O processo seletivo para o médico conquistar a sua vaga em um programa de residência exige dedicação e estudo. Esse processo pode ser de vários formatos, dependendo da instituição pleiteada. Entretanto, a grande maioria envolve algum tipo de avaliação cognitiva, como provas objetivas ou discursivas.
Na Cirurgia, alguns temas são hot topics e sempre estão aparecendo nas provas. Um deles, com certeza é a a hemorragia digestiva alta.
Introdução
A hemorragia digestiva alta (HDA) tem várias apresentações clínicas e é um quadro potencialmente grave. Nem sempre a apresentação por hematêmese vai ser um sinal presente, pois o sangue perdido nesse quadro pode passar por todo trato gastrointestinal e ser eliminado com as fezes, o que é chamado de melena. Um trânsito intestinal muito rápido pode até mesmo promover a eliminação de sangue “vermelho” pelo ânus e confundir o quadro com hemorragia digestiva baixa.
Por definição, hemorragia, cuja causa está no trato gastrointestinal até o ângulo de Treitz, é definida como hemorragia digestiva alta. A partir do ângulo de Treitz é denominada hemorragia digestiva baixa (HDB), apesar de muitas vezes essa denominação se referir à hemorragia dos colons e reto.
Existem várias causas de HDA, mas a principal delas é a úlcera péptica. Sangramento por varizes gástricas também é uma importante causa, mas esse assunto será abordado a parte, dado sua complexidade.
Outras causas incluem câncer gástrico e outras menos comuns, como laceração de Mallory-Weiss (hemorragia com origem na junção gastroesofágica após vômitos intensos), lesão de Dieulafoy (malformações vasculares no estômago), hemobilia (sangramento da via biliar, geralmente por trauma).
Apresentação
A HDA pode se apresentar de várias maneiras. A hematêmese, que quase não gera dúvida no diagnóstico, nem sempre está presente. Grande parte dos casos cursam com melena ou sangue oculto nas fezes. O sangramento da HDA pode ser lento e sintomas como fraqueza e adinamia podem surgir tardiamente.
Fatores associados, como epigastralgia, plenitude pós-prandial, podem estar associados ao quadro de úlcera péptica. Perda ponderal não justificada associado à HDA pode estar relacionada a doenças neoplásicas. Vômitos incoercíveis em indivíduos alcoólatras favorecem a hipótese de lesão de Mallory-Weiss. Hematêmese associada à dor em hipocôndrio direito e icterícia chamam a atenção para hemobilia.
Diagnóstico
A perda progressiva de sangue pode cursar com repercussão hematimpetrica e, por isso, qualquer anemia “injustificada” deve levantar um sinal vermelho.
O primeiro exame a se pensar é a endoscopia digestiva alta, mesmo que o paciente relate ter identificado a presença de sangue “vermelho” nas fezes, que é um aspecto diferente do esperado na HDA, onde é mais comum um sangue mais escurecido, em aspecto de “borra de café”. Isso porque a HDA é bem mais frequente do que a HDB.
O trânsito intestinal pode variar por vários motivos e é possível a saída de sangue vermelho com as fezes, mesmo de origem alta, quando for mais rápido do que o habitual.
Por outro lado, a colonoscopia também deve ser pensada quando a causa não é identificada pela endoscopia digestiva alta.
Outros exames complementares também devem ser solicitados de acordo com a causa, como tomografia computadorizada (TC) em casos de doenças neoplásicas.
Exames laboratoriais são fundamentais na investigação de distúrbios hidroeletrolíticos, distúrbios de coagulação, repercussão hematimétrica. O lactato, por exemplo, é um bom exame comparativo após reanimação.
Manejo
A conduta é direcionada de acordo com a apresentação e causa da HDA. Sem dúvida, um ponto crucial para os cirurgiões é a apresentação de um quadro de urgência com hematêmese. Esse quadro pode ser assustador e o cirurgião deve estar apto a conduzi-lo corretamente, tomando todas as medidas cabíveis.
Inicialmente é preciso ter uma ideia da causa e, nesse caso, a anamnese fornece dados importantes. Uma história de cirrose levanta alta suspeita de se tratar de sangramento por varizes esofágicas, que discutiremos em momento oportuno. Relato de sintomas dispépticos levantam a suspeita de úlcera péptica.
Em um quadro de urgência, o mais importante é a estabilização do paciente, correção de distúrbios e uso de inibidor de bomba de prótons, endovenoso, em dose plena, com dose de ataque inicial (Omeprazol EV 80mg).
Idealmente, o paciente deve ser submetido a endoscopia digestiva alta nas primeiras 24 horas do início de quadro para diagnóstico e tratamento endoscópico (coagulação térmica ou uso de clipes, com ou sem injeção de epinefrina).
Uma modalidade possível é a angiografia, que também pode ser diagnóstica e terapêutica e deve ser considerada em casos de falha do tratamento endoscópico ou se a hemorragia não for localizada, desde que disponível na instituição.
Ainda assim, caso persista o sangramento ou na presença de um sangramento intratável, deve-se instituir tratamento cirúrgico, onde realiza-se sutura do vaso sangrante.
Classificação endoscópica
Existe uma classificação endoscópica, Forest, que quantifica o risco de novo sangramento. É importante o conhecimento dessa classificação para se ter uma ideia da possibilidade de novo sangramento e direcionamento da conduta do paciente
Classificação de Fores | Risco de sangramento | |
Grau Ia | Sangramento ativo, pulsátil | Alto |
Grau Ib | Sangramento ativo, não pulsátil (“em lençol) | Alto |
Grau IIa | Vaso visível, não sangrante | Alto |
Grau IIb | Coágulo aderente | Intermediário |
Grau IIC | Úlcera com manchas pretas | Baixo |
Grau III | Leito da úlcera limpo, não sangrante | Baixo |
Quando indicar a cirurgia?
Inicialmente, a conduta para HDA não é cirúrgica. Entretanto, de acordo com a literatura atual, existem algumas indicações de cirurgia:
- Instabilidade hemodinâmica mesmo após reanimação vigorada e hemotransfusão (mais de 6 unidades);
- Falha da técnica endoscópicas em cessar o sangramento;
- Hemorragia recorrente após estabilização inicial (é aceitável duas tentativas de tratamento endoscópico);
- Choque associado a hemorragia recorrente,
- Sangramento lento e contínuo, com necessidade de hemotransfusão superior a 3 unidades por dia.
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