A doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica (metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease – MASLD) é uma das principais causas de doença hepática crônica no mundo e está associada a diversas alterações metabólicas como resistência à insulina, dislipidemia e hipertensão. O diagnóstico precoce da MASLD é fundamental, uma vez que sua progressão está associada a desfechos graves como fibrose, cirrose e carcinoma hepato-celular.
O índice triglicérides-glicemia, ou TyG (calculado como o produto dos níveis séricos de ambos), pode ser usado como um marcador indireto de resistência à insulina, identificando indivíduos sob risco para diabetes tipo 2, doença cardiovascular e síndrome metabólica. Variantes incorporando medidas de composição corporal (como circunferência da cintura e índice de massa corporal – IMC) têm sido propostas com o intuito de melhor compreender o espectro de doenças metabólicas em populações com grande variabilidade nestas medidas.
O índice TyG-BMI, combinando o índice TyG ao IMC (body mass index – BMI), tem sido utilizado como preditor de algumas doenças metabólicas como MASLD, mas os resultados desta associação são inconsistentes na literatura. Deste modo, mais estudos nesta área são necessários, dada importância de se indentificar biomarcadores simples e confiáveis para a detecção e estadiamento precoce da MASLD.
Para abordar esta questão, um grupo de pesquisadores iranianos realizou uma revisão sistemática de literatura com meta-análise. Os resultados foram publicados no periódico PLOS One em agosto de 2025.
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Métodos
Os autores realizaram busca abrangente nas bases PubMed, Scopus, Embase e Web of Science, com corte em janeiro de 2025. Foram incluídos estudos em população adulta que investigaram a associação entre TyG-BMI e MASLD, sendo utilizados modelos de efeitos aleatórios para agregação dos dados. Realizaram-se análises de subgrupos com foco no sexo (feminino versus masculino) e tipos de população estudada.
Dadas as mudanças ocorridas nas definições de doença hepática esteatótica nos últimos anos, foram realizadas análises de subgrupo com estudos empregando definições anteriores como doença hepática gordurosa não-alcoólica (non-alcoholic fatty liver disease – NAFLD) e doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica (metabolic dysfunction-associated fatty liver disease – MAFLD).
Resultados
Foram incluídos 35 estudos, envolvendo uma robusta amostra de 339.087 participantes. Dentre os estudos incluídos, 24 abordaram a população geral, cinco analisaram indivíduos com diabetes tipo 2, quatro indivíduos com peso normal e dois indivíduos com sobrepeso e obesidade. Os estudos foram realizados em países da Ásia, África e América, sendo a maior parte deles (23 estudos) proveniente da China.
Indivíduos com MASLD apresentaram TyG-BMI maior do que indivíduos sem MASLD, com uma diferença média 42,7 entre os grupos. No subgrupo utilizando a definição de MAFLD os achados foram semelhantes (diferença de 49,6), sendo que na análise de estudos utilizando NAFLD a diferença foi discretamente menor (34,7). Chama a atenção a grande heterogeneidade entre os estudos. Quando às populações estudadas, as diferenças foram maiores nos grupos sem doença metabólica (49,9 na população geral e 31,0 nos não-obesos) do que nos grupos com diabetes (19,5) e com sobrepeso/obesidade (25,3).
Analisando-se a associação do TyG-BMI com MASLD de forma quantitativa, cada incremento de um unidade no índice aumentou em 5% a chance de doença hepática. Já na avaliação de acurácia diagnóstica, o índice TyG-BMI apresentou sensibilidade de 78,8% e especificidade de 75,6% para diagnóstico de MASLD. Chama a atenção a maior sensibilidade na população geral (80,3%) comparada aos grupos com diabetes (74,9%) e obesidade (69,8%). A sensibilidade foi maior em mulheres do que homens. A acurácia diagnóstica global, mensurada pela área sob a curva ROC, foi de 83,4%
Conclusões
Este estudo demonstra que o TyG-BMI se configura como um marcador diagnóstico promissor para MASLD, com alta discriminação diagnóstica, desempenho superior em subgrupos como mulheres, bem como clara associação quantitativa com a presença de doença hepática. Deste modo, o TyG-BMI tem utilidade clínica potencial por ser baseado em medidas simples (glicemia, triglicerídeos e IMC), podendo ser facilmente incorporado na prática ambulatorial e vigilância de risco.
Por outro lado, embora promissor, o índice necessita de validação em diferentes populações, sobretudo em contextos geográficos, étnicos e clínicos diversos. Também seria útil definir pontos de corte clínicos operacionais para tomada de decisão, e comparar seu desempenho com outros marcadores ou algoritmos, incluindo escores não invasivos de fibrose ou imagem. Novos estudos abordando estas questões poderão propiciar a incorporação do índice TyG-BMI e outras ferramentas semelhantes na prática clínica.
Autoria

Fernando Giuffrida
Graduação em Medicina (1999) - Universidade Federal de São Paulo; Residência Médica em Clínica Médica e Endocrinologia (2002) - Universidade Federal de São Paulo; Titulo de Especialista em Endocrinologia e Metabologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia-SBEM (2002); Doutorado em Ciências (2008) - Universidade Federal de São Paulo; Pós-Doutorado no Joslin Diabetes Center/Harvard Medical School (2017-2019).VÍNCULOS ATUAIS: Preceptor do Programa de Residência Médica em Endocrinologia do Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia (CEDEBA), Salvador-BA; Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e orientador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGFARMA) da mesma instituição; Professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Dom Pedro II (UNIDOMPEDRO), Salvador-BA; Professor do Curso de Medicina da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Salvador-BA; Professor Colaborador e Orientador do Programa de Pós-Graduação em Endocrinologia da UNIFESP.
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