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Endocrinologia25 setembro 2025

Transtornos alimentares em pacientes com diabetes: nova atualização da SBD

A diretriz da SBD enfatiza que a identificação dos transtornos alimentares deve ser ativa em todos os pacientes com DM.

Os transtornos alimentares (TAs) são distúrbios psiquiátricos graves, caracterizados por alterações persistentes do comportamento alimentar, associados a prejuízos físicos, metabólicos e psicossociais. Na pessoa com diabetes, essas condições assumem uma dimensão ainda mais relevante, pois interagem diretamente com o manejo terapêutico da doença. Além de favorecer níveis persistentemente elevados de hemoglobina glicada, os TAs estão ligados ao aumento do risco de complicações crônicas, internações e mortalidade precoce. Entre as manifestações mais graves encontra-se a omissão deliberada da insulina como forma de perder peso, fenômeno muitas vezes referido como “diabulimia”. Essa prática, descrita sobretudo em pacientes com diabetes tipo 1, compromete não apenas o controle glicêmico, mas também o crescimento e o desenvolvimento em adolescentes, tornando a detecção e o manejo desses quadros um desafio clínico central. 

Devido à importância do tema, recentemente a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), em 2025, publicou uma atualização sobre o tema em sua diretriz. Trazemos as mesmas para discussão aqui no Portal Afya. 

Rastreamento e reconhecimento precoce 

A diretriz da SBD enfatiza que a identificação dos transtornos alimentares deve ser ativa em todos os pacientes com DM. A depender da idade e do perfil do paciente, os sinais podem ser sutis ou mesmo negados, razão pela qual o profissional de saúde precisa adotar uma postura não apenas investigativa como acolhedora. Variações abruptas de peso, flutuações inexplicáveis no controle glicêmico, crises de compulsão, uso abusivo de laxantes, restrições alimentares severas e, principalmente, omissão recorrente de insulina, devem acender um alerta. A avaliação deve ser parte da rotina dos atendimentos em diabetes, com espaço para perguntas abertas sobre hábitos alimentares e relação do paciente com a comida e com o corpo. A diretriz reforça que o diagnóstico precoce é determinante para evitar a progressão do quadro e reduzir complicações a longo prazo.

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Tratamento psicoterápico e farmacológico 

O manejo psicoterápico ocupa papel central no tratamento. A diretriz recomenda a terapia cognitivo-comportamental (TCC) como modalidade de primeira escolha, dado o maior volume de evidências que apontam sua eficácia. A TCC atua diretamente na reestruturação de crenças distorcidas sobre corpo, peso, comida e uso da insulina, além de fornecer estratégias práticas para lidar com compulsões, culpa e recaídas. Outras formas de psicoterapia podem ser consideradas, especialmente quando há comorbidades psiquiátricas, mas a presença de acompanhamento psicológico estruturado deve ser vista como obrigatória no plano terapêutico. Essa abordagem favorece a adesão ao tratamento do diabetes, reduz a variabilidade glicêmica e contribui para melhorar a qualidade de vida do paciente. 

Embora a base do tratamento dos transtornos alimentares na pessoa com diabetes seja psicoterápica e nutricional, a diretriz abre espaço para considerar opções farmacológicas em casos específicos, sobretudo diante do transtorno da compulsão alimentar periódica (BED). A lisdexanfetamina é atualmente o único medicamento aprovado pelo FDA para o tratamento do BED moderado a grave em adultos. Ensaios clínicos randomizados demonstraram que, em doses entre 50 e 70 mg/dia, o fármaco reduz significativamente a frequência dos episódios de compulsão alimentar, melhora a gravidade dos sintomas e produz diferenças clinicamente relevantes em escalas validadas, como a YBOCS-BE. Contudo, seu uso pode gerar efeitos colaterais indesejáveis como insônia, ansiedade, cefaleia, além de potencial para abuso e efeitos cardiovasculares, exigem que a relação risco-benefício seja avaliada de forma individualizada.  

O topiramato, anticonvulsivante com ação sobre o comportamento alimentar, também mostrou eficácia na redução da frequência de compulsões e na promoção de remissão, com magnitude de efeito semelhante ou até superior à lisdexanfetamina em metanálises recentes. Entretanto, seu perfil de efeitos adversos — incluindo parestesias, alterações cognitivas e perda ponderal — limita a aplicação rotineira, sendo mais indicado em casos refratários ou quando outras opções não são viáveis.  

Já os antidepressivos, em especial os inibidores seletivos da recaptação da serotonina como fluoxetina, sertralina e escitalopram, demonstraram apenas benefício modesto na redução da frequência das compulsões, inferior ao observado com lisdexanfetamina ou topiramato. Apesar disso, sua utilização pode ser considerada em pacientes com comorbidade depressiva significativa, onde atuam tanto na compulsão quanto nos sintomas do humor. 

Manejo metabólico e uso da insulina 

O uso inadequado de insulina representa uma das faces mais perigosas dos transtornos alimentares no diabetes. Ao omitir ou reduzir doses com a finalidade de perder peso, o paciente pode se sujeitar a hiperglicemias persistentes e maior risco de cetoacidose diabética. A diretriz destaca que esse comportamento repercute em níveis elevados e sustentados de HbA1c, acelerando o surgimento de complicações microvasculares e macrovasculares. Assim, o manejo clínico deve incluir monitorização glicêmica intensificada, revisão dos esquemas terapêuticos e fortalecimento da educação em diabetes, além de endereçar a motivação psicológica por trás da omissão da insulina e oferecer suporte. 

Cuidado nutricional 

O suporte nutricional deve ser individualizado e elaborado de forma cuidadosa. A diretriz adverte contra planos alimentares muito restritivos, que podem reforçar a sensação de fracasso e estimular comportamentos compensatórios, como compulsões ou purgações. A proposta é favorecer um padrão alimentar equilibrado, flexível e adaptado às preferências do paciente, de modo que a comida deixe de ser vivida como fonte de ansiedade e passe a integrar a vida cotidiana de forma saudável. O nutricionista tem papel fundamental em trabalhar a reintrodução gradual de grupos alimentares, desmistificar “alimentos proibidos” e ensinar estratégias de autorregulação alimentar. O plano alimentar, quando associado à psicoterapia, atua como elemento-chave para reduzir recaídas e consolidar mudanças de longo prazo. 

Leia também: Revisitando o papel da resistência insulínica no diabetes mellitus tipo 1

Monitorização e seguimento 

A diretriz ressalta que os transtornos alimentares no diabetes raramente se resolvem com intervenções pontuais. Ao contrário, tendem a ser condições crônicas e de curso flutuante, exigindo seguimento próximo e vigilância contínua. O acompanhamento deve incluir avaliação regular de parâmetros metabólicos, mas também de aspectos emocionais e comportamentais. Flutuações no peso, piora súbita da hemoglobina glicada ou sinais de ansiedade em torno da alimentação devem ser encarados como potenciais indicadores de recaída. O seguimento de longo prazo, estruturado e integrado, aumenta a chance de manter o paciente em recuperação estável. 

O cuidado efetivo exige integração entre endocrinologistas, nutricionistas, psicólogos, psiquiatras e demais profissionais envolvidos no acompanhamento do diabetes. A diretriz reforça que o trabalho isolado de uma especialidade dificilmente será suficiente. O sucesso depende de um modelo multiprofissional em que as áreas se complementem: a endocrinologia, a psicologia, a nutrição e a psiquiatria oferecendo suporte medicamentoso quando necessário. Essa articulação é essencial o sucesso no tratamento dos TAs em indivíduos com DM. 

O que podemos aprender e como isso influencia nossa prática médica 

A diretriz da SBD afirma que os transtornos alimentares em pessoas com diabetes são subdiagnosticados e apresentam um impacto devastador quando não reconhecidos. Para a prática médica, isso implica a necessidade da atenção nas consultas de pacientes com DM, incorporando o rastreamento de TAs à rotina do consultório e adotar uma abordagem integral que contemple corpo e mente. 

A psicoterapia deve formar parte do núcleo do tratamento. O plano alimentar deve ser pensado não em termos de proibições, mas de flexibilidade e sustentabilidade. E o endocrinologista deve estar preparado para lidar com a complexidade que envolve tanto a fisiopatologia do diabetes quanto a psicodinâmica dos transtornos alimentares. 

No Brasil, onde o acesso a serviços de saúde mental ainda é desigual, essa diretriz nos desafia a pensar em estratégias para integrar cuidados, desde o treinamento de equipes de atenção primária, a utilização da telemedicina para ampliar acesso, protocolos simples de triagem e, sobretudo, sensibilização do profissional de saúde para a importância do tema. Incorporar essa visão pode mudar a trajetória de pacientes jovens, evitar complicações precoces e transformar a forma como enxergamos o cuidado em diabetes nesses indivíduos. 

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Referências bibliográficas

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