e cols (2020) realizaram uma revisão sistemática sobre o assunto incluindo estudos relacionados a surtos ou epidemias entre 2004 e 2019. Dos 3166 artigos publicados selecionados, 24 foram incluídos na revisão.
Resultados
A maioria dos estudos indica efeitos psicológicos negativos como sintomas de estresse pós-traumático, sintomas depressivos, tristeza, abuso de substância, estado confusional e irritabilidade.
Especialmente entre profissionais de saúde, observou-se maior probabilidade de ocorrência de exaustão, distanciamento social, ansiedade frente a pacientes febris, irritabilidade, insônia, dificuldade de concentração, indecisão, prejuízo na performance laboral, relutância ao trabalho ou resignação. Poucos estudos relataram pacientes em quarentena com sentimentos positivos como felicidade, alívio e proteção.
Os fatores estressores observados incluem: o próprio estado de quarentena, o qual implica em modificação da rotina e limitação da mobilidade, duração prolongada da quarentena, medo de infecções, frustração, tédio, suprimentos inadequados, informação limitada, perdas financeiras e estigma. Alguns autores sugerem que os impactos psicológicos prolongados gerados pela quarentena podem durar até três anos após, e que o histórico de transtorno mental consiste em fator de risco para a maior durabilidade dos impactos psicológicos negativos.
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Os dados também sugerem que as determinações oficiais de quarentena devem ter o suporte de informação clara e racional com garantia de suprimentos suficiente, e que o altruísmo pode ser favorável na compreensão do bem coletivo. Algumas das medidas eficazes para reduzir as consequências negativas da quarentena incluem:
- Redução do tempo de quarentena ao mínimo possível permitido – O período prolongado está relacionado ao pior prognóstico psicológico. A extensão do tempo leva à exacerbação dos sentimentos de frustração ou desmoralização. Adicionalmente, a não previsibilidade do tempo de quarentena em medidas de massa, como em cidades, exemplo em Wuhan na China, pode ter maiores efeitos deletérios do que aqueles pré-estabelecidos.
- Fornecimento de informação adequada à população – O devido esclarecimento leva à redução do medo, incerteza, e da desconfiança aos cuidados prestados pela equipe de saúde.
- Fornecimento de suprimentos adequados – Providenciar os itens básicos de suprimentos reduz a repulsão e os efeitos negativos à quarentena;
- Redução do entendiamento e melhora da comunicação – A oferta ou sugestão de atividades de entretenimento permitem o melhor manejo do estresse do confinamento. Como exemplo, a permissão do uso de telefone celular, ou outro meio eletrônico, deve ser considerada como necessidade básica e não artigo de luxo, assim como o contato por meios de comunicação com familiares e/ou afetos;
- Altruísmo – O reforço sobre a percepção dos efeitos benéficos da quarentena sobre o próximo vulnerável leva à maior tolerabilidade aos estressores relacionados às restrições, reduz os efeitos negativos psicológicos e aumenta a adesão às medidas recomendadas.
Adicionalmente, Rubins & Wessely (2020) descreveram os efeitos psicológicos da moderna quarentena quando imposta a uma cidade inteira, tomando como modelo a cidade de Wuhan, China em 2019-2020. Os autores citam ansiedade, pânico, preocupação com a falta de suprimentos alimentares, percepções apocalípticas e outros, mas reforçam que a base de toda a tensão e sentimentos negativos consiste no medo da incerteza, do desconhecido, do descontrole, e especialmente da morte.
Muitos aspectos psicológicos resultantes da pandemia da Covid-19, baseados em evidências, ainda estão em andamento devido a contemporaneidade do fenômeno, ainda sem previsão de término.
Outros aspectos sobre os impactos psicológicos da quarentena podem ser observados nos artigos citados abaixo.
Referências bibliográficas:
- Barbisch D, Koenig KL, Shih FY. Is there a case for quarantine? Perspectives from SARS to Ebola. Disaster Med Public Health Prep 2015; 9: 547–53.
- Brooks SK, Dunn R, Aml.t R, Rubin GJ, Greenberg N. A systematic, thematic review of social and occupational factors associated with psychological outcomes in healthcare employees during an infectious disease outbreak. J Occup Environ Med 2018; 60: 248–57
- Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, Rubin GJ. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020 Mar 14;395(10227):912-920.
- Jeong H, Yim HW, Song Y-J, et al. Mental health status of people isolated due to Middle East respiratory syndrome. Epidemiol Health 2016; 38: e2016048.
- Rubin GJ, Wessely S. The psychological effects of quarantining a city. BMJ 2020; 368: m313.
- Wester M, Giesecke J. Ebola and healthcare worker stigma. Scand J Public Health 2019; 47: 99–104.
- Wilken JA, Pordell P, Goode B, et al. Knowledge, attitudes, and practices among members of households actively monitored or quarantined to prevent transmission of Ebola virus disease–Margibi County, Liberia: February–March 2015. Prehosp Disaster Med 2017; 32: 673–78.
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