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Clínica Médica22 novembro 2024

Hipercalemia: as novidades na abordagem que o clínico deve saber

A hipercalemia é uma complicação frequente do tratamento de indivíduos com comorbidades renais e cardiovasculares
Por Leandro Lima

A hipercalemia é um dos desafios mais frequentes na abordagem de indivíduos policomórbidos acometidos por diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, doença renal crônica e insuficiência cardíaca. 

Além dos riscos diretamente atribuíveis à hipercalemia, a condição é motivo frequente para a redução ou suspensão de medicamentos que são importantes nesses cenários, como os inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (iSRAA) e antagonistas dos receptores mineralocorticoides (ARM). 

A maioria das sociedades recomenda os ajustes posológicos quando a calemia ultrapassa os 5,5 mEq/L. Entretanto, uma recomendação mais agressiva da European Society of Cardiology (ESC) enfatiza a importância da manutenção de iSRAA por meio da sugestão de interrupção somente para valores além de 6,5 mEq/L a despeito das medidas de contenção.  

Leia mais: Hipercalemia: revendo conceitos e terapêutica

Diante desse panorama, há uma demanda óbvia por estratégias eficazes e seguras que viabilizem a continuidade dessas classes farmacológicas (IECAs, BRAs e ARMs) em pacientes com histórico ou alto risco de hipercalemia, de forma a estender os seus benefícios para a maior gama possível de pacientes.  

Apesar da plausibilidade presumida, a literatura médica, até o presente momento, ainda não nos permite concluir, de forma definitiva, que o controle da hipercalemia, ao favorecer a otimização dos tratamentos indicados pelas diretrizes, modifique, de fato, os desfechos clinicamente relevantes, como a mortalidade ou evolução para doença renal crônica terminal.  

hipercalemia

Quais são as novidades?  

As principais novidades do manejo da hipercalemia são os quelantes de potássio: patiromer e ciclossilicato de zircônio sódico – que se apresentam como opções mais eficazes e seguras do que o tradicional poliestirenossulfonato de cálcio.  

Ambos os medicamentos são administrados pela via oral, em forma de suspensão ao serem misturados com água, compartilhando como principais efeitos colaterais os gastrointestinais, como náuseas e constipação, presentes em até 10% dos usuários e mais frequentes nas primeiras 4 semanas de introdução.  

As diferenças mais significativas entre eles foram elencadas na tabela que se segue:  

Características 

Ciclossilicato de zircônio sódico  

Patiromer 

Disponibilidade no Brasil 

Sim 

Não 

Dose inicial 

10g (3x/dia) 

8,4g (1x/dia) 

Dose de manutenção 

5 a 15g (1x/dia) 

8,4 a 25,2g (1x/dia) 

Início de ação (pico de ação) 

1h (24h) 

7h (24h) 

Potência em ↓K+ 

1 a 1,5 mEq/L em 48h 

1 mEq/L em 1 semana 

“Moeda de troca” 

Na+ e H+ 

Ca2+ 

Efeitos colaterais específicos 

Edema, vômitos e hipocalemia. 

Diarreia, hipomagnesemia, hipercalcemia, desconforto abdominal e obstrução gastrointestinal. 

Contraindicações 

Obstrução intestinal ou hipersensibilidade conhecida. 

Obstrução intestinal ou constipação grave.  

Além dos quelantes de potássio, outras estratégias podem ser consideradas nessa fronteira especial entre a nefrologia e cardiologia: 

  • Finerenona: trata-se de novo ARM não esteroidal, com efeito cardioprotetor comprovado na nefropatia diabética e promissor quanto a menor prevalência de hipercalemia moderada a grave em comparação à espironolactona e eplerenona (11,6% vs. 35,4%). Contudo, os dados atuais são conflitantes sobre esse potencial benefício, gerando a demanda por estudos randomizados controlados adicionais para melhor elucidação. 
  • iSGLT2: os inibidores do cotransportador de sódio e glicose, por meio da diurese osmótica promovida pela glicosúria, tendem a incrementar a caliúria em doentes renais crônicos e, de acordo com uma metanálise de pacientes diabéticos, reduz o risco de hipercalemia grave em 16% e, por conseguinte, a taxa de descontinuação de ARM, como demonstrado no estudo EMPEROR-reduced. 
  • Sacubitril-valsartana: a combinação do inibidor da neprilisina e BRA, em relação ao uso do enalapril, se associou à discreta redução de hipercalemia grave (4,3% vs. 5,6%) conforme os dados do estudo PARADIGM-HF.   
  • Bicarbonato de sódio: o tratamento da acidose metabólica relacionada à DRC, por meio da reposição de bicarbonato de sódio, tem sido indicado, em consonância com as orientações do KDIGO, quando os níveis de HCO3 encontram-se abaixo de 16 mmol/L. Deve-se manter atenção quanto à possibilidade de sobrecarga salina e retenção de fluidos. 
  • Diuréticos que espoliam potássio: nos casos de hipertensão arterial ou hipervolemia, o emprego de tiazídicos ou diuréticos de alça é um adjuvante útil no controle da hipercalemia. Deve-se manter vigilância para a indução de hipovolemia que, uma vez presente, se associa à piora da perfusão e função renal, incluindo a redução da capacidade de excreção do próprio potássio.  

Veja também: AHA 2024: Uso de ciclossilicato de zircônio sódico para hipercalemia na IC

Conclusão e Mensagens práticas 

  • A hipercalemia é uma complicação frequente do tratamento de indivíduos com comorbidades renais e cardiovasculares, como a doença renal crônica e insuficiência cardíaca.  
  • Uma vez presente, frequentemente é motivo para a consideração de redução ou suspensão de medicamentos que sabidamente melhoram desfechos significativos nessas condições, como iECAs, BRAs e ARMs, privando os pacientes dos seus benefícios.  
  • Os novos quelantes, com destaque para o ciclossilicato de zircônio sódico e patiromer, têm início de ação mais rápido, maior eficácia e tolerabilidade do que o poliestirenossulfonato de cálcio, expandido a aplicabilidade dos tratamentos indicados pelos guidelines da nefrologia e cardiologia.  
  • Além das medidas específicas, destacamos como medidas adjuvantes no controle da calemia os iSGLT2, os diuréticos que espoliam potássio nos pacientes hipervolêmicos e a reposição de bicarbonato de sódio nos casos de acidose metabólica relacionada à DRC com HCO3 inferior a 16 mmol/L.
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Referências bibliográficas

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