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Endocrinologia25 junho 2024

ADA 2024: Estudo TIGHT: Controle glicêmico hospitalar restrito com uso de CGM

O objetivo do estudo foi avaliar se é possível atingir um controle glicêmico mais estrito num cenário não crítico (enfermarias) com uso do CGM.

Entre especialistas e não especialistas, clínicos ou não, existe um problema clínico que sempre é desafiador, que é o controle glicêmico hospitalar. Desde o estudo NICE SUGAR, publicado em 2009, temos evidências que, em pacientes críticos, um controle glicêmico um pouco mais permissivo (com alvo entre 140 e 180 mg/dL) reduz o risco de mortalidade. Tais dados são adaptados para a realidade das enfermarias, de forma que o alvo recomendado pela American Diabetes Association (ADA), em seu guideline, é que os pacientes não críticos tenham uma meta de controle de glicemias de jejum menores que 140 mg/dL e randômicas ou pós prandial menores que 180 mg/dL.  

Os dados dos estudos sobre controle glicêmico hospitalar que regem os guidelines tem algo em comum: sua origem de dados baseados em controle de glicemia capilar. Contudo, com a recente evolução dos monitores contínuos de glicose (CGM), diversos estudos vêm surgindo e demonstrando sua boa acurácia para uso na maioria das situações, de forma que, atualmente, temos diretrizes da ADA e da Endocrine Society (ES) que são mais permissivas e incentivadoras quanto à manutenção do dispositivo, quando já em uso, ou seu início em alguns casos. 

Close da mão de paciente com diabetes tipo 1 aferindo índice glicêmico.

Estudo

No último dia do congresso da ADA 2024, foi apresentado o estudo TIGHT. O objetivo desse estudo foi avaliar, com o uso de CGM, se um controle glicêmico intra hospitalar mais restritivo poderia gerar benefícios aos pacientes, além de se compreender sua segurança e facilidade de uso. A lógica é de que os efeitos negativos de um controle “apertado” residem no risco de hipoglicemias e, com o uso de monitores acurados, seria mais fácil predizer e tratar tais situações. 

Metodologia

O objetivo do estudo foi avaliar se é possível atingir um controle glicêmico mais estrito num cenário não crítico (enfermarias) com uso do CGM. A meta glicêmica definida, como níveis de glicose checados por CGM, foi de 90 a 130 mg/dL, sem aumentar o risco de hipoglicemias, comparado ao cuidado padrão (meta de 140-180 mg/dL). O endpoint co-primário foi uma análise hierárquica da média glicêmica atingida (superioridade) seguido por uma comparação (não inferioridade) de tempo abaixo de 54 mg/dL no CGM. 

Para tanto, foi elaborado um ensaio clínico randomizado, que incluiu seis centros nos EUA (incluindo a Emory University, do Dr. Umpierrez, expoente do tema controle glicêmico hospitalar). O estudo foi financiado pela Dexcom, companhia que produz os monitores G6 e G7 (indisponíveis no Brasil). 

Os participantes foram randomizados para os grupos 90-130 mg/dl (controle intensivo) vs. 140-180 mg/dL (“padrão”). A monitorização iniciava-se na admissão e os mesmos eram seguidos até a alta hospitalar, transferência para UTI ou após 10 dias da randomização, o que ocorresse antes. 

Foram incluídos pacientes com mais de 18 anos, DM2, com pelo menos uma glicemia acima de 180 mg/dL intra hospitalar, com plano de se iniciar insulina ou já em uso e expectativa de internação > três dias em enfermaria no momento da randomização. Foram excluídos se uso de bomba de insulina, necessidade de cirurgia, altas doses de glicocorticoides, AVC ou IAM, hipóxia, TFG < 20 ml/min ou necessidade de diálise, ALT > 3x o limite superior ou glicemias acima de 400 mg/dL. O manejo da hiperglicemia seguiu os protocolos hospitalares locais.  

O grupo “padrão” foi monitorado com medidas de glicemia capilar e os participantes utilizaram um CGM “cego” durante o período do estudo. Já o grupo “intensivo” utilizou um CGM real time e alguns utilizaram também um sensor cego. As informações do CGM foram utilizadas para decisões de tratamento com insulina, determinando alarmes em 80 mg/dL para alerta para hipoglicemias e 250 mg/dL para alertar hiperglicemias. 

A validação do CGM ocorreu 2-6h após a colocação e diariamente depois, seguindo a regra “20%/20” – 20% de margem se glicemia acima de 100 mg/dL ou < 20 mg/dL de diferença para a glicemia capilar se glicemia < 100 mg/dL (regra definida pelo FDA). Os monitores utilizados foram o G6 e G7, quando foi lançado. 

Ao final, 166 participantes foram randomizados e os dados de 110 participantes, após exclusão, foram analisados (60 no grupo intensivo e 50 no grupo padrão).  

A média de HbA1c era de 8,9%, sendo que 72% recebia tratamento com insulinoterapia ambulatorialmente; infecções foram as principais causas de infecção (em torno de 40%). A média de idade era de 61 anos e a média de tempo no estudo foi de cerca de cinco dias. 

Resultados

O Dr. Guillermo Umpierrez (Emory University) foi o responsável em apresentar os resultados do estudo.  

Em primeiro lugar, a decepção. Apenas 7% conseguiram atingir a meta glicêmica de 90 a 130 mg/dL no grupo intensivo, ao passo que 6% atingiram a métrica no grupo controle. Contudo, e provavelmente pelo esforço em se controlar a glicemia da melhor maneira possível, 48% no grupo intensivo tiveram uma média entre 140-180 mg/dL comparados a 32% no grupo controle e 33% tiveram medidas médias de glicose acima de 180 mg/dL no grupo intensivo, comparados a 52% no grupo controle. Nenhum paciente teve tempo abaixo de 90 mg/dL (em média). 

Em tempo no alvo (70-180 mg/dL), o grupo intensivo teve média de 63% vs. 57%, porém sem significância. 

Quanto ao segundo evento primário, hipoglicemia, a taxa de hipos foi muito baixa em ambos os grupos (8 pacientes no grupo intensivo e 3 no grupo controle, sem significância estatística – 0,2% e 0,4%, respectivamente. 

Em conclusão, não houve diferenças entre os grupos na média de glicose, sendo que menos de 10% dos pacientes atingiram a meta de 90-130 mg/dL, tampouco em hipoglicemias. Os autores discutiram os motivos dos achados, e postula-se que um dos principais pontos tenha sido a falta de padronização de protocolos entre diferentes instituições, problemas no momento da aplicação de insulina em momentos pós-prandiais (coisas que acontecem comumente na prática nos hospitais). Além disso, a população selecionada foi uma população de difícil controle glicêmico hospitalar, pois se tratavam de pacientes com DM2 prévio e média de HbA1c elevada (8,9%).  

ADA 2024: Uso de novas tecnologias no controle da hiperglicemia hospitalar

Perspectivas e prática clínica

É importante destacar o tipo de CGM utilizado, de tempo real. Hoje, em nosso país, temos a disponibilidade majoritariamente do Libre flash, mas que em breve será atualizado e haverá a disponibilidade de sua versão “real time”. Isso importa porque a acurácia, capacidade de armazenamento de dados e modo de uso difere. Ainda, é fundamental ter uma equipe treinada e protocolos bem estabelecidos para que o uso do CGM ganhe maior adoção na prática em instituições nacionais. Os dados retratam a dificuldade em se estudar o assunto e reforça a importância de protocolos institucionais para o controle glicêmico hospitalar. 

Confira os destaques do ADA 2024!

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