Uma das complicações mais temidas da cirurgia colorretal, e não raras, são as fístulas anastomóticas, que ocorrem principalmente após as ressecções retais e podem acometer até 30% dos pacientes.
Na atualidade, com o advento das cirurgias minimamente invasivas, a alta hospitalar tende a se dar de forma precoce, o que é ótimo sob vários aspectos, mas pode atrasar o diagnóstico de leaks anastomóticos, cujos sinais e sintomas tendem a ocorrer entre o 4° e 8° dia de pós-operatório, momento em que o paciente geralmente já está em seu domicílio.
Sinais e sintomas da fístula anastomótica |
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As principais ferramentas de triagem, embora inespecíficas, são os marcadores inflamatórios: proteína C reativa e procalcitonina. É normal a elevação de ambos nas primeiras 24 a 48 horas de pós-operatório, em razão da resposta endócrino-metabólica ao trauma cirúrgico. Contudo, um segundo pico, identificado entre o 3° e 5° dias de pós-operatório, pode ser útil para o raciocínio diagnóstico, principalmente quando em níveis baixos, em função de seu elevado valor preditivo negativo para as fístulas anastomóticas.
Marcadores inflamatórios |
PCR |
Procalcitonina |
Sítio de produção |
Hepático |
Tireoidiano |
Tempo de elevação após o estímulo |
12 a 24 horas |
2 a 6 horas |
Ponto de corte sugerido |
50 a 150 mg/L |
0,75 a 1,8 ng/mL |
Acurácia diagnóstica (AUC) |
78 a 87% |
88 a 92% |
Uma vez alterados, são indicativos da necessidade de seguir adiante na investigação, com destaque para a tomografia computadorizada do abdome (TC), sendo a sua acurácia incrementada pela administração retal de contraste. Os achados indicativos de fístula anastomótica são a presença de ar livre perianastomótico e extravasamento do meio de contraste, bem como coleções fluidas intracavitárias, que devem ser sempre avaliadas para a drenagem percutânea. Nos casos em que a anastomose está centrada na pelve, a TC perde muito em acurácia, e a RM se sobressai, sendo um método interessante nas anastomoses baixas retais.
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Diante de propedêutica inicial negativa, mas com suspeição clínica mantida, a investigação pode ser realizada pela via endoscópica, seja por retoscopia, retossigmoidoscopia ou colonoscopia, na dependência da topografia da anastomose. A modalidade tem elevada sensibilidade (70%), excelente especificidade (100%) e acurácia diagnóstica de 99%. Entretanto, em razão dos riscos (aparentemente muito pequenos, especialmente nas anastomoses baixas retais) associados ao estresse mecânico imposto às anastomoses recém criadas, não é uma ferramenta a ser aplicada de forma rotineira, mas sim reservada aos casos duvidosos. Uma vantagem adicional é o potencial terapêutico de intervenção sobre o óstio fistuloso e cavidade infectada por ele gerada, por meio de técnicas minimamente invasivas como o vácuo assistido endoscópico (EVT) por meio da alocação de esponja na cavidade e conectada a um sistema de aspiração contínua e controlada.
Estratégia propedêutica sequencial na suspeita de fístulas anastomóticas colorretais
As fístulas anastomóticas estão associadas a desfechos desfavoráveis, como sepse, aumento de custos e do tempo de internação, bem como a necessidade de ostomias permanentes, piora da sobrevida oncológica e da qualidade de vida, com mortalidade de quase 20%. Portanto, o diagnóstico precoce, com intervenções em tempo hábil, são fundamentais.
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Conclusão e Mensagens práticas
- As fístulas anastomóticas podem ocorrer em até 30% das cirurgias colorretais.
- Os principais sinais e sintomas, iniciados geralmente entre o 4° e 8° dia de pós-operatório (DPO), são o agravamento da dor abdominal, febre, taquipneia, taquicardia e mudança do aspecto do conteúdo de drenos abdominais.
- A dosagem de PCR e procalcitonina entre o 3° e 5° DPO tem alto valor preditivo negativo.
- Uma vez elevados os marcadores inflamatórios, sugere-se prosseguir investigação com TC de abdome total com contraste retal, ou RM nas anastomoses retais baixas, centradas na pelve.
- Nos casos em que a propedêutica é negativa, mas a suspeição clínica elevada, deve-se prosseguir com a avaliação endoscópica da anastomose.
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