Pancreatite aguda biliar: os pilares da abordagem
A etiologia biliar é a principal causa de pancreatite aguda (PA), sendo responsável por aproximadamente metade dos casos. O tratamento adequado, em tempo hábil, é capaz de reduzir a sua progressão e recorrência.
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Estima-se que, pelo menos, um entre dez adultos apresenta-se com colecistolitíase, de forma que a incidência de pancreatite aguda biliar (PAB) é da ordem de 40 casos/100.000 pessoas-ano. Entre esses casos, 80% são leves e com baixa morbimortalidade.
Contudo, nos casos moderadamente graves ou graves, a mortalidade se aproxima dos 30%, e há aumento substancial do risco de desenvolvimento de complicações, como pseudocistos, necrose, disfunção multiorgânica e insuficiência pancreática crônica.
Fatores de risco
Os principais fatores de risco entre os portadores de colecistolitíase incluem a dilatação do ducto cístico (> 5 mm) e a presença de cálculos pequenos (< 5 mm) e numerosos (> 20) na vesícula biliar. Por essas características, compreende-se o motivo pelo qual a obstrução biliar costumeiramente é fugaz e a exploração da via biliar raramente se faz necessária.
A estratificação prognóstica na pancreatite aguda biliar pode ser realizada por meio da classificação de Atlanta revisada, dos critérios de Ranson modificados e dos escores BISAP e APACHE II, esse último se destacando por uma maior área sob a curva (0,91 – IC 95%: 0,88 a 0,93).
Uma das grandes mudanças na abordagem terapêutica dos últimos anos é a primazia pela estratégia de ressuscitação volêmica moderada, guiada por metas, em detrimento da estratégia agressiva de outrora. A conduta mais conservadora reduz o risco de sobrecarga volêmica, síndrome de compartimento abdominal e mortalidade.
Ressuscitação volêmica na PA – Estudo WATERFALL | |
Como era? | Como ficou? |
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Nos casos leves (definidos pelo critério de Atlanta, escore de Ranson ≤ 3 pontos ou BISAP entre 0 e 2), a colecistectomia videolaparoscópica (CVL) deve ser realizada nas primeiras 48 horas da internação índice.
Segundo os dados do estudo PONCHO, essa abordagem reduz o risco combinado de mortalidade ou readmissões relacionadas a complicações da PA. A ideia de não se postergar a intervenção reside na alta taxa de recidiva em duas semanas (30%). A despeito das evidências que favorecem a colecistectomia precoce, menos da metade dos indivíduos com PAB leve são operados na mesma internação.
Nos casos graves, é sugerida a CVL intervalada (entre duas e dez semanas após a alta hospitalar), embora não exista um consenso sobre o melhor momento para fazê-la. A intervenção precoce na pancreatite aguda biliar grave aumenta sobremaneira a morbimortalidade, em um contexto de pronunciada resposta inflamatória.
A colangiografia retrógrada endoscópica (CPRE) está indicada nos raros casos (< 5%) em que a PAB é acompanhada por suspeita de colangite aguda ou obstrução das vias biliares, inferida por bilirrubinas totais superiores a 4 mg/dL.
Um dado laboratorial interessante é de que, entre 24 e 48 horas de internamento, o conjunto de exames que inclui amilase, lipase, bilirrubinas totais, fosfatase alcalina, TGO ou TGP, apresenta um valor preditivo negativo para coledocolitíase superior a 90%.
A pesquisa por coledocolitíase deverá ser guiada pelo seu grau de suspeição. Entre as modalidades propedêuticas disponíveis, a colangiografia intraoperatória se associa à redução do tempo de permanência hospitalar e redução da demanda pela CPRE, contudo é questionável se a sua adoção rotineira seria benéfica.
A colangioressonância (CRM) é uma modalidade não invasiva para o diagnóstico de coledocolitíase, com sensibilidade de 92% e especificidade de 97%. Achados normais ao método, em geral, dispensam a colangiografia intraoperatória.
A identificação de coledocolitíase à colangiografia intraoperatória nos direciona para 3 caminhos: exploração laparoscópica da via biliar comum via transcística, preferencial, ou transcoledocociana, por meio da coledocotomia, que aumenta o risco de fístula biliar; CPRE intraoperatório; ou CPRE pós-operatório.
Destacamos que a primeira opção se associa à redução do tempo de internação, sem diferenças em relação à eficácia ou à segurança ao ser comparada com os métodos endoscópicos.
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Conclusão e mensagens práticas
- As principais ferramentas de avaliação prognóstica na pancreatite aguda biliar (PAB) incluem a classificação revisada de Atlanta, BISAP, APACHE II e critérios de Ranson modificados.
- A adoção de protocolos de expansão volêmica moderados são recomendados em detrimento dos agressivos.
- A colecistectomia deve ser realizada nas primeiras 48 horas da internação índice nos casos de PAB leve.
- A CPRE é reservada para os casos de colangite ou icterícia obstrutiva (bilirrubinas totais > 4 mg/dL).
- A ausência de alterações laboratoriais progressivas entre 24 e 48 horas da admissão hospitalar, incluindo o conjunto de amilase, lipase, FA, AST e ALT, apresenta um bom valor preditivo negativo (VPN) para coledocolitíase.
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