Um estudo piloto foi publicado recentemente no periódico Open Forum Infectious Disease. Neste estudo piloto, o regime Dolutegrir e Lamivudina (DTG/3TC) demonstrou segurança e eficácia, com todas as participantes alcançando supressão viral antes do parto. Não foram registrados casos de transmissão perinatal do HIV, nem eventos adversos relacionados ao medicamento.
Introdução
A transmissão vertical do HIV é um problema significativo de saúde pública, sendo a principal causa de infecção pediátrica pelo vírus. Globalmente, cerca de 1,3 milhão de gestações ocorrem em mulheres vivendo com HIV anualmente, com a transmissão vertical sendo mais comum em mulheres não diagnosticadas, sem terapia antirretroviral (TARV), que interromperam o tratamento ou que contraíram o vírus durante a gestação ou amamentação. No Brasil, 114 casos de transmissão vertical de HIV foram registrados em 2022, representando 0,3% dos casos conhecidos de exposição. A eliminação da transmissão vertical requer o uso de TARV segura e eficaz durante a gestação, reduzindo o risco de transmissão para menos de 1%.
As diretrizes brasileiras recomendam a TARV baseada em três fármacos, incluindo dois inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa e um terceiro agente, como um inibidor da integrase. O dolutegravir (DTG), amplamente utilizado devido à sua eficácia na supressão virológica e alta barreira à resistência, é preferido em regimes de primeira linha. Estudos recentes indicam que esquemas com dois fármacos, incluindo DTG e lamivudina (3TC), podem ser tão eficazes quanto os regimes com três drogas, além de reduzir a toxicidade a longo prazo e a exposição fetal.
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Objetivo
Este estudo buscou avaliar a segurança e a eficácia do regime DTG/3TC em gestantes com HIV que não usaram TARV previamente, fornecendo dados iniciais sobre seu potencial no controle da transmissão perinatal.
Metodologia
Trata-se de um ensaio clínico realizado em Salvador, Bahia, Brasil, envolvendo mulheres grávidas vivendo com HIV, acompanhadas até o parto, e seus recém-nascidos até seis semanas após o nascimento. A pesquisa foi conduzida em duas fases: na primeira, 10 gestantes foram acompanhadas e, após análise de segurança, mais 10 participantes foram incluídas na segunda fase. Os critérios de inclusão foram idade gestacional entre 14 e 28 semanas, carga viral ≥ 1.000 cópias/mL, ausência de exposição prévia a antirretrovirais (ARVs) e idade ≥ 15 anos. Foram excluídas pacientes com condições como mutações de resistência aos ARVs usados, doenças hepáticas graves, ou condições clínicas que comprometiam a adesão ao estudo.
As participantes receberam um regime fixo de dolutegravir (DTG) e lamivudina (3TC) (50 mg/300 mg) em dose única diária, com avaliações realizadas na inclusão, a cada 4 semanas, e no parto. Os recém-nascidos foram avaliados ao nascimento e com 4 e 6 semanas de vida. Os desfechos primários incluíram a proporção de mães e lactentes com carga viral indetectável (< 50 cópias/mL) no momento do parto. Desfechos secundários envolveram mudanças no tratamento até o parto e frequência de eventos adversos (EAs) em mães e bebês. A adesão foi monitorada por contagem de comprimidos e questionário padrão.
O estudo seguiu os princípios éticos exigidos e recebeu aprovação do comitê de ética local. A análise estatística utilizou estatísticas descritivas para os desfechos primários e secundários. Os resultados visaram fornecer evidências iniciais sobre a segurança e eficácia do regime DTG/3TC em gestantes soropositivas, avaliando também o impacto na transmissão perinatal do HIV.
Principais achados
De janeiro de 2019 a março de 2021, um total de 20 gestantes vivendo com HIV foram incluídas em um único centro. A maioria das voluntárias (55%) era casada ou em união estável (65%) e havia concluído entre 8 e 12 anos de escolaridade (65%). Metade das pacientes relatou consumo de álcool no passado, enquanto 30% relataram consumo durante a gestação. A maior parte das mulheres (60%) informou nunca ter fumado, e 75% não utilizaram drogas recreativas. No entanto, 15% relataram uso atual de maconha. A idade média das participantes era de 25,4 anos, com uma idade gestacional média de 18 semanas e 5 dias no início do estudo.
No início do estudo, a contagem mediana de células CD4 era de 401,6 ± 113,6 células/μL, aumentando para 690,2 ± 266 células/μL no momento do parto. A carga viral mediana inicial foi de 9514 cópias/mL. Todas as mulheres alcançaram carga viral indetectável após uma média de 40 dias. Não foram detectados casos de transmissão vertical do HIV. Nenhuma modificação no regime terapêutico foi necessária durante o estudo, e não foram registrados eventos adversos relacionados à terapia antirretroviral.
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Discussão e conclusões
A eficácia do DTG/3TC é comparável à de regimes com três fármacos, com o benefício adicional de reduzir a exposição fetal a medicamentos e minimizar riscos de toxicidade a longo prazo.
Embora estudos iniciais tenham levantado preocupações sobre o uso de DTG no início da gestação devido a possíveis defeitos do tubo neural, evidências mais recentes, incluindo grandes coortes brasileiras e internacionais, não confirmaram esse risco. O DTG é especialmente eficaz para redução rápida da carga viral, sendo útil em casos de diagnóstico tardio. Apesar da amostra pequena e limitações do estudo, os resultados apoiam a investigação futura dessa estratégia em gestantes com HIV.
O regime DTG/3TC é uma alternativa promissora para o manejo de gestantes com HIV, oferecendo segurança, eficácia e potencial para redução da transmissão perinatal.
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