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Gastroenterologia13 junho 2022

Qual o papel da albumina na cirrose hepática?

Um grupo de autores mexicanos se reuniu para escrever sobre o posicionamento do uso da albumina na cirrose hepática.

Um grupo de autores mexicanos se reuniu para escrever sobre o posicionamento do uso da albumina na cirrose hepática. Existem condições em que a albumina é comprovadamente benéfica, assim como situações em estudo, em que seu uso é potencialmente benéfico.

A cirrose hepática pode ser dividida na fase compensada e descompensada, quando ocorrem as manifestações clínicas relacionadas à hipertensão portal clinicamente significativa e disfunção hepática, como ascite, hemorragia digestiva, encefalopatia hepática, icterícia e lesão renal aguda.

A fibrose do órgão e o consequente desenvolvimento de hipertensão portal levam a liberação de agentes vasodilatadores cursando com vasodilatação do leito esplâncnico e aumentando a permeabilidade intestinal, favorecendo a translocação bacteriana, que leva à liberação de interleucinas inflamatórias, além de PAMPS/DAMPS, aumentando o estresse oxidativo e favorecendo quadros infecciosos.

A albumina sérica encontra-se com níveis reduzidos na cirrose hepática, além de apresentar alterações qualitativas devido ao estado inflamatório crônico. O papel dessa proteína é além da contribuição para pressão oncótica, tendo importantes atividades anti-inflamatórias, antioxidantes, no transporte de moléculas e na estabilização da permeabilidade capilar e endotélio vascular. A hipoalbuminemia está relacionada com redução na sobrevida e aumento do risco de descompensações hepáticas e também de acute-on-chronic liver failure (ACLF) quando o paciente é exposto a fatores desencadeadores, como abuso de álcool e infecções.

Leia também: Hemostasia em pacientes com cirrose descompensada e infectados: o que esperar?

A vasodilatação esplâncnica reduz o volume circular efetivo, aumentando a retenção de sal e água através de mecanismos compensatórios como sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), sistema nervoso simpático (SNS) e ativação do hormônio antidiurético (ADH). Com isso, há formação de ascite e há agravo da hipoalbuminemia devido à hemodiluição e sequestro da albumina no espaço extracelular e no líquido ascítico.

O uso da albumina na cirrose hepática combate a disfunção circulatória, aumentando o volume plasmático, a pré-carga, o débito cardíaco e a resistência vascular periférica e, através de suas propriedades antioxidantes e de imunomodulação, reduz o estado inflamatório crônico na cirrose descompensada.

Após a compreensão da fisiopatologia da cirrose hepática e os efeitos deletérios da hipoalbuminemia, vamos ao posicionamento dos autores baseado na literatura médica, quanto ao uso de albumina nas situações comprovadas e potenciais.

Qual o papel da albumina na cirrose hepática

Indicações comprovadas:

  1. Albumina após paracentese de grande volume:

Infusão de 6-8 g de albumina por litro de líquido ascítico retirado em paracenteses de grande volume (mais de 5 litros) é recomendada para evitar disfunção circulatória pós-paracentese (DCPP), uma redução do volume circulante efetivo associada à mortalidade e ao desenvolvimento de LRA e hiponatremia que pode ocorrer em até 70% dos pacientes submetidos à paracentese de grande volume, caso não submetidos à reposição de fluidos. Os estudos demonstram superioridade e custo-efetividade no uso da albumina em comparação com outros expansores volêmicos ou vasoconstrictores.

  1. Albumina em pacientes com lesão renal aguda (LRA) e Síndrome Hepatorrenal (SHR)

Uma elevação da creatinina ≥ 0,3 mg/dL ou ≥ 50% em relação à linha de base em um período de 48 horas é definido como lesão renal aguda em pacientes com cirrose hepática.

Nos pacientes cirróticos com ascite e lesão renal aguda existe a preocupação com a síndrome hepatorrenal, que ocorre devido a uma vasoconstrição renal, do hilo até o córtex, em resposta à vasodilatação arterial esplâncnica.

Frente a um paciente cirrótico com lesão renal aguda (AKI > 1A), devemos buscar fatores desencadeantes como infecções, hipovolemia, medicações nefrotóxicas, hemorragia digestiva alta, tratando-os quando identificados. A ressuscitação volêmica deve estar relacionada à causa e gravidade da perda hídrica. Na ausência de causas identificáveis, na presença de lesão renal associada à infecção e/ou na suspeita de SHR-AKI recomenda-se albumina 1 g/kg de peso/dia durante 48 horas e, em seguida, reavaliar. Se houver progressão da lesão renal, é necessário avaliar causas de lesão renal intrínseca ou pós renal. Na ausência dessas, deve-se estabelecer diagnóstico de SHR-AKI, instituindo o tratamento adequado com vasoconstritores e albumina. Esse tratamento reduz as taxas de mortalidade e melhora a função renal na SHR-AKI, sendo recomendado a partir do estágio 1b. Nesses casos, após o tratamento inicial por 48 horas de albumina a 1 g/kg, a albumina deve ser administrada na dose diária de 20-40 g durante o tratamento com vasoconstritores. É importante ter atenção ao status volêmico do paciente, a fim de evitar complicações como congestão e edema agudo de pulmão.

  1. Albumina em pacientes com peritonite bacteriana espontânea (PBE)

Paracentese diagnóstica é recomendada para todos os pacientes cirróticos com início recente de ascite, todo paciente cirrótico com ascite internado ou na presença de alguma das seguintes descompensações: encefalopatia hepática, hemorragia digestiva alta, febre, dor abdominal, choque, lesão renal aguda. Isso é necessário para diagnóstico de PBE, uma infecção com alta mortalidade se não identificada e com risco de desenvolver lesão renal aguda.

O tratamento da PBE é feito com antibioticoterapia associada ao uso de albumina 1,5 g/kg no primeiro dia e 1 g/kg no terceiro dia. A albumina reduz a mortalidade e a LRA, principalmente nos grupos de alto risco (bilirrubina >4 mg/dl, BUN >30 mg/dl e/ou creatinina >1 mg/dl). A dose recomenda deve ser individualizada e monitorada para evitar sobrecarga hídrica.

Indicações potencialmente benéficas:

  1. Uso prolongado de albumina:

Os estudos Pilot-PRECIOSA, ANSWER e MACHT vêm avaliando o papel do uso prolongado da albumina ambulatorialmente, sendo promissor na redução de mortalidade e descompensações, assim como no melhor manejo da ascite. Contudo, seu uso rotineiro ainda não pode ser recomendado pois faltam evidências do grupo que mais se beneficiaria da intervenção, do cálculo da dose recomendada e sua monitorização. Além disso, são necessários estudos avaliando o custo-benefício dessa estratégia.

O quadro a seguir sintetiza os principais dados relacionados a esses estudos.

EstudoPopulação alvoDoseDesfecho
PRECIOSACirrose descompensadaAlbumina 1,5 g/kg 1 x semana  vs

Albumina 1 g/kg a cada 2 semanas

Durante 12 semanas

Doses maiores: normalização da albumina sérica; estabilidade circulatória do VE; redução de citocinas inflamatórias.

Não reduziu a pressão portal

ANSWERCirrose e ascite não complicadaTerapia padrão  vs

Albumina 40 g 2 x por semana 2 semanas seguido de albumina 40 g 1 x por semana

Grupo com albumina: melhora da sobrevida e controle de ascite; menos descompensações e hospitalizações; melhor qualidade de vida
MACHTCirrose descompensada em fila de transplanteTerapia padrão vs

Midodrina + albumina 40g a cada 15 dias

Ausência de redução de complicações como LRA, hiponatremia, infecções, EH, HDA ou mortalidade
*Os pacientes do estudo ANSWER apresentavam níveis menores de MELD em comparação ao estudo MATCH. O tempo de intervenção no estudo ANSWER foi maior em comparação ao estudo MATCH (17,6 meses x 63 dias).
  1. Pacientes hospitalizados por descompensação

O uso de albumina para elevar níveis de albumina sérica acima de 3 g/dL a fim de prevenir LRA, infecção ou mortalidade em cirróticos descompensados hospitalizados não é recomendado, pois o estudo ATTIRE que randomizou 777 pacientes internados por descompensação recebendo infusões repetidas de albumina com esse fim em comparação com o tratamento padrão foi negativo em reduzir esses desfechos, ocasionando ainda aumento de sobrecarga volêmica e edema pulmonar.

  1. Pós-transplante hepático

A administração de albumina em pacientes com hipoalbuminemia pode ser considerado nos pós-transplante hepático, apesar de não haver comprovação de eficácia em reduzir mortalidade e melhorar desfechos clínicos.

Estudos retrospectivos demonstraram que pacientes com maior concentração de albumina no pós-operatório de transplante hepático apresentaram um menor escore SOFA e tiveram menor necessidade de vasopressores.

  1. Uso na lesão renal intrínseca ou pós-renal

O uso da albumina não é recomendado em pacientes com LRA renal intrínseca ou pós-renal.

A principal causa de LRA renal intrínseca é a necrose tubular aguda, decorrente de isquemia induzida por hipovolemia persistente ou exposição a nefrotoxinas. Não existem evidências científicas que favoreçam o uso de albumina em relação a outras soluções.

A LRA pós-renal é a forma menos comum de LRA em cirróticos descompensados e nesse caso o tratamento se baseia na correção da obstrução.

Saiba mais: O que muda no manejo de cirrose hepática após o consenso de Baveno VII?

  1. Cãibras musculares

Cãibras musculares são frequentes na cirrose descompensada, principalmente na presença de ascite, hipotensão e Child Pugh C. Uma revisão sistemática demonstrou redução das cãibras em 75% dos pacientes recebendo albumina, provavelmente relacionado à melhora da função circulatória. Dessa forma, em pacientes com cirrose descompensada apresentando limitação da qualidade de vida devido a cãibras podem se beneficiar de infusão semanal de albumina.

  1. Outras infecções além de PBE

Na literatura, existem diversos estudos avaliando o papel da albumina a fim de prevenção de LRA ou redução de mortalidade em outras infecções além de PBE. Alguns resultados demonstram que pacientes usando albumina parecem melhorar sua função renal e circulatória e reduzir marcadores de inflamação, evoluindo com menos infecções nosocomiais e uma maior taxa de resolução de ACLF. Entretanto, as evidências não são suficientes para recomendar seu uso nessas situações.

  1. Hiponatremia

A curto prazo, o uso de albumina pode ser considerado como adjuvante no tratamento da hiponatremia. Todavia não há evidências no controle da hiponatremia crônica.

  1. Encefalopatia hepática

Muitos estudos demonstram em seus desfechos secundários que o uso de albumina, principalmente em pacientes com ascite, melhora a encefalopatia hepática. Estudos comparando uso de lactulose ou rifaximina isolados versus associados à albumina demonstraram maior taxa de reversão da encefalopatia hepática e redução de mortalidade nos grupos com albumina, sendo seu uso promissor na prevenção ou de tratamento para EH.

  1. ACLF

O mecanismo fisiopatológico do ACLF envolve mecanismos pró-inflamatórios e pró-oxidante. Dessa maneira, devido às propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes da albumina, sua administração precoce em pacientes com cirrose hepática descompensada pode reduzir o risco de desenvolver ACLF, sendo necessários mais estudos.

Além disso, o grau de ACLF avaliado pelo CLIF-C é um preditor de resposta ao tratamento com albumina/terlipressina, o que demonstra a importância de diagnóstico precoce, para tratamento em uma janela de oportunidade.

  1. Imunomodulação

O uso de albumina para tratamento de curto e longo prazo demonstrou ter efeitos imunomoduladores na cirrose descompensada, sendo promissor. Mais estudos devem ser realizados para recomendá-lo, assim como para definir dose adequada.

  1. Função circulatória

O uso de albumina é promissor em melhorar a disfunção circulatória em pacientes com cirrose hepática descompensada. Novos estudos devem avaliar o subgrupo de pacientes que mais se beneficia desse tratamento, assim como dose necessária e frequência.

Em relação a impacto econômico, dados espanhóis e italianos demonstram que o uso da albumina é custo-efetivo.

Mensagens práticas

Com o passar dos anos, houve melhor compreensão da fisiopatologia da cirrose hepática, assim como das propriedades farmacológicas da albumina humana. Dessa forma, os efeitos pleiotrópicos dessa droga são alvo de estudos para seu uso além do habitual.

Em nosso meio, devido ao custo, sabemos que muitas vezes se encontra dificuldade no uso da albumina, inclusive nas indicações comprovadas de benefício. Contudo, nas situações potencialmente benéficas, se disponibilidade da droga, seu uso pode ser ponderado caso a caso.

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Referências bibliográficas

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