As tentativas de controle da disseminação, morbidade e mortalidade causadas pelo coronavírus SARS-CoV-2 e suas variantes continuam. Uma das estratégias profiláticas mais esperadas está sendo implementada de forma acelerada e inédita em todo o mundo, mesmo sem estudos do tipo ensaios clínicos conclusivos: a vacinação anti-Covid-19.
Atualmente, são diversas plataformas e estratégias vacinais anti-Covid-19, desde vacinas de fragmentos de RNA mensageiro, vetores virais, vacinas proteicas, até vírus completo inativado e outras propostas. Porém, os desafios frente às novidades impostas pelas propriedades do SARS-CoV-2 continuam emergindo, dessa vez às mutações que geram variantes diversas com propriedades biológicas ainda desconhecidas.
Com a descrição de quadros de reinfecção (pela mesma estirpe) ou infecção por novas variantes desde o início da pandemia, as dúvidas quanto à eficácia e efetividade das vacinas em desenvolvimento como tratamento profilático efetivo foram emergindo. E infelizmente, como provável mas não desejado, nos meses mais recentes diversas publicações vêm sendo publicadas demonstrando precisamente a emergência de variantes novas e a ocorrência de novas infecções em indivíduos com esquema vacinal anti-Covid-19 completo. Trazemos aqui alguns dos estudos com descrição e discussões mais detalhadas sobre esses novos episódios de Covid-19 em indivíduos vacinados.
Estudos sobre variantes pós vacinação
Hacisuleyman et al. (2021) apresentaram na The New England Journal of Medicine o relato de dois casos de indivíduos vacinados que exibiram infecção por variantes de SARS-CoV-2, mesmo com a constatação de resposta humoral significativa para a espícula proteica do coronavírus. Um dos pacientes (Paciente 1) consistia em uma mulher de 51 anos, sem comorbidades, vacinada com mRNA-1273 (Moderna) em 21 de janeiro e a segunda dose em 19 de fevereiro de 2021, e apresentou o teste de RT-PCR positivo 19 dias após a segunda dose vacinal.
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A paciente 1 apresentava um quadro de odinofagia, congestão, e cefaléia na ocasião do teste positivo, evoluiu com anosmia e disgeusia, e teve a resolução dos sintomas em uma semana. O outro paciente (Paciente 2) era um homem de 65 anos, sem fatores de risco para Covid-19, que recebeu a primeira dose da BNT162b2 (Pfizer-BioNTech) em 19 janeiro e a segunda dose em 9 de fevereiro de 2021, e já tinha encerrado o esquema vacinal há 36 dias antes no momento do teste positivo, associado a fadiga, congestão nasal, e cefaléia, com resolução posterior do quadro clínico.
Esses pacientes com resultados positivos eram parte de um grupo de 1400 pessoas, incluindo funcionários e estudantes da Rockefeller University, testados semanalmente (ou mais frequentemente) com um teste de RT-PCR a partir de saliva, desenvolvido pelo Darnell Clinical Laboratory Improvement Amendments–Clinical Laboratory Evaluation Program laboratorory, autorizado pelos protocolos locais e validado. Dentre esses pacientes, 417 funcionários receberam o esquema completo de vacinação com BNT162b2 (Pfizer-BioNTech) ou mRNA-1273 (Moderna) há, pelo menos, duas semanas antes da realização do teste, e foram detectados os dois casos positivos citados (incidência de 0,5%).
Os coronavírus isolados dos casos positivos foram submetidos ao sequenciamento do genoma, e as variantes eram relacionadas às variantes B.1.1.7 e B.1.526, mas com mutações adicionais (mutações E484K na paciente 1, e T95I, del142-144 e D614G no paciente 2). Adicionalmente os anticorpos neutralizantes foram mensurados em ambos os pacientes contra o SARS-CoV-2 original, e às variantes citadas, e apresentavam efeitos inibitórios adequados, porém não suficientes para prevenir novas infecções clínicas. Não foi avaliada a resposta celular por linfócitos T nesses pacientes.
Rana, Mohindra & Pinnaka (2021) descreveram incidências de teste positivo para SARS-CoV-2 em torno de 2,0% (72 entre 3650) dentre os profissionais de saúde vacinados com esquema completo com a vacina recombinante ChAdOx1 nCoV-19, e cerca de 1,6% de infecção sindrômica Covid-19. Achados semelhantes foram observados entre profissionais de saúde atuantes no Cleveland Veterans’ Affairs Medical Center, em Ohio, EUA, e submetidos ao esquema completo de vacinação com BNT162b2 (Pfizer-BioNTech) e com mais de duas semanas após a segunda dose.
Nesse estudo, a incidência acumulativa foi de 0,3% (12 casos positivos entre 4222 funcionários vacinados) (Blachere, Hacisuleyman, & Darnell, 2021; Redmond et al. 2021) e a variante B.1.1.7. foi a predominante (7/12 casos positivos). Por outro lado, o estudo reforça que a vacinação diminuiu em 19x a chance de infecção por SARS-CoV-2. Jacobson et al. (2021) avaliaram os casos de testes positivos para o coronavírus associado a Covid-19, em um centro médico acadêmico no norte da California, em indivíduos que receberam, pelo menos, uma dose vacinal.
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Dentre esses, 189 casos positivos foram detectados dentre 22.729 profissionais de saúde incluídos, e às novas mutações descritas em variantes B.1.427/B.1.429. Infecções por SARS-CoV-2 pós-vacinação foram descritas em outros estudos, para essas vacinas citadas ou outras como vírus inativados como a BBV152/COVAXIN, Covishield, Coronavac e outras (Tyagi et al., 2021; Ulhaq, Soraya & Indriana, 2021). Os períodos de ocorrência descritos para as infecções por SARS-CoV-2 após a vacinação variam para acima de 14 dias após a segunda dose em diante, e os títulos de anticorpos neutralizantes foram altos.
Conclusão
Tais achados e observações reforçam a necessidade vacinação como potente agente profilático de forma a minimizar as taxas de incidência, mas também de vigilância contínua para monitoramento de variantes, incluindo testes rápidos de antígeno ou por RT-PCR de indivíduos sintomáticos e assintomáticos, sequenciamento do genoma viral e monitoramento de anticorpos neutralizantes e resposta imune celular por investigação de células T (tipo Th1, Th2, Th17 e células regulatórias – Treg), particularmente em indivíduos vacinados subsequentemente infectados (Blachere, Hacisuleyman, & Darnell, 2021; Nixon & Ndhlovu, 2021; Rana, Mohindra & Pinnaka, 2021).
Referências bibliográficas:
- Blachere NE, Hacisuleyman E, Darnell RB. Vaccine Breakthrough Infections with SARS-CoV-2 Variants. Reply. N Engl J Med. 2021 Jun 2. doi: 10.1056/NEJMc2107808
- Hacisuleyman E, et al. Vaccine Breakthrough Infections with SARS-CoV-2 Variants. N Engl J Med. 2021 Jun 10;384(23):2212-2218. doi: 10.1056/NEJMoa2105000
- Jacobson KB, et al. Post-vaccination SARS-CoV-2 infections and incidence of the B.1.427/B.1.429 variant among healthcare personnel at a northern California academic medical center. medRxiv [Preprint]. 2021 Apr doi: 24:2021.04.14.21255431.
- Kustin T, et al. Evidence for increased breakthrough rates of SARS-CoV-2 variants of concern in BNT162b2-mRNA-vaccinated individuals. Nat Med. 2021 Jun 14. doi: https://doi.org/10.1101/2021.04.06.21254882
- Nixon DF, et al. Vaccine Breakthrough Infections with SARS-CoV-2 Variants. N Engl J Med. 2021 Jun 2: doi: 10.1056/NEJMc2107808#sa1.
- Rana K, et al. Vaccine Breakthrough Infections with SARS-CoV-2 Variants. N Engl J Med. 2021 Jun 2. doi: 10.1056/NEJMc2107808#sa1.
- Redmond SN, et al. Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) infection in vaccinated and unvaccinated healthcare personnel in a Veterans’ Affairs healthcare system. Infect Control Hosp Epidemiol. 2021 May 27:1-2. doi: 10.1017/ice.2021.256
- Philomina J B, et al. Genomic survey of SARS-CoV-2 vaccine breakthrough infections in healthcare workers from Kerala, India. J Infect. 2021 May 25. doi: https://doi.org/10.1016/j.jinf.2021.05.018
- Tyagi K, et al. Breakthrough COVID19 infections after vaccinations in healthcare and other workers in a chronic care medical facility in New Delhi, India. Diabetes Metab Syndr. 2021 May 3. doi: 10.1016/j.dsx.2021.05.001
- Ulhaq ZS, et al. Breakthrough COVID-19 case after full-dose administration of CoronaVac vaccine. Indian J Med Microbiol. 2021 Jun 4. doi: 10.1016/j.ijmmb.2021.05.017
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