Durante a formação médica é comum ouvir que “o currículo da graduação não dá conta de tudo”. Isso não deixa de ser verdade, afinal o conhecimento na área é muito amplo e está em constante atualização. Por mais que os seis anos de curso pareçam longos, eles não são suficientes para explorar todos os assuntos com a profundidade desejada.
É justamente por esse motivo que a formação médica vai além das disciplinas obrigatórias. Nessas horas, os cursos e atividades extracurriculares são caminhos para o estudante que deseja ampliar horizontes, descobrir diferentes áreas de interesse e se destacar na trajetória acadêmica e até mesmo profissional.
Os cursos e atividades extracurriculares contribuem para o desenvolvimento acadêmico, técnico e pessoal do futuro médico. Eles podem incluir desde cursos técnicos, ligas acadêmicas, oficinas, workshops, palestras e congressos, até atividades de extensão, iniciação científica e cursos livres voltados ao desenvolvimento de habilidades específicas.
Mas, diante de tantas opções de atividades, como saber o que realmente vale a pena fazer? Neste artigo, vamos conversar com o diretor médico da Afya, Dr. Ronaldo Gismondi, e com a nefrologista e editora médica de Carreira, Dra. Ester Ribeiro, sobre como fazer as melhores escolhas na seleção de atividades extracurriculares.
Ensino, pesquisa e extensão
As principais atividades vivenciadas pelo estudante durante a formação podem ser divididas em três grupos principais: o ensino da graduação, com suas atividades teórico-práticas, a extensão e a pesquisa. E, embora abordem diferentes áreas, todas elas têm importância na construção do conhecimento.
As atividades de ensino teórico-prático envolvem cursos e treinamentos voltados a habilidades técnicas e conhecimentos aplicados, como interpretação de ECG, gasometria, suturas, como realizar a leitura crítica de artigos científicos e até o uso de tecnologias em saúde em prontuários eletrônicos ou inteligência artificial.
As atividades de extensão são aquelas que conectam o estudante à realidade social da medicina brasileira, promovendo empatia, responsabilidade social e um senso de propósito. Como exemplifica o Dr. Ronaldo, essas atividades podem levar o estudante para falar de educação em saúde numa escola, fazer uma campanha com determinado grupo etário com hipertensão ou com diabetes ou movimentar a população para se cuidar. “Isso aproxima o médico daquele que é o centro do seu cuidado, que são as pessoas da população do local da onde ele vive”, comenta.
Já a iniciação científica é uma oportunidade de desenvolver pensamento crítico, disciplina, escrita acadêmica e capacidade analítica. Essas habilidades são valorizadas em provas de residência e na vida profissional do médico. Dr. Ronaldo explica que a pesquisa acadêmica pode abrir as portas para o médico que planeja ser pesquisador, permitir o acesso à bolsa e a publicações, além de ser um caminho indispensável para quem quer continuar a carreira como professor, dentro da universidade.
Um exemplo de atividade extracurriculares que acabam englobando experiências de ensino teórico-práticas, de extensão e científicas são as ligas acadêmicas. Presente na rotina de praticamente todo estudante de medicina, elas ofertam aulas para aprofundar os temas aprendidos em sala, experiências práticas de acompanhamento dos médicos em suas rotinas de ambulatório e centro cirúrgico, oportunidades de atividades com a população em geral e o envolvimento em pesquisas e publicações científicas.
Dra. Ester relembra como sua participação em ligas acadêmicas influenciou sua trajetória, mesmo mudando de área ao longo da graduação: “Eu entrei na faculdade sem saber direito o que eu queria, então acabei fazendo muitas ligas. Um fato curioso é que ao longo da graduação me interessei por Ginecologia e Obstetrícia e fiz parte da liga por muito tempo, mas no último ano da faculdade acabei optando pela Clínica Médica. Tive contato com a área e convivência com os profissionais para avaliar o que queria”, comenta.
Hoje, como Nefrologista, os conhecimentos aprendidos pela Dra. Ester nas atividades das ligas acadêmicas que participou ainda são relevantes, principalmente no atendimento a pacientes gestantes.
Para os estudantes que já estão no final da faculdade, também é necessário o entendimento sobre o quer e não quer para sua vida profissional e a procura por complementar sua formação nas áreas em que irá atuar no início da carreira. “Se o estudante está na dúvida sobre os cursos que deseja realizar, vale lembrar que ele deve ter uma formação generalista, isso exige atividades que incluam um pouco de tempo para atender criança, atender GO, ver casos cirúrgicos, pequenas cirurgias, suturas e o conhecimento clínico, que acaba sendo a principal área de trabalho quando a gente se forma”, explica Dr. Ronaldo.
Nem tudo é sobre currículo
Um erro comum entre os estudantes é enxergar as atividades extracurriculares apenas como forma de enriquecer o currículo para provas de residência. Embora esse seja um benefício, não deve ser o único critério de escolha. O estudante pode aproveitar os cursos e atividades extracurriculares para se dedicar a temas que têm interesse e também pensar no aspecto pessoal da sua formação.
“Algumas atividades não pontuam em editais, mas ampliam o repertório e tornam o profissional mais completo. Na vida profissional nem sempre estamos sendo avaliados e muitas vezes temos que decidir por nós mesmo, sem ninguém cobrando. Quando não pensamos em notas, podemos focar no que realmente queremos”, ressalta a Dra. Ester.
Dr. Ronaldo reforça essa orientação de não se limitar apenas à preocupação com o currículo com o exemplo do estudante que se dedica a pesquisa durante a graduação e isso lhe capacita para ler e entender melhor as publicações, sem depender de outro profissional para interpretar as informações. “Ele estará preparado para ir na fonte da publicação, analisar se o estudo foi bem desenhado, se a população foi bem selecionada, se os métodos foram empregados adequadamente. Vai ter capacidade para interpretar o resultado e saber se tem aplicação prática no dia a dia da sua atuação.”
Outro motivo para não ficar limitado a atividades extracurriculares que pontuam em algum processo de seleção é a necessidade de buscar treinamentos que vão além das habilidades ensinadas na faculdade, como os treinamentos em soft skills, cada vez mais necessários aos médicos.
Dra. Ester relata que durante sua formação buscou aprimorar conhecimentos de soft skills desenvolvendo essa curiosidade de saber como era o dia a dia dos médicos além da sala de aula. “Não só aprender coisas novas, mas entender como será aquela profissão no futuro, ver médicos que geralmente não dão aula na faculdade e até mesmo buscar networking em diferentes áreas”, comenta.
Dr. Ronaldo também reforça o valor dessas habilidades que não são ensinadas nas disciplinas tradicionais: “A soft skill vem dessa mistura de ler sobre o assunto, observar como os outros fazem e tentar incorporar à sua prática. A observação dos médicos mais experientes permite aos alunos saber o que eles gostaram e vão repetir, e o que eles não gostaram e vão evitar de fazer”, explica.
Além disso, a Dra. Ester lembra alguns cursos que gostaria de ter feito na faculdade como administração médica, gestão de carreira, como abrir um consultório, burocracias que todo médico tem que saber. Aprender esses conhecimentos não técnicos antes da formação seria um diferencial no início da carreira.
E como escolher as atividades extracurriculares?
A principal orientação para escolher as atividades extracurriculares é simples: entender suas próprias motivações e objetivos. Você já tem ideia da especialidade que quer seguir? Gosta de pesquisa? Se interessa por saúde coletiva? Tem curiosidade por temas como inovação ou liderança? Prefere cursos práticos ou teóricos? Online ou presenciais? Fazer essas perguntas pode parecer um pouco vago, mas o autoconhecimento é algo que se desenvolve com o tempo e contribui para ter mais foco nas decisões.
Também vale lembrar: você não precisa fazer todos os cursos e atividades disponíveis. Dra. Ester compartilha que foi uma estudante que queria participar de todas as ligas possíveis, do maior número de congressos e tudo que a faculdade permitisse. Mas, apesar de todo o aprendizado, hoje se arrepende desse tipo de escolha. “Essas atividades foram úteis, mas eu poderia ter tido mais de tempo de descanso e foco. O excesso de atividades sem um objetivo definido, não necessariamente resulta em conhecimento prático”
Por isso, evite cair na armadilha da quantidade e foque na qualidade. Reserve tempo para descansar, conviver com colegas e familiares, cuidar de si e viver a graduação de forma leve. A formação médica é longa e cheia de desafios, mas também é cheia de descobertas. Os cursos extracurriculares são ferramentas que tornam esse caminho mais enriquecedor e alinhado ao seu propósito.
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