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Clínica Médica24 setembro 2024

Risco cardiovascular de curto prazo em recém-diagnosticados com gota

O incremento do risco de eventos cardiovasculares nos pacientes com gota advém de inflamação vascular e sistêmica durante as crises de gota.
Por Gustavo Balbi

A gota é a artropatia inflamatória mais frequente na população, acometendo cerca de 1-4% dos adultos dos países ocidentais. Por um longo período, acreditava-se que a hiperuricemia poderia ter influência na incidência de eventos cardiovasculares, mas o estudo ALL HEART e estudos randomização mendeliana acabaram por provar que a hiperuricemia não possui papel na patogênese das comorbidades cardiovasculares desses pacientes. Sendo assim, parece que o incremento do risco de eventos cardiovasculares nos pacientes com gota advém de inflamação vascular e sistêmica durante as crises de gota. 

Estudos anteriores correlacionam as crises de gota com um incremento transitório do risco cardiovascular, mas foram incluídos apenas pacientes com gota de longa duração ou com necessidade de internação hospitalar. Devido a esse perfil de pacientes, é possível que essas publicações possuam um risco significativo de viés de sobrevivência, além da presença de fatores de confundimento, como abuso de AINEs, entre outros. 

Cipolletta et al. conduziu um estudo para avaliar o incremento no risco cardiovascular de curto prazo nos pacientes com diagnóstico recente de gota. Os autores estimaram o risco de eventos cardiovasculares nos primeiros dois anos do diagnóstico da doença. 

gota e risco cardiovascular

Métodos 

Trata-se de um estudo autocontrolado, no qual os próprios pacientes que receberam o primodiagnóstico de gota após uma primeira consulta por crise na atenção primária ou secundária funcionaram como seus controles (+- 2 anos). As comparações foram feitas do ponto de vista individual, e não entre os diferentes sujeitos incluídos. Confundidores insensíveis ao tempo foram levados em consideração. O período de estudo foi de 01/01/1997 a 31/12/2020. Os dados foram obtidos das bases de dados CPRD-GOLD, HAS e ONS. 

Para reduzir o risco de inclusão de pacientes com gota prevalente como gota incidente, foram incluídos pacientes com diagnóstico recente de gota com pelo menos 2 anos de seguimento atual, sem nenhuma prescrição prévia de hiporuricemiante na atenção primária e sem hospitalização prévia por gota. Pacientes com registro de gota prevalente em consultas de atenção primária foram excluídos. 

Foram definidas 2 coortes baseadas em diferentes definições, mas nem todas as nuances do estudo serão descritas nesse texto para facilitar o entendimento. O diagnóstico mais abrangente de gota (coorte 1, que será a mais detalhada nesse texto) foi definido como primeira consulta em atenção primária devido a gota OU registro de internação hospitalar cujo diagnóstico principal na alta foi o de gota. A coorte 2 envolveu definições mais restritivas, incluindo a prescrição de medicamentos para o tratamento da crise aguda de crise no mesmo dia da consulta. 

O desfecho primário analisado foi a ocorrência composta de um primeiro evento de infarto agudo do miocárdio, AVC (isquêmico ou hemorrágico) ou AIT após a data de entrada no estudo. Os desfechos secundários analisados incluíram o desfecho primário analisado de maneira individual mais qualquer evento cardiovascular necessitando de internação ou levando à morte. As análises foram feitas considerando os primeiros 2 anos de seguimento. 

Leia também: Abordagem do paciente com gota

Resultados

Foram analisados 76.440 pacientes com diagnóstico recente de gota. Dentre eles, 4.398 pacientes (66,9% do sexo masculino e com idade média de 74,6 anos) apresentaram eventos cardiovasculares entre 2 anos antes de 2 anos após o diagnóstico de gota. A incidência de eventos cardiovasculares foi significativamente maior nos primeiros 30 dias após o primeiro diagnóstico de gota, quando comparados com o baseline, com uma razão de taxas de incidência ajustada de 1,55  (IC95% 1,33-1,83). 

Considerando todos os 76.440 pacientes (72,9% com idade média de 63,2 anos), a incidência de eventos cardiovasculares foi significativamente maior nos primeiros 30 dias após o primeiro diagnóstico de gota, quando comparados com os dias 121-730 de seguimento: 31,2 (IC95% 27,1-35,9) vs. 21,6 (IC95% 20,5-22,2) eventos por 1.000 pessoas ano), com diferença de -9,6 (IC95% -14,0 a -5,1) eventos por 1.000 pessoas-ano. 

Comentários

Esse estudo, realizado apenas com pacientes com diagnóstico recente de gota, acrescenta importantes informações relacionadas ao aumento transitório do risco cardiovascular nos pacientes com crise aguda de gota. 

É fundamental que todo médico que acompanhe pacientes com o diagnóstico da doença os oriente a respeito do risco aumentado de eventos cardiovasculares. Baseado nesses novos conhecimentos apresentados pelo estudo, o estímulo à adesão terapêutica, de modo a reduzir o número de crises, parece ser uma estratégia importante para redução no risco cardiovascular nesses casos. 

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Referências bibliográficas

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