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Endocrinologia25 setembro 2025

Pacientes idosos com diabetes mellitus: atualização da diretriz da SBD

A diretriz de 2025 da Sociedade Brasileira de Diabetes traz uma revisão atualizada acerca das evidências e melhores recomendações nacionais.

O envelhecimento é uma realidade demográfica no Brasil. Com isso, cada vez mais ganha importância o entendimento e o impacto do diabetes tipo 2 na população idosa, onde é fundamental compreendermos outras características e comorbidades individuais, que se incluem, mas não se limitam, à fragilidade, múltiplas comorbidades, polifarmácia, risco de quedas, declínio cognitivo, perda funcional e vulnerabilidade nutricional. A diretriz de 2025 da Sociedade Brasileira de Diabetes traz uma revisão atualizada acerca das evidências e melhores recomendações nacionais, especialmente nesse grupo, propondo um manejo que coloca a preservação da autonomia e da qualidade de vida no centro da estratégia, sem ignorar a necessidade de prevenir complicações micro e macrovasculares. 

O posicionamento reconhece que idosos com diabetes representam um desafio pela heterogeneidade clínica. Há desde indivíduos robustos, ativos e independentes, que se beneficiam de metas glicêmicas semelhantes às dos mais jovens, até idosos frágeis, dependentes e com expectativa de vida reduzida, em que metas mais flexíveis são justificáveis. A SBD propõe, portanto, uma abordagem graduada, orientada pelo estado funcional, pelo risco cardiorrenal e pela segurança terapêutica. Pelas diferenças na abordagem sugeridas para esta população especial, trazemos esse capítulo do guideline atualizado da SBD para discussão aqui no Portal Afya.

Leia também: Revisitando o papel da resistência insulínica no diabetes mellitus tipo 1

A diretriz 

A diretriz estabelece que a definição da meta de HbA1c no idoso deve respeitar a heterogeneidade dessa população: 

  • Idosos robustos: meta de HbA1c < 7,5%. Quanto mais robusto, mais semelhante à população geral a meta pode ser, com o objetivo de reduzir complicações microvasculares e manter benefício de “memória metabólica”. A meta de glicemia de jejum deve ser 80-130 mg/dL e 2h pós prandiais  < 180 mg/dL. 
  • Idosos frágeis, com múltiplas comorbidades, risco de hipoglicemia elevado ou expectativa de vida limitada: metas mais flexíveis (7,5–8,0%), priorizando segurança e bem-estar. A meta de glicemia de jejum deve ser 90-150 mg/dL e 2h pós prandial  < 180 mg/dL. 
  • Idosos muito comprometidos (com doenças terminais ou em fase final de vida): Evitar hipoglicemias e hiperglicemias capazes de gerar sintomas, focando também na qualidade de vida. A meta é manter a glicemia de jejum entre 100 e 180 mg/dL e pós prandial < 180 mg/dL. 

A SBD também enfatiza a necessidade da avaliação geriátrica ampla, que inclui cognição, funcionalidade, risco de quedas, estado nutricional e suporte social. Essas dimensões, muitas vezes negligenciadas, são determinantes para a escolha da terapia e para a definição da intensidade do tratamento. 

Outro pilar central é a valorização dos fármacos com benefício cardiorrenal comprovado, os chamados AD1 (iSGLT2 e agonistas de GLP-1), desde que o estado clínico permita seu uso. Mas, diferentemente do adulto jovem, o idoso exige cautela quanto aos efeitos adversos: risco de desidratação e infecção urinária com iSGLT2; perda ponderal excessiva com GLP-1 em indivíduos sarcopênicos ou desnutridos. Assim, a escolha do fármaco deve equilibrar benefício prognóstico e segurança individual, como abordaremos a seguir. 

Síndromes geriátricas e o diabetes 

A diretriz destaca que o diabetes no idoso deve ser entendido à luz de síndromes geriátricas que modificam tanto a apresentação clínica quanto a resposta ao tratamento. Logo, é fundamental a avaliação de cada uma das seguintes síndromes: 

  • Fragilidade: estado de vulnerabilidade caracterizado por perda de massa muscular, baixa reserva fisiológica e maior risco de hospitalização e mortalidade.
  • Sarcopenia: perda de massa e força muscular, frequentemente associada à desnutrição, com impacto direto sobre mobilidade e risco de quedas.
  • Declínio cognitivo e demência: hipoglicemias repetidas e controle glicêmico inadequado podem acelerar perda cognitiva. A simplificação terapêutica nesses casos é mandatória.
  • Risco de quedas: hipoglicemias, hipotensão ortostática e polifarmácia aumentam risco de fraturas e perda funcional.
  • Polifarmácia: comum em idosos com múltiplas comorbidades, aumenta risco de interações medicamentosas e de adesão inadequada.
  • Desnutrição: tanto pela perda de apetite quanto por efeitos adversos de algumas medicações (como GLP-1), deve ser monitorada e corrigida ativamente. 

O tratamento farmacológico na prática clínica 

A metformina continua sendo a base do tratamento, desde que a função renal esteja preservada (TFGe >30 mL/min) e o paciente apresente um IMC adequado, visto o risco de perda ponderal em indivíduos sarcopênicos. É bem tolerada, segura em longo prazo e, no idoso robusto, segue como primeira escolha. 

As sulfonilureias permanecem disponíveis, mas a diretriz restringe seu uso a segundas ou terceiras opções. A gliclazida é a preferida por associar-se a menor risco de hipoglicemia, ainda que essa classe, como um todo, seja vista com cautela no idoso devido ao risco de eventos hipoglicêmicos graves, que podem precipitar quedas, fraturas e declínio cognitivo. 

A pioglitazona é opção para determinados perfis, sobretudo quando há resistência insulínica marcada, mas sua utilização é limitada pelo risco de retenção hídrica, edema e insuficiência cardíaca — condições comuns no idoso. Vale lembrar que, apesar de não ser formalmente contraindicada em indivíduos com osteoporose, a pioglitazona também está associada a maior risco de perda de massa óssea. 

Os inibidores de DPP-4 se destacam como alternativas seguras em idosos frágeis e/ou de baixo peso, pois apresentam perfil neutro em relação ao peso corporal, baixo risco de hipoglicemia e boa tolerabilidade gastrointestinal. Apesar de sua eficácia baixa/moderada, podem ser opções excelentes para idosos, sobretudo naqueles com IMC < 22 kg/m² e HbA1c em níveis discretamente elevados. 

Os inibidores de SGLT2 são importantes em idosos com doença cardiovascular, insuficiência cardíaca ou doença renal crônica, mas a diretriz ressalta a importância da vigilância clínica devido ao risco de desidratação, infecção urinária e genital. Além disso, devemos atentar também ao IMC pelo mesmo motivo da metformina, ainda que a perda de peso induzida por esta classe seja baixa. 

Os agonistas do receptor de GLP-1, por sua vez, são indicados em idosos com sobrepeso ou obesidade, pela capacidade de promover perda ponderal significativa e benefício cardiovascular. Entretanto, em idosos frágeis, desnutridos ou sarcopênicos, seu uso deve ser ponderado, pois a perda de peso pode acelerar o declínio funcional. 

A insulinoterapia é reservada para quadros com HbA1c > 10% ou hiperglicemia sintomática, descompensação aguda ou falha terapêutica em esquemas múltiplos não insulínicos. No idoso, a recomendação é adotar regimes simplificados, evitando esquemas intensivos que aumentem risco de hipoglicemia e complexidade de manejo. A coformulação insulina/GLP-1 aparece como alternativa valiosa, pois simplifica regimes e atenua ganho de peso e risco de hipoglicemia. Contudo, as mesmas considerações para o uso isolado dos agonistas de GLP-1 devem ser lembradas. 

Organizando o raciocínio no cuidado do paciente idoso 

1) Idoso com HbA1c ≤ 10%:  

  • IMC < 22 kg/m²: Preferir iniciar com iDPP-4 ou insulina basal; 2ª escolha: Gliclazida ou metformina em doses baixas, com atenção ao peso e hipoglicemias. Se metas não atingidas, associar iDPP-4 com insulina ou gliclazida 
  • IMC ≥ 22 kg/m²: Metformina ou iDPP-4; como 2ª escolha os demais, como iSGLT-2, aGLP-1 se IMC ≥ 27 kg/m² ou outras opções.

2) Idoso com HbA1c > 10%: Insulinoterapia. Sempre lembrar da possibilidade de descalonamento para antidiabéticos orais caso melhora do controle. 

Novo guideline da Endocrine Society para diabetes pré-existente na gestação

Como esta nova diretriz pode influenciar a nossa prática médica 

A SBD 2025 em sua diretriz sobre o manejo do DM no idoso chama a nossa atenção para a preservação funcional do indivíduo, o equilíbrio entre risco e benefício e a adequação da terapia ao contexto clínico. Para o endocrinologista, isso significa integrar HbA1c, IMC, risco cardiorrenal e presença de síndromes geriátricas no processo decisório. 

A diretriz também legitima escolhas que, por vezes, já eram feitas na prática: flexibilizar metas em idosos frágeis, evitar polifarmácia de forma desnecessária, simplificar esquemas insulínicos e individualizar uso de fármacos conforme perfil nutricional. Ao mesmo tempo, somos lembrados de não subestimar a importância de se manter metas mais rigorosas em idosos robustos.

Autoria

Foto de Luiz Fernando Fonseca Vieira

Luiz Fernando Fonseca Vieira

Endocrinologista pelo HCFMUSP ⦁ Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) ⦁ Residência médica em Clínica médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - Faculdade de Medicina de Botucatu

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