A obesidade está intimamente relacionada à fisiopatologia do diabetes mellitus tipo 2 (DM2). O aumento na prevalência de obesidade é acompanhado de um crescimento significativo na incidência de diabetes, sendo que ambas impactam no aumento do risco cardiovascular.
O pré diabetes é uma alteração inicial do metabolismo glicêmico. Hoje, os critérios diagnósticos da condição, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes, são os seguintes:
- Glicemia de jejum entre 100 e 125 mg/dl;
- HbA1c entre 5,7 e 6,4%;
- Teste oral de tolerância à glicose (TOTG) 1h entre 155 e 208 mg/dL;
- TOTG 2h entre 140 e 199 mg/dL.
Desde o estudo Diabetes Prevention Program (DPP), de 2002, é sabido que intervenções como a perda de pelo menos 7% do peso corporal, bem como atividade física diária (ao menos 150 min/semana) são intervenções capazes de reduzir significativamente o risco de progressão do pré diabetes para o diabetes.
O efeito de medicações que atuam no metabolismo glicêmico também parece levar a proteção, como no caso da metformina, por exemplo. Os agonistas de GLP-1 também vem mostrando um papel significativo no tema, desde os estudos SCALE, da liraglutida, até os estudos STEP, da semaglutida.
Recentemente, foi a vez da tirzepatida, um agonista duplo dos receptores de GIP e GLP-1, ter seu estudo publicado sobre a sua eficácia na redução de peso e na prevenção do DM2 em pessoas com obesidade e pré-diabetes. O estudo chamou bastante atenção pela sua longa duração (3 anos), uma vez que os dados advieram do follow-up de maneira randomizada e pré especificada dos pacientes do estudo SURMOUNT-1, publicado em 2022, que evidenciou em sua primeira parte a grande eficácia da tirzepatida no tratamento da obesidade.
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Métodos do estudo
O estudo foi um ensaio clínico de fase 3, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. O SURMOUNT-1, estudo original, incluiu 2539 participantes, dos quais 1032 apresentavam pré-diabetes no início. Esses pacientes que tinham pré-diabetes foram selecionados para este estudo mais prolongado, onde foram distribuídos aleatoriamente em quatro grupos para receber doses semanais de tirzepatida (5 mg, 10 mg ou 15 mg) ou placebo por 176 semanas, seguidas de 17 semanas de acompanhamento sem tratamento.
Portanto, foram incluídos pacientes com IMC ≥ 27 kg/m² com diagnóstico de pré-diabetes. Os objetivos primários selecionados foram a alteração percentual do peso corporal desde o início até a semana 176 e a incidência de progressão para DM2 ao longo das 176 semanas e após o período off-tratamento. Quanto à população do estudo, a média de idade foi de 48 anos, sendo aproximadamente 64% do sexo feminino e IMC médio inicial de 38 kg/m². A HbA1c média inicial foi de 5,7% e a glicemia de jejum, 101 mg/dL.
Resultados
A tirzepatida foi capaz de reduzir a incidência de diabetes de forma muito significativa, sendo que a reversão para normoglicemia chegou a 93,3% no grupo 15 mg/semana.
Progressão para DM2
– Tirzepatida (doses combinadas): 1,3%.
– Placebo: 13,3% (Hazard Ratio (HR) 0,07; IC 95% 0,0 a 0,1; P<0,001).
Após o período de suspensão, a progressão para DM2 aumentou para 2,4% no grupo tirzepatida versus 13,7% no placebo (HR: 0,12; IC 95% 0,1 a 0,2; P<0,001).
Reversão para normoglicemia
– Tirzepatida: 89,9% (5 mg), 91,2% (10 mg), 93,3% (15 mg).
– Placebo: 58,9%.
Os benefícios da tirzepatida foram consistentes entre diferentes subgrupos definidos por idade, sexo, IMC inicial e glicemia basal. O subgrupo com redução de peso ≥15% apresentaram maior taxa de reversão para normoglicemia (98% com tirzepatida, 100% no placebo), sugerindo uma relação direta entre perda de peso e benefícios metabólicos.
Conclusão
A perda de peso se manteve importante ao longo dos anos nos pacientes em uso da tirzepatida. A redução média de peso após 176 semanas foi, de acordo com o regime de tratamento (todos que foram randomizados):
– Tirzepatida 5 mg: −12,3% (IC 95% −14,5 a −10,2; redução média de 12,4 kg).
– Tirzepatida 10 mg: −18,7% (IC 95% −24,1 a −13,4; redução média de 20,0 kg).
– Tirzepatida 15 mg: −19,7% (IC 95% −22,1 a −17,3; redução média de 21,4 kg).
– Placebo: −1,3% (IC 95% −4,0 a 1,5; redução média de 0,9 kg).
Todas as doses foram significativamente superiores ao placebo (P<0,001). Os eventos adversos mais comuns foram gastrointestinais, incluindo náusea (5-10%), diarreia (2-4%) e constipação (4-6%). Esses eventos foram mais frequentes durante o período inicial de escalonamento da dose e, em geral, de intensidade leve a moderada. Eventos graves foram pouco frequentes e sem significância estatística, como pancreatite confirmada: 0,3% (tirzepatida) vs 0,4% (placebo) e colelitíase: 2-3,6% (tirzepatida) vs. 1,9% (placebo).
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Considerações e mensagem prática
A tirzepatida demonstrou uma eficácia marcante na redução de peso corporal e na prevenção do DM2. Esses resultados destacam a relevância de terapias farmacológicas que combinem efeitos sobre o peso e sobre mecanismos diretamente relacionados ao surgimento de diabetes, como o efeito incretínico, modulando a secreção de insulina dependente de glicose. Vale destacar que a interrupção do tratamento resultou em ganho de peso médio de 7% após 17 semanas e aumento da glicemia, sugerindo a necessidade de tratamento contínuo para manutenção dos benefícios. Estudos futuros poderão investigar combinações terapêuticas e estratégias para maximizar os resultados clínicos e a aderência. Logo, a tirzepatida oferece um avanço significativo no manejo da obesidade e prevenção de DM2, com impacto positivo em desfechos metabólicos e qualidade de vida.
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