A confiança é o alicerce da relação médico-paciente. É ela que permite que o paciente conte o que realmente importa e, ao mesmo tempo, faz com que o tratamento funcione melhor.
Em uma época que resolvemos tudo de forma impessoal e on-line, lembrar que há um ser humano diante de nós — e não apenas uma tela — é um diferencial clínico poderoso. Transformar a consulta em um espaço de confiança é possível com pequenas atitudes práticas.

Importância do espaço acolhedor
Infelizmente, é normal que as pessoas esperem um médico frio, apressado e que o dispense em uma consulta com menos de cinco minutos. Mas uma relação de confiança garante melhor adesão ao tratamento, relato mais fiel de sintomas e, consequentemente, diagnósticos mais precisos.
A escuta ativa reduz a ansiedade do paciente e aumenta a probabilidade de que retorne e siga as orientações propostas. Já a atenção integral impede que queixas aparentemente “pequenas” escondam problemas maiores.
Habilidades que constroem confiança
Gestos simples podem gerar um grande impacto na percepção do paciente. Olhar para o paciente durante a escuta transmite presença e acolhimento. Um aperto de mão ou mesmo um abraço naquela senhorinha querida faz diferença. Claro que é necessário entender quando isso pode não ser conveniente. Mas uma atitude simples, humana e ética faz diferença.
Outra prática que fortalece vínculos é registrar no prontuário “coisas humanas”. Anotar que o cachorro do paciente está doente ou que um sobrinho nasceu pode parecer detalhe irrelevante, mas cria conexão real quando retomado depois: “como ficou o seu cachorro?”. O paciente percebe que foi ouvido. Lembretes no prontuário ajudam a criar essa continuidade. Um paciente que se sente lembrado tende a se tornar parceiro ativo no cuidado.
Também é essencial explicar quando for necessário escrever durante a fala: “estou escutando e anotando alguns pontos importantes para não esquecer; continue, por favor”. Esse cuidado evita que o ato seja interpretado como desatenção.
Independentemente da especialidade, a atenção integral deve guiar a consulta. Se o paciente procura o cardiologista por causa de uma coceira na barriga, é importante tratar ou valorizar primeiro do que está incomodando, oferecer triagem e manejo inicial e, se preciso, encaminhar para seguimento. O paciente precisa sentir-se visto como pessoa inteira, não apenas como “caso clínico”.
Escuta ativa: como conduzir
A escuta ativa é mais do que ouvir — é acolher, validar e responder de forma empática. Algumas frases práticas podem ajudar:
- “me conta com calma o que está acontecendo; estou aqui para ouvir.”
- “isso deve ter sido difícil — como você tem lidado com isso?”
- “posso anotar isso para lembrarmos na próxima consulta?”
- “obrigado por compartilhar — isso é relevante para cuidar melhor de você.”
Quando precisar interromper para anotar no prontuário, uma frase breve já mantém o vínculo: “estou anotando para não esquecer nada, pode falar – ou, espere uns segundos para continuar.”
Documentação humana: o que e por que anotar
Registrar informações pessoais pode parecer detalhe, mas tem grande impacto clínico. Mudanças de humor, queixas que parecem fora do escopo, eventos estressantes recentes, hobbies, importâncias familiares e preferências de contato são pontos que ajudam a entender melhor o paciente. Esse registro possibilita retomadas empáticas, demonstra continuidade de cuidado e serve de guia para outros profissionais da equipe.
É importante, no entanto, respeitar a ética: nada de juízos de valor que possa impactar ou estigmatizar o paciente no prontuário. O ideal é descrever fatos, como “relata preocupação com filho adolescente”, e acrescentar o impacto clínico.
Quando a queixa “não médica” é clínica
Nem sempre o que parece “fora do escopo” realmente é. O segredo está em avaliar intensidade, duração e impacto funcional. Uma coceira que tira o sono ou um estresse familiar que eleva a pressão arterial precisam ser tratados como questões médicas. Perguntas-chave ajudam: “há quanto tempo?”, “isso afeta seu sono, atenção ou estado de ânimo?”, “houve mudança de apetite ou peso?”.
Nos casos em que surgem sinais de sofrimento psíquico importante, como ideação suicida, desespero ou comprometimento funcional, o encaminhamento imediato para suporte em saúde mental é imprescindível.
Como lidar com limitações de tempo
Mesmo com consultas curtas, é possível preservar a humanidade. Breves declarações de validação já funcionam: “entendo, vamos priorizar o que mais está te incomodando hoje.” Além disso, o retorno breve é uma ferramenta valiosa: você pode tratar os pontos não resolvidos e manter o paciente bem acompanhado.
A equipe multiprofissional também pode ser envolvida: enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais contribuem para o cuidado integral.
Se você tem dificuldade em lembrar, coloque esse checklist rápido dentro da sua gaveta.
- olhar nos olhos por 30–60 segundos na anamnese inicial;
- anotar 1–2 fatos pessoais relevantes no prontuário;
- explicar que precisa escrever durante a fala do paciente;
- validar a queixa mesmo que pareça “fora da especialidade”;
- agendar follow-up curto quando não for possível resolver tudo em uma consulta.
Construir confiança exige prática contínua, mas os frutos são evidentes: um paciente mais aberto, mais fiel ao tratamento e mais parceiro no processo de cuidado.
Autoria

Ester Ribeiro
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