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As complicações cardiovasculares são a intercorrência clínica mais comum no pós-operatório de cirurgias eletivas. As causas mais frequentes são infarto agudo do miocárdio (em especial o tipo 2), taqui e bradiarritmias, congestão pulmonar, IC descompensada e “morte súbita”. Em um artigo nosso, explicamos como fazer a estimativa do risco cardiovascular.
Contudo, hoje vamos abordar uma população em especial: o paciente que já é cardiopata. Ele pode operar? Preciso de mais exames? O tratamento deve ser mantido ou modificado? Um artigo de revisão recente e as diretrizes brasileiras da SBC serão nossa base para o estudo.
Primeiro passo: avaliação do estado basal do paciente
O ponto inicial mais importante é sabermos o quão grave e/ou o quão descompensada está a cardiopatia. História e exame físico são os pilares, com os seguintes destaques:
- Capacidade funcional
- Esteja especialmente atento às atividades de vida diária
- Sinais vitais
- Congestão pulmonar e/ou sistêmica
- A turgência jugular patológica é o sinal de melhor acurácia
- Caracterização do sopro
- O objetivo é triar uma lesão valvar grave
O ideal é que o seu paciente esteja o mais compensado possível, de preferência há mais de três meses. Um paciente descompensado só deve ser operado se a cirurgia for uma emergência médica.
Segundo passo: definindo exames que faltam
Não há nenhum estudo mostrando exames indispensáveis no pré-operatório e as orientações aqui devem ser individualizadas e acrescidas de bom senso. Como regra geral, aplique o índice de risco cardíaco modificado de Lee (IRCM). Nos pacientes de alto risco, em especial para cirurgias também de alto risco e/ou cuja capacidade funcional seja desconhecida ou baixa, recomenda-se a estratificação funcional, isto é, a pesquisa de isquemia miocárdica silenciosa.
A tabela abaixo traz sugestões de exames nas diferentes cardiopatias. Mas lembramos: não há recomendação de sua realização de rotina, mas sim para complementar a avaliação de um paciente cuja história e exame físico forem insuficientes para a tomada de decisão.
Cardiopatia | Exame |
Hipertensão | Não há exames de rotina. Quanto mais lesão de órgão-alvo, maior o risco cardiovascular como um todo. |
Insuficiência Cardíaca | Radiografia de tóraxBNPEcocardiograma |
Valvopatia | Ecocardiograma |
Arritmias | Eletrólitos e TSHHolterEcocardiograma |
Coronariopatia | Teste ergométricoCintilografia do miocárdioEcocardiograma de estresseAngioTC coronárias |
A SBC, em sua diretriz, valorizou muito exames como Rx tórax e Ecocardiograma nos pacientes sem avaliação no último ano ou que, após o exame mais recente, apresentaram piora clínica.
Em relação à coronariopatia, não há estudos comparando testes funcionais com anatômicos e a escolha fica à cargo do médico. Importante é entendermos que o resultado final não é um simples negativo/positivo, mas sim uma avaliação que complemente a clínica, com exames sem isquemia, isquemia de baixo risco ou isquemia de alto risco. É este último grupo o que se beneficia de estratégias para reduzir a isquemia e o risco de complicações cardiovasculares.
Terceiro passo: ajustes no tratamento
Time que está ganhando não se mexe. Por isso, em pacientes compensados a tendência é a manutenção das medicações de uso regular. A grande controvérsia fica por conta dos iECA/BRA, pois há estudos que relacionam seu uso no dia da cirurgia com o risco de hipotensão no intraoperatório. Como os resultados são controversos, não há consenso. No serviço de clínica médica da UFF, suspendemos quando a PA sistólica está mais próxima a 100 mmHg e mantemos quando a mesma está mais para 140 mmHg. Por outro lado, a presença de uma PA basal sistólica > 180 mmHg e/ou diastólica > 110 mmHg é uma indicação de adiamento da cirurgia eletiva conforme diretrizes mais recentes.
Leia mais: Como estimar o risco em gestantes cardiopatas?
Nas lesões valvares, devemos valorizar quando são de moderada a grave no Eco. Pacientes com lesões regurgitantes, se assintomáticos e com boa capacidade funcional, toleram bem a cirurgia. O grande problema é a estenose aórtica. Quando grave, mesmo se assintomática, a recomendação é tratá-la antes de outras cirurgias, salvo procedimentos de baixo risco.
Outra área que falta consenso é quando iniciar medicações para redução do risco de eventos no pós-operatório. Não há nenhum ensaio clínico inquestionável, mas em especial os estudos POISE e POISE-2 trouxeram evidências que nos ajudam a traçar algumas recomendações.
- Betabloqueadores
- Devem ser iniciados pelo menos 1 semana antes da cirurgia e ter dose titulada para alcançar FC 55-65 mmHg e evitar PA sistólica < 100 mmHg.
- Presença isquemia miocárdica no teste funcional
- Estatina
- Cirurgia vascular
- Aterosclerose conhecida
- Clonidina
- Não recomendada
- AAS
- Não recomendado
Na Tabela abaixo, mostramos os principais ajustes no tratamento conforme cardiopatia:
Cardiopatia | Tratamento |
Hipertensão | Não usar diurético no dia da cirurgia.Avaliar manutenção versus suspensão iECA e BRA*.Manter betabloqueadores.Manter clonidina. |
Insuficiência Cardíaca | Avaliar suspensão versus manutenção dos diuréticos.Manter demais medicações. |
Valvopatia | Avaliar suspensão versus manutenção dos diuréticos.Estenose mitral: manter betabloqueadores. |
Arritmias | Manter o antiarrítmico e atenção às interações medicamentosas.Se houver marcapasso ou CDI, chamar técnico para acompanhar cirurgia. |
Coronariopatia | Manter AAS se houver stent**.Manter betabloqueadores e estatina. |
*Diretriz da SBC recomenda manter em hipertensos.
**Exceto neurocirurgia e cirurgia transuretral da próstata.
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Referências:
- Pre‐operative cardiac optimisation: a directed review L. K. K. Lee P. N. W. Tsai K. Y. Ip M. G. Irwin. First published: 02 January 2019 https://doi.org/10.1111/anae.14511
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