Diabetes mellitus gestacional: qual é o tratamento?
A diabetes mellitus gestacional tem incidência variável no mundo, chegando a 17,8% das gestações, sendo um grande desafio para obstetras. Saiba mais.
Um dos maiores desafios para o obstetra é o tratamento da diabetes mellitus gestacional (DMG). De acordo com Reginatto (2016), essa doença tem incidência variável no mundo, chegando a 17,8% das gestações, já no Brasil estima-se que ela ocorra em 2,4 a 7,2% das gestações. Sendo um problema de saúde pública com gastos importante para o sistema de saúde e com consequências materno e fetais desfavoráveis, torna-se necessário ações preventivas, diagnóstico correto e terapêutica adequada. Segundo Hoff (2015), o objetivo principal do tratamento de DMG é melhorar a glicemia das pacientes para diminuir a ocorrência de macrossomia fetal, pré-eclâmpsia e óbito fetal.
Revisão sobre tratamento de diabetes mellitus gestacional
Em março de 2021 foi publicado uma revisão na revista Femina sobre a terapêutica adequada e atual para as pacientes com diabetes mellitus gestacional. Nesse artigo, o tratamento está dividido entre o tratamento não farmacológico e o farmacológico, e de maneira objetiva descreve um protocolo baseado em evidências cientificas dos últimos cinco anos.
De acordo com a American Diabetes Association (2018), 70% a 85% das mulheres com DMG atingem controle glicêmico com a terapia nutricional adequada. Por isso a primeira conduta que devemos ter com as pacientes diagnosticadas com DMG é a orientação quanto a alimentação adequada, mostrando sua importância com o auxílio e conduta da equipe de nutrição. Segundo Martins, as mulheres com peso adequado necessitam de 30 kcal/kg/dia, as mulheres com sobrepeso, de 25 kcal/kg/dia e as mulheres obesas, de 20 kcal/kg/dia. A ingestão não pode ser inferior a 1.800 kcal/dia devido o risco de cetose.
O exercício físico de baixo impacto e preferencialmente pós-prandial auxilia no controle do nível glicêmico pós-refeições, diminui os níveis de hemoglobina glicada e auxilia na insulinoterapia. Além desse controle metabólico, também é responsável pela diminuição da incidência de macrossomia fetal. Portanto, se não houver contraindicação obstétrica a gestante deve ser estimulada à prática de atividade física (HARRISON, 2016). Martins (2021) destaca a importância de a gestante ter acompanhamento de um profissional competente da área com um programa individualizado, visando a melhora da saúde materna e fetal.
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Quando não obtemos sucesso com a terapêutica não farmacológica é necessário iniciar o tratamento medicamentoso. A insulinoterapia é a primeira escolha para o controle glicêmico dessas pacientes. Segundo Martins, a insulina humana – NPH (neutral protamine Hagedorn) e regular- é preferível por menor risco imunogênico, maior segurança e eficácia. Em 2012 a Food and Drug Administration (FDA) reclassificou a insulina determir de “C” para “B”, podendo ser usadas em gestantes. Lembrando que as demais insulinas também podem ser prescritas por apresentarem transferência placentária mínima e nenhuma evidência de teratogênese.
A maioria dos estudos citados no artigo trazido para discussão relatam o controle glicêmico com doses entre 0,7 e 2 UI/kg/dia, diferente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) que recomenda a dose inicial entre 0,3 e 0,5 UI/kg/dia. Independendo da dose diária calculada, ela deverá ser distribuída em múltiplas aplicações diárias, de duas a três, correspondentes a dois terços de insulina NPH e um terço de insulina regular – no esquema basal-bólus –, sendo aplicado, então, cada terço antes de cada uma das três principais refeições diárias, com a maior concentração pela manhã, antes do café da manhã. A titulação da dose de insulina para os níveis de glicose no sangue é baseada no automonitoramento frequente, de quatro a seis medições de glicose por dia são necessárias para um bom controle glicêmico e diminuição de desfechos desfavoráveis para a gestante e feto (MARTINS, 2021).
Com o passar da gestação a resistência insulínica aumenta sendo necessário ajustes do esquema de insulina ou da introdução de insulina para as pacientes que estavam apenas na terapêutica não farmacológica (MARTINS, 2021). Porém, um bom obstetra deve se atentar para uma melhora no controle glicêmico ou até mesmo hipoglicemia nas pacientes que fazem uso de insulina, a partir de 30-32 semanas. É comum acontecer insuficiência placentária nas gestantes portadoras de diabetes mellitus, o que diminui a produção de lactogênio placentário, diminuindo a resistência insulínica. Nesse momento, devemos ficar atentos a esses fetos que podem evoluir com morte intrauterina. A avaliação da vitalidade fetal deve ser feita com o perfil biofísico fetal nessas pacientes a partir de 28 semanas de gestação. O ajuste das dosagens de insulina deve ser realizado semanalmente após a trigésima semana de gestação.
Controle glicêmico
Os autores da revisão sistemática trazem a conduta necessária quando o controle glicêmico não está adequado para cada situação de modo prático e claro. Essas são as orientações:
- Se a insulina for necessária porque o controle glicêmico em jejum é alta, uma insulina de ação intermediária deverá ser administrada antes de dormir, sendo utilizada uma dose inicial de 0,2 unidade/kg de peso corporal;
- Se o controle glicêmico pós-prandial forem altas, análogos de insulina de ação rápida deverão ser administrados antes das refeições em uma dose calculada em 1,5 unidade por 10g de carboidratos na refeição do café da manhã e uma unidade por 10g de carboidratos no almoço e no jantar;
- Se o controle glicêmico pré-prandial e pós-prandial forem altas, um regime de seis injeções por dia deverá ser utilizado. Dessa forma, a dose inicial total será de 0,7 unidade/kg até a 12ª semana, 0,8 unidade/kg da 13ª a 26ª semana, 0,9 unidade/kgcda 26ª a 36ª semana e 1,0 unidade/kg para a 36ª semana até o termo. Porém, em mulheres obesas as doses iniciais de insulina poderão necessitar de um aumento para 1,5 a 2,0 unidades/kg a fim de superar a resistência à insulina combinada da gravidez e da obesidade, visto que provavelmente não desenvolverão hipoglicemia, exceto se uma refeição for omitida após a administração de insulina, devendo ser enfatizado para a paciente sobre a necessidade de manter as refeições conforme a orientação do nutricionista.
Cada vez mais estudo sobre hipoglicemiantes orais tem sido feito e ganhado a adesão dos obstetras e pacientes pelo mundo. Apesar de não ser liberado pela a FDA durante a gestação por atravessar a barreira placentária, as evidências até o momento não mostra teratogênese, mas não sabemos dos efeitos epigenéticos causados. Além disso, existe uma taxa de falha no controle glicêmico, principalmente quando comparamos com a eficiência da insulinoterapia. Mas é evidente a maior adesão das pacientes com terapêutica oral, além de ser mais barato e ter menos efeitos colaterais e ser mais fácil para administração e controle da dose para a gestante.
De acordo com Hoff (2015), a metformina deve ser iniciada com a dosagem de 500mg duas vezes ao dia, e pode chegar à dose máxima de 2.500mg ao dia. Os efeitos colaterais gastrointestinais podem ser amenizados com informação, controle alimentar e introdução da medicação aumentando a dosagem lentamente com o passar das semanas. As mulheres candidatas ao uso de metformina estão entre 18 a 45 anos, com idade gestacional entre 20 e 33 semanas e glicose de jejum menor que 140 mg/dL.
A gliburida deve ser cuidadosamente balanceada com a alimentação para evitar hipoglicemia, diferente da metformina que não causa queda nos níveis de glicose. A dose inicial deve ser entre 2,5 e 5 mg uma vez ao dia, podendo ser aumentada até no máximo 20 mg/dia. As gestantes que se enquadram para a prescrição de gliburida são aquela com gestação única, glicemia em jejum inferior a 140 mg/dL e idade gestacional entre 11 e 33 semanas.
Considerações
Para finalizar, fica claro com essa revisão sistemática a necessidade do adequado conhecimento da equipe de saúde para melhoria no tratamento e acompanhamento das gestantes com diabetes gestacional, para assim, diminuir a morbidade e mortalidade que essa condição leva ao binômio em questão. Gostaria de destacar a necessidade de um pré-natal adequado para realizar o diagnóstico de diabetes mellitus gestacional, ainda é muito comum gestantes com essa patologia chegarem tardiamente no serviço de referência sem terapêutica ou orientação adequada. Para mudar esse cenário é urgente a educação continuada da equipe de saúde.
Referências bibliográficas:
- Martins AM, Brati LP. Tratamento para o diabetes mellitus gestacional: uma revisão de literatura. Femina. 2021;49(4):251-6. Disponível em: http://fi-admin.bvsalud.org/document/view/wyruz
- Diabetes mellitus gestacional. Revista da Associação Médica Brasileira [online]. 2008, v. 54, n. 6 [Acessado 26 Junho 2021] , pp. 477-480. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-42302008000600006>. Epub 02 Fev 2009. ISSN 1806-9282. https://doi.org/10.1590/S0104-42302008000600006.
- Hoff L, Pereira LL, Pereira PL, Zanella MJ. Diabetes mellitus gestacional: diagnóstico e manejo. Acta Méd (Porto Alegre). 2015;36:1-8. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/02/879694/diabetes-mellitus-gestacional-diagnostico-e-manejo-laerson-hoffok.pdf
- American Diabetes Association. Management of diabetes in pregnancy: Standards of Medical Care in Diabetes – 2018. Diabetes Care. 2018;41 Suppl 1:S137-43. doi: 10.2337/dc18-S013
- Harrison AL, Shields N, Taylor NF, Frawley HC. Exercise improves glycemic control in women diagnosed with gestational diabetes mellitus: a systematic review. J Physiother. 2016;62(4):188-96. doi: 10.1016/j.jphys.2016.08.003
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