Os aprendizados na medicina são dinâmicos e muitos parâmetros sofrem alterações e alguns com bastante resistência. Mesmo a videolaparoscopia, nos seus primórdios possuía algumas contraindicações, que hoje consideremos indicações pela melhora da visualização e melhor recuperação proporcionada pela técnica minimamente invasiva.
Uma questão fundamental da videocirurgia é o pneumoperitônio, pois precisamos de um “espaço” para a manipulação intracavitária. Do ponto de vista fisiológico, um paciente com pneumoperitônio terá o seu retorno venoso dificultado e com isso, pacientes cardiopatas podem não tolerar essa situação.
Por outro lado, uma vez que se consiga realizar a cirurgia totalmente por videolaparoscopia, esse mesmo paciente cardiopata terá o benefício de uma melhor recuperação com menores dores e menos chance de complicações cardiológicas por uma menor resposta ao trauma.
Usualmente, a pressão do pneumoperitônio é programada para manter 15 mmHg de CO2 durante todo o procedimento. Alguns estudos, já conseguiram demonstrar que o uso de pressões inferiores a 12 mmHg poderiam estar relacionadas a uma menor dor no pós-operatório e que pressões inferiores a 7 mmHg dificultam em muito a manipulação das pinças com risco de lesão de órgãos adjacentes.
Porém, não se havia testado especificamente a relação dos parâmetros cardiopulmonares, especificamente em pacientes com patologias cardiopulmonares. O trabalho publicado na BMC Surgery tenta analisar essa população específica.
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Métodos
Estudo multicêntrico, prospectivo, que dividiu pacientes com patologias cardiopulmonares em 2 grupos numa proporção de 1:1. Foi realizada uma randomização imediatamente antes da cirurgia com pressão normal de 14 mmHg ou baixa pressão com 10 mmHg.
Somente um membro da equipe pesquisadora programava o aparelho de insuflação, enquanto os cirurgiões em campo não tinham a visualização da pressão intra-abdominal. Amostras sanguíneas das artérias eram coletadas e analisadas antes e após o procedimento.
O desfecho primário analisado foi a pressão parcial de CO2 durante e após o procedimento. Já os desfechos secundários estariam relacionados a dificuldades técnicas em realizar o procedimento e complicações pós-operatórias.
Resultados
Ao total foram alocados 144 pacientes no estudo e a análise final foi realizada em 62 pacientes em cada grupo, por exclusões necessárias. A idade média foi de 62 anos no grupo baixa pressão e 65 no grupo pressão normal. O grau de satisfação do cirurgião quanto ao campo operatório foi de 90,3% no grupo de baixa pressão e 98,4% no grupo pressão padrão.
Em toda a coorte, os níveis de PaCO2 e pH alteram com a intervenção com maiores níveis de PaCo2 (38 → 43,1 p<0,001) e menor pH (7,40 → 7,35 p< 0,001) em todos os pacientes analisados. No entanto, a análise entre grupos não demonstrou diferença estatística.
Discussão
Esse é um dos primeiros estudos a focar num eventual benefício do uso de menores pressões de CO2 para laparoscopias em pacientes com patologias cardiopulmonares. No entanto, essa análise não demonstrou benefício, do ponto de vista de repercussão laboratorial ou clínica com o uso de pressões menores.
Os dados na literatura focam em um benefício no controle da dor ao utilizar pressões menores, no entanto ainda assim há controvérsia quanto ao benefício clínico, com alguns trabalhos desencorajando o uso rotineiro de pressões mais baixas.
Um fato que não pode ser deixado de mencionar é que a diferença de pressão de apenas 4 mmHg pode ser insuficiente para demonstrar um benefício laboratorial. Além disso, o tempo de uma colecistectomia pode ser demasiadamente curto para chegar a apresentar um maior benefício.
Em conclusão, o uso de pressões mais baixas não demonstrou um benefício prático com menores retenções de CO2, no entanto não proporcionou um desconforto cirúrgico. Apesar disso, não podemos chegar a esta conclusão para procedimentos mais longos.
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Para levar para casa
Os níveis de pneumoperitônio mais baixos podem ser suficientes para uma cirurgia confortável. Podem também estar relacionados a menores índices de dor, mas infelizmente não temos como saber se implicam em mais benefícios da fisiologia, especialmente em cirurgias de maior porte.
Como rotina, mesmo sem saber um real benefício, podemos iniciar cirurgias com níveis mais baixos e caso haja alguma dificuldade aumentar até os tradicionais 15 mmHg.
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