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Endocrinologia26 maio 2025

Tirzepatida versus cirurgia bariátrica na perda de peso em indivíduos obesos

Estudo comparou os desfechos clínicos de adultos com obesidade que receberam tratamento com tirzepatida vs. aqueles submetidos a cirurgia bariátrica

A obesidade representa hoje uma das principais ameaças à saúde pública global, afetando quase 900 milhões de adultos e associando-se a uma ampla gama de doenças crônicas, incluindo diabetes tipo 2 (DM2), doenças cardiovasculares, doença renal crônica, neoplasias e transtornos musculoesqueléticos. Ainda que as intervenções comportamentais representem a base do manejo, são frequentemente insuficientes para promover perda de peso clinicamente significativa e sustentada. 

A cirurgia bariátrica consolidou-se como o tratamento mais eficaz para a obesidade grave, com benefícios metabólicos que se estendem à melhora do controle glicêmico, risco cardiovascular e redução da mortalidade. No entanto, o advento de terapias farmacológicas potentes, como a tirzepatida — um agonista duplo de GIP e GLP-1 —, acendeu pela primeira vez a possibilidade do debate da eficácia entre um tratamento medicamento e a cirurgia. Ensaios clínicos randomizados e controlados, como os do programa SURMOUNT, demonstraram que tirzepatida proporciona perdas de peso superiores a 20% e melhora marcante do risco cardiometabólico, sugerindo que sua eficácia pode ser comparável à de procedimentos cirúrgicos. 

Nesse contexto, foi elaborado um estudo com o objetivo de comparar, num cenário de mundo real, os desfechos clínicos de adultos com obesidade que receberam tratamento com tirzepatida versus aqueles submetidos a cirurgia bariátrica. Trazemos o estudo para discussão sobre este tema, que deve ser cada vez mais frequente na prática clínica endocrinológica. 

Saiba mais: CFM atualiza regras para cirurgia bariátrica e metabólica

Métodos 

O estudo foi uma coorte retrospectiva, realizada com dados da TriNetX Global Collaborative Network — uma plataforma internacional que agrega prontuários eletrônicos de mais de 140 instituições em quatro continentes, incluindo variáveis clínicas, laboratoriais, demográficas e de medicação. Foram incluídos adultos com IMC ≥ 30 kg/m², sem eventos prévios como morte, eventos cardiovasculares ou renais nos três meses anteriores à inclusão (lembrando que foi uma coorte retrospectiva, por isso o desfecho “morte” faz sentido).  

Os pacientes foram divididos em dois grupos (tirzepatida – indivíduos que iniciaram prescrição da medicação entre janeiro de 2022 e novembro de 2024 – e grupo cirurgia bariátrica (CB) – pacientes que realizaram bypass gástrico em Y-de-Roux ou gastrectomia vertical (sleeve), sem uso prévio ou posterior de tirzepatida). Para reduzir viés de seleção, foi realizado pareamento por escore de propensão (propensity score matching) 1:1, com ajuste para idade, sexo, raça, comorbidades, uso de medicações cardiovasculares e antidiabéticas, e parâmetros laboratoriais, totalizando 84.884 pares bem balanceados. 

Os desfechos primários do estudo foi mortalidade por todas as causas, enquanto os secundários foram a incidência de eventos cardiovasculares maiores (MACE), definidos como infarto agudo do miocárdio, AVC isquêmico, hemorrágico ou morte súbita; e renais (MAKE), definidos como insuficiência renal terminal ou necessidade de diálise. 

A população incluída no estudo apresentou uma alta carga de comorbidades. Notavelmente, a prevalência de DM2 foi maior no grupo tirzepatida (41,0%) em comparação à CB (25,8%), bem como o uso de insulina (15,2% vs. 8,2%), agonistas de GLP-1 (39,7% vs. 8,1%) e iSGLT2 (10,2% vs. 2,0%). Após o pareamento, as diferenças entre os grupos foram anuladas, garantindo comparabilidade. 

Resultados 

Ao longo do seguimento de até dois anos, a taxa de mortalidade foi significativamente menor no grupo tirzepatida: 0,19 por 100 pessoas/ano vs. 0,57 no grupo cirurgia (Hazard ratio (HR): 0,311; IC95%: 0,257–0,375; p < 0,0001). 

A superioridade foi mantida em todas as análises estratificadas por faixa etária, sexo e categorias de IMC. Entre indivíduos ≥65 anos o HR foi de 0,271, enquanto em pacientes com IMC ≥40, HR 0,473. O benefício se manteve de forma independente ao sexo biológico (Homens: HR 0,420; mulheres: HR 0,339). 

A tirzepatida também foi associada a um menor risco de eventos cardiovasculares maiores (MACE) e renais (MAKE): 

  • MACE: HR 0,743 (IC95%: 0,673–0,821; p < 0,0001) 
  • MAKE: HR 0,375 (IC95%: 0,336–0,419; p < 0,0001) 

As análises de subgrupos mostraram redução consistente desses riscos em todas as faixas de idade, IMC, sexo e tipo de cirurgia. 

Leia também: SURMOUNT-5: Tirzepatida é superior à semaglutida para tratamento da obesidade?

Eventos adversos 

A incidência de efeitos adversos gastrointestinais foi significativamente menor com tirzepatida do que com cirurgia bariátrica. Eventos como náusea, constipação, refluxo e colelitíase foram menos frequentes no grupo farmacológico. A diferença mais notável ocorreu com íleo (HR 0,126), que foi quase exclusivamente reportado no grupo cirúrgico. 

Apesar dos dados interessantes a respeito de desfechos clínicos, os autores não mencionaram dados relativos ao peso, percentual de perda de peso ou IMC inicial e ao final do seguimento em nenhum dos grupos, o que prejudica consideravelmente a análise dos resultados. 

Conclusão e mensagem prática 

Este estudo de mundo real de larga escala apresenta evidências iniciais de que a tirzepatida pode ser uma alternativa terapêutica segura e eficaz à cirurgia bariátrica em pacientes com obesidade. A magnitude da redução de mortalidade (−69%), eventos cardiovasculares (−26%) e renais (−62%) em dois anos supera as expectativas, com perfil de segurança superior e sem a necessidade de uma abordagem cirúrgica definitiva. Diferentemente da cirurgia, que exige avaliação multidisciplinar, estrutura hospitalar e recuperação prolongada, a tirzepatida pode ser iniciada em nível ambulatorial, inclusive por médicos da atenção primária.  

Contudo, trata-se de um estudo retrospectivo, que apesar de utilizar métodos para mitigação de vieses, não traz a mesma robustez de um ensaio clínico randomizado, que deve ser o próximo passo nessa análise comparativa. Um outro ponto deve ser a custo efetividade, uma vez que a cirurgia é feita em um único momento, ao passo que a medicação deve ser mantida. As cenas para os próximos capítulos devem também incluir dados de longo prazo (onde o potencial da cirurgia pode aumentar e a aderência medicamentosa diminuir) e comparar o percentual de peso perdido, para que se possa aventar se os efeitos são medicação-dependentes ou se estão relacionados unicamente à perda de peso em si. 

Por fim, de toda forma, surge uma medicação capaz de “bater de frente” com a cirurgia bariátrica nos estudos sobre tratamentos para a obesidade. 

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Referências bibliográficas

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