Em março de 2021 foi publicado no The Lancet um trabalho com os resultados da análise do uso de azitromicina do PRINCIPLE Trial Collaborative Group. Trata-se de um estudo conduzido pela universidade de Oxford aberto, randomizado e prospectivo em plataforma adaptativa. Neste estudo foram testadas diversas intervenções para a mesma doença (Covid-19), incluindo hidroxicloroquina, azitromicina, doxiciclina e budesonida inalada. Aqui, relatamos os resultados para a azitromicina.
População-alvo
Foram incluídas pessoas da comunidade com 65 anos ou mais, ou 50 anos ou mais com comorbidades, e com sintomas atuais de Covid-19 confirmado por PCR ou suspeito (aumento de temperatura, tosse nova ou contínua, ou mudança de olfato ou paladar). Foram considerados sintomas com início de até 14 dias. Dentre as comorbidades, foram elegíveis comprometimento imunológico conhecida, devido a uma doença grave ou medicamento (por exemplo, quimioterapia); doença cardíaca conhecida ou um diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica; asma ou doença pulmonar conhecida; diabetes conhecido; comprometimento hepático leve conhecido; ou acidente vascular cerebral conhecido ou problemas neurológicos.
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Intervenção
Os participantes foram randomizados em dois grupos: 526 pacientes no grupo que recebeu azitromicina 500 mg uma vez ao dia por três dias associado aos cuidados usuais (focados em manejos de sintomas), e 862 pacientes no grupo que recebeu apenas o cuidado usual.
Desfechos
O estudo considerou como desfechos primários: hospitalização ou morte em 28 dias e tempo para o primeiro autorrelato com recuperação dentro de 28 dias após a randomização.
Resultados
A idade média dos participantes foi de 60,7 anos e a duração mediana da doença antes da randomização foi de 6 dias. 455 (87%) de 526 participantes alocados para azitromicina mais os cuidados usuais relataram tomar pelo menos uma dose de azitromicina e 374 (71%) tomaram todas as três doses.
Tempo de recuperação
80% dos participantes na azitromicina mais e cuidados habituais e 77% dos participantes no grupo de cuidados habituais relataram estar recuperados dentro de 28 dias. Tempo médio para o relatado de recuperação para pacientes no grupo azitromicina mais os cuidados habituais foi de 7 dias (de 3 a 17) e para pacientes no o grupo de cuidados habituais foi de 8 dias (de 2 a 23) (HR 1,08, intervalo de credibilidade bayesiana de 95% [BCI] 0,95 – 1,23),
Hospitalização
As taxas de hospitalização foram de 3% do grupo azitromicina mais de cuidados habituais e 3% do grupo controle foi hospitalizado (benefício absoluto em porcentagem 0,3%, 95% BCI -1,7 – 2,2).
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Mortalidade
Não houve mortes em nenhum dos grupos de estudo
Desfechos secundários
Os resultados mostraram que não havia nenhuma evidência de qualquer diferença entre os dois grupos de estudo no escore Daily (1-10) de quão bem os participantes se sentiram depois de mais de 28 dias, nem no escore de bem-estar da OMS durante o acompanhamento. Da mesma forma, não houve evidências de benefício no uso de azitromicina para o alívio dos sintomas, tempo de alívio dos sintomas sustentado e tempo para redução inicial de gravidade dos sintomas. Contudo, os pesquisadores encontraram algumas evidências de que a recuperação sustentada de náuseas e vômitos e diarreia foi mais rápida com o uso de azitromicina.
Em análise de subgrupos não parecia haver diferenças entre pacientes acima ou abaixo de 65 anos, nem entre os com e sem comorbidades. Dentre o subgrupo com PCR positivo para SARS-CoV-2 foi observado um benefício médio estimado de 1,4 dias (HR 1 12, 95% BCI 0,91 – 1,38 e uma probabilidade de benefício de 0,86, que estava abaixo do limiar para superioridade de 0,99)
Conclusão e considerações finais
Como os participantes não estavam cegos para a intervenção, os resultados autorrelatados podem ter foi influenciado por um efeito de placebo, de modo que qualquer efeito placebo potencial irá provavelmente tendenciar os resultados em direção a um efeito positivo ao uso de azitromicina.
Os resultados mostram que a azitromicina não deve ser usado rotineiramente no contexto de suspeita nem confirmação de casos de Covid-19 em pacientes adultos da comunidade (uso ambulatorial). Além de não ter sido encontrado superioridade, seu uso indiscriminado pode intensificar a seleção de resistência antibiótica.
Referências bibliográficas:
- PRINCIPLE Trial Collaborative Group. Azithromycin for community treatment of suspected COVID-19 in people at increased risk of an adverse clinical course in the UK (PRINCIPLE): a randomised, controlled, open-label, adaptive platform trial. Lancet. 2021 Mar 20;397(10279):1063-1074. doi: 10.1016/S0140-6736(21)00461-X.
Autoria

Roberto Santos
Médico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ⦁ Residente de Neurologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ⦁ Doutorando do Programa de Clínica Médica do Laboratório de Tecido Conjuntivo do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF – UFRJ) ⦁ Atua em pesquisa na área de glicosaminoglicanos com ênfase nas áreas de inflamação, coagulação e Oncologia ⦁ Possui experiência em Cuidados Intensivos, Atendimento de Urgência e Emergência e Atenção Primária à Saúde ⦁ Atuou em Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e em Centros de Terapia Intensiva e Departamento de Emergência na Estratégia de Saúde da Família (ESF) ⦁ Trabalhou também em importantes projetos de extensão da UFRJ, atuando de Pesquisa, Ensino e Promoção da Saúde, tendo desenvolvido habilidades de gestão de pessoas, marketing, ensino, pesquisa e publicação enquanto exercia cargos como Coordenador de Publicação e Pesquisa e vice-presidente do Comitê Local da UFRJ da International Federation of Medical Students Associations (IFMSA) e Coordenador de Publicação e Pesquisa do Ambulatório de Promoção da Saúde ⦁ Instagram: @dr_robertosantos.
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