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Carreira25 fevereiro 2025

Gravidez na adolescência e a relação com a família: o papel do médico

O médico deve oferecer acolhimento, apoio e cuidados éticos e legais no atendimento à adolescente grávida. Saiba como lidar com o caso

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência é definida como o período entre 10 e 20 anos incompletos, marcado por transformações físicas, psíquicas, afetivas, comportamentais e sociais. Durante essa fase, a sexualidade desempenha um papel estruturador da identidade, mas também expõe o adolescente a vulnerabilidades, como infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), gravidez não planejada, abortos inseguros e violência sexual.

A gravidez na adolescência é um grande desafio de saúde pública no Brasil, sendo associada a altos riscos de complicações maternas, fetais e neonatais, além de agravar problemas socioeconômicos preexistentes. O prognóstico da gravidez nessa faixa etária depende da interação de diversos fatores, como idade da gestante, paridade, adesão ao pré-natal, suporte familiar e condições socioeconômicas.

Estudos apontam que adolescentes grávidas têm maior probabilidade de abandono escolar, comprometendo o futuro educacional e profissional. Além disso, as adolescentes podem enfrentar discriminação social e emocional, afetando seu bem-estar psíquico. A mortalidade materna também é mais alta entre adolescentes, especialmente devido a complicações obstétricas e deficiência no acesso aos serviços de saúde.

adolescente grávida mostrando a imagem de raio-x do bebê

Atendimento à adolescente grávida

Os médicos frequentemente são os primeiros profissionais a terem contato com a adolescente grávida, sendo procurados de forma espontânea ou acompanhados por familiares. O momento de anunciar uma gravidez a uma adolescente e sua família pode ser delicado e, muitas vezes, gerar conflitos familiares. Entretanto, é importante que esse anúncio seja feito e envolva os responsáveis pela adolescente, uma vez que gravidez é situação que justifica a quebra de sigilo médico.

O médico deve estar preparado para lidar com essas situações de maneira acolhedora e empática, promovendo um ambiente seguro e respeitoso para a adolescente. Além disso, precisa conciliar os princípios éticos de sigilo, autonomia e proteção da paciente, garantindo que seus direitos sexuais e reprodutivos sejam assegurados.

É importante que o profissional compreenda as dinâmicas familiares e tente atuar como um mediador, ajudando a fortalecer os laços familiares e reduzir os conflitos.

 Questões legais e éticas no atendimento

É fundamental que o médico compreenda as implicações legais e éticas no atendimento de adolescentes:

  • Sigilo profissional: Conforme o artigo 74 do Código de Ética Médica (CEM), é vedado ao médico revelar informações sigilosas de pacientes menores de idade, inclusive aos pais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar danos à paciente. Não se aplica ao caso de gravidez.
  • Incentivo à participação familiar: A adolescente deve ser incentivada a envolver a família no acompanhamento de sua gestação. O médico deve esclarecer os limites da confidencialidade para todos os envolvidos.
  • Quebra de sigilo: A quebra de sigilo pode ser justificada em situações de risco, como deficiência intelectual significativa, distúrbios psiquiátricos graves, abuso de drogas, suspeita ou confirmação de abuso sexual e gravidez.

 

Como o profissional de saúde pode lidar com situações complexas

  • Acolhimento e escuta ativa: O profissional de saúde deve demonstrar empatia e compreensão, oferecendo um espaço onde a adolescente se sinta segura para expor suas dúvidas e medos.
  • Educação em saúde: Explicar à adolescente e à família os riscos e cuidados necessários durante a gestação. Informar sobre os serviços de apoio disponíveis, como assistência social e psicológica.
  • Mediação de conflitos: Ao perceber conflitos familiares, o médico pode sugerir reuniões com outros profissionais, como psicólogos e assistentes sociais, para auxiliar no entendimento e resolução das tensões.
  • Rede de apoio: Estabelecer uma rede de apoio que inclua outros profissionais da saúde, educadores e assistentes sociais, promovendo um cuidado integral à adolescente.
  • Fortalecimento da autonomia: Sempre que possível, estimular a autonomia da adolescente em relação ao seu corpo e suas decisões, respeitando sua maturidade e capacidade de discernimento.

 Situações específicas

  • Relação sexual de menores de 14 anos: De acordo com o Código Penal Brasileiro, menores de 14 anos são considerados vulneráveis absolutos quanto à dignidade sexual, o que torna qualquer relação sexual envolvendo menores dessa faixa etária um crime. Nesses casos, a notificação às autoridades é obrigatória.
  • Gravidez decorrente de estupro: Em casos de divergência entre a adolescente e seus responsáveis quanto à continuidade da gravidez, o caso deve ser encaminhado à Justiça por meio do Conselho Tutelar ou da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude. O laudo encaminhado deve ser acompanhado de pareceres de psicólogos e assistentes sociais.
  • Contracepção em menores de 14 anos: A contracepção pode ser indicada mesmo para menores de 14 anos, respeitando o princípio da proteção à adolescente, conforme a Lei do Planejamento Familiar (Lei nº 9.263/1996).

 

Recomendações para o atendimento

  • Atendimento diferenciado: O médico deve respeitar a privacidade, sigilo e individualidade de cada adolescente, mantendo uma postura acolhedora e centrada no bem-estar.
  • Envolvimento familiar: A ausência de pais ou responsáveis não deve impedir o atendimento médico. No entanto, o envolvimento familiar é altamente desejável e deve ser incentivado.
  • Sigilo e registro no prontuário: O sigilo deve ser mantido, salvo nas situações que justifiquem a sua quebra. Todas as decisões relacionadas ao sigilo e suas justificativas devem ser registradas no prontuário.
  • Comunicação de casos de violência: Maus-tratos e suspeitas de violência sexual devem ser obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar ou às autoridades competentes.
  • Procedimentos invasivos: Para procedimentos de maior complexidade, como inserção de DIU e implantes, recomenda-se a participação dos responsáveis.

 

Conclusão

O papel do médico no atendimento à adolescente grávida vai além da assistência clínica, exigindo preparo para lidar com situações familiares delicadas e tomar decisões éticas e legais complexas.

Ao promover um atendimento humanizado e respeitoso, o profissional contribui para a melhoria do prognóstico da gravidez e para a proteção dos direitos da adolescente, garantindo um cuidado integral e eficiente.

É essencial que os profissionais de saúde estejam constantemente atualizados em relação à legislação vigente e a protocolos de atendimento. Programas de capacitação e supervisão podem contribuir para aprimorar a qualidade do atendimento e assegurar um suporte adequado à adolescente e à sua família.

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Referências bibliográficas

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