A semaglutida, agonista de GLP-1 de uso semanal, é uma das principais inovações dentro da endocrinologia e da medicina de uma forma geral nos últimos anos. Além do seu desempenho impressionante no tratamento do diabetes, avaliado na série de estudos SUSTAIN, com demonstração de redução de risco cardiovascular, a medicação se comprovou eficaz também na redução da velocidade de progressão da doença renal crônica em pacientes com diabetes, no estudo FLOW, recém-publicado.
Mas muito além do impacto positivo no diabetes, a semaglutida ganhou os holofotes pelo seu papel no tratamento da obesidade, estudado na série STEP. Nesses estudos, a semaglutida se mostrou extremamente eficaz no tratamento e manutenção de perda de peso, comprovou sua segurança em adolescentes no estudo STEP TEENS e, da mesma forma que no diabetes, novos estudos vêm sendo desenhados para avaliar o impacto das medicações antiobesidade diretamente nas comorbidades relacionadas à essa condição. Um exemplo é o SURMOUNT-OSA, que demonstrou a eficácia da tirzepatida em melhorar o AIH em pacientes com SAOS grave.
Recentemente foi publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) o STEP-9, um novo estudo da série STEP, avaliando a semaglutida e seu impacto no tratamento da osteoartrite de joelho em pacientes com obesidade. A osteoartrite de joelho (OA) é a forma mais prevalente de osteoartrite, associada à dor crônica, redução de mobilidade e impacto significativo na qualidade de vida. A obesidade, um fator de risco primário para OA de joelho, exacerba a condição por meio de sobrecarga mecânica e inflamação metabólica. Nesse cenário, a redução de peso é recomendada como primeira linha de manejo. Estudos anteriores sugeriram que agonistas do receptor GLP-1, como a semaglutida, promovem perda de peso e têm efeitos anti-inflamatórios potenciais, mas sua aplicação no tratamento de OA ainda é pouco explorada.
Métodos
O STEP 9 foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, placebo-controlado, com duração de 68 semanas, conduzido em 61 centros em 11 países. Os participantes foram randomizados em uma proporção de 2:1 para receber semaglutida 2,4 mg semanalmente ou placebo, ambos acompanhados de aconselhamento sobre dieta hipocalórica e atividade física. O estudo incluiu adultos com obesidade (IMC ≥30) e OA de joelho moderada, definida por critérios clínicos e radiológicos, com WOMAC pain score ≥40 no início do estudo.
Foram recrutados 407 participantes com as seguintes características:
- Idade média de 56 anos.
- IMC médio de 40,3, com 41% apresentando obesidade severa (IMC ≥40).
- Predominância de mulheres (81,6%).
- WOMAC pain score médio inicial de 70,9.
Os participantes foram acompanhados semanalmente, e desfechos primários incluíram a redução percentual do peso corporal, alteração no WOMAC pain score, uma medida de dor no joelho (em escala de 0 a 100) e melhora no escore de função física SF-36.
Resultados
A semaglutida foi eficaz na perda de peso e na melhora da dor, avaliada através do score WOMAC:
a) Redução de Peso Corporal:
- Grupo semaglutida: perda média de -13,7% do peso corporal.
- Grupo placebo: perda média de -3,2%.
- Diferença estimada: -10,5 pontos percentuais (P<0,001)
b) Melhora na Dor (WOMAC pain score):
- Semaglutida: redução de – 41,7 pontos.
- Placebo: redução de -27,5 pontos.
- Diferença estimada: -14,1 pontos (IC 95%: -20,0 a -8,3; P<0,001)
c) Função Física (SF-36):
- Semaglutida: melhora média de 12,0 pontos.
- Placebo: melhora de 6,5 pontos.
- Diferença estimada: +5,6 pontos (P<0,001)
A redução média de 41 pontos no estudo é considerada significativa do ponto de vista clínico.
Leia mais: Abordagem da osteoartrite de joelho na atenção primária
Endpoints secundários
Ainda, dentre os desfechos secundários, foi observado uma perda de peso ≥10% em aproximadamente 70% dos participantes no grupo semaglutida comparado a 9,2% no grupo placebo. (P<0,001). Os autores também incluíram uma análise funcional utilizando o teste de caminhada, onde a distância caminhada em seis minutos aumentou em 56,8 m no grupo semaglutida, comparado a 14,2 m no placebo (diferença estimada: +42,6 m; P<0,001)
A semaglutida apresentou perfil de segurança semelhante ao observado em estudos anteriores, com incidência semelhante entre os grupos (10,0% vs. 8,1%) de eventos adversos graves, mas com poucos indivíduos descontinuando a medicação (6,7% vs. 3,0%, com destaque para distúrbios gastrointestinais). Além disso, uma análise exploratória apontou que o uso de analgésicos (AINEs e acetaminofeno) reduziu em ambos os grupos, mas mais significativamente no grupo semaglutida, sugerindo um possível efeito poupador de AINEs.
Conclusão e mensagem prática
Os achados do STEP 9 reforçam o papel da semaglutida no tratamento da obesidade e possivelmente no manejo da dor e da função articular em indivíduos com OA de joelho associada à obesidade. A melhora observada no WOMAC pain score sugere que a redução de peso contribui significativamente para o alívio da dor, possivelmente devido à redução da carga mecânica. Contudo, não está claro se o papel da semaglutida foi todo devido à redução de carga ou se um papel antiinflamatório da medicação possa ter contribuído adicionalmente para a melhora dos sintomas. Novos estudos devem esclarecer a questão.
Vale destacar que a eficácia da semaglutida foi consistente em diferentes subgrupos de IMC, incluindo obesidade grave (IMC ≥40). Assim como no estudo SELECT, onde houve redução do risco cardiovascular com o uso da semaglutida em indivíduos com obesidade e alto risco, o STEP 9 mostra que a medicação tem potencial de auxiliar na melhora das comorbidades relacionadas ao excesso de peso.
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