Uma nova revisão publicada na Cochrane Database of Systematic Reviews agora em 2025 colocou em xeque uma das recomendações mais difundidas da obstetrícia moderna: o uso rotineiro de suplementação de cálcio durante a gestação para prevenção de pré-eclâmpsia.
A pré-eclâmpsia (PE) é uma complicação hipertensiva da segunda metade da gestação que pode levar a sérias complicações gestacionais como lesão em sistema nervoso central, cardiovascular, placentário e hepático e renal. A suplementação de cálcio tem sido recomendada com frequência em diversos guidelines com base uma publicação de 2018, mostrando benefícios da sua prescrição na prevenção de PE.
A revisão, que incluiu dados de mais de 37 mil mulheres (provenientes de 10 ensaios clínicos randomizados), buscou reavaliar os efeitos da suplementação do cálcio sobre os quadros hipertensivos gestacionais, considerando o diagnóstico de pré-eclâmpsia, parto pré-termo, mortalidade materna e perinatal e morbidades graves como AVC, insuficiência renal, edema pulmonar, mesmo em mulheres com baixa ingestão de cálcio.
Principais achados
A suplementação de cálcio não resultou em diferença no diagnóstico de pré-eclâmpsia (RR 0,83; IC95% 0,67–1,04; 6 ECRs; 15.364 mulheres; evidência de baixa certeza), mesmo após a exclusão de estudos pequenos (RR 0,92; IC95% 0,79–1,05; 4 ECRs; 14.730 mulheres; alta certeza).
Não parece ter efeito sobre sobre morte materna (RR 0,33; IC95% 0,06–1,83) ou eventos adversos relacionados à hipertensão na gestante (RR 2,16; IC95% 0,43–10,78). O mesmo ocorreu para a ocorrência de parto prematuro (RR 0,97; IC95% 0,85–1,11; alta certeza).
Também não houve efeito protetivo em relação à perda perinatal (RR 0,93; IC95% 0,64–1,35) e na ocorrência de natimorto (RR 0,91; IC95% 0,72–1,15).

Comentários: cálcio na gravidez
Os resultados surpreenderam a comunidade científica. Ao aplicar critérios rigorosos de confiabilidade, incluindo exigência de registro prospectivo, plausibilidade do recrutamento e consistência interna dos dados, os autores identificaram que muitos estudos clássicos que sustentavam o benefício do cálcio apresentavam fragilidades importantes. Ensaios pequenos com efeitos exagerados e metodologia pouco transparente, foram excluídos ou reclassificados por impossibilidade de validação independente.
Com a retirada desses estudos, a evidência passou a se apoiar quase exclusivamente em grandes ensaios clínicos multicêntricos, incluindo pesquisas com milhares de gestantes conduzidas pela Organização Mundial da Saúde e estudos recentes de grande escala. O resultado foi consistente: não houve redução significativa do risco de pré-eclâmpsia, parto prematuro, mortalidade materna ou perda perinatal, independentemente da dose de cálcio utilizada.
Mensagem prática
Para os autores, o fenômeno observado reflete um problema conhecido da literatura médica: os chamados “small-study effects”, nos quais estudos pequenos e metodologicamente frágeis tendem a superestimar benefícios. Quando apenas os dados mais robustos permanecem, o efeito simplesmente desaparece.
Mais do que encerrar um debate sobre um suplemento, a revisão de 2025 deixa uma mensagem maior para a medicina: diretrizes também envelhecem. E a prática baseada em evidências exige disposição para rever dogmas à luz de dados mais sólidos. No caso do cálcio, o capítulo de sua eficácia na prevenção da pré-eclâmpsia parece, finalmente, ter chegado ao fim.
Autoria
Sérgio Okano
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