Na cobertura do 18° Congresso Brasileiro de Clínica Médica, realizado em Olinda/PE, entre 09 e 11 de outubro de 2025, destacamos a mesa redonda “Neurologia na Emergência”, presidida pelo Dr. Marçal Paiva.
O Dr. Luis Felippe Pereira Ribeiro, neurovascular e neurointensivista pela UNICAMP, trouxe uma discussão abrangente sobre a trombólise no AVC isquêmico.
O entendimento sobre os principais trials dedicados ao tema na atualidade passa pelos seguintes conceitos:
- NIH: Escala que padroniza o exame físico neurológico seriado no AVC. O valor normal é zero e a pontuação máxima é de 42. O AVC minor é definido por pontuação ≤ 5 pontos, desde que áreas particularmente importantes para um determinado paciente não tenham sido comprometidas. AVC grande é definido por pontuação > 25 pontos. Quanto maior o NIH, mais proximal deve ser a obstrução, e menos provável a chance de resposta completa com a trombólise isoladamente.
- ASPECTS: escala radiológica tomográfica dedicada ao AVC de circulação anterior que avalia as áreas isquêmicas precoces por meio da identificação de características como hipoatenuação, perda da diferenciação córtico-subcortical ou apagamentos de sulcos. A pontuação máxima, normal, é de 10 pontos. Escores ≥ 6 pontos são tradicionalmente considerados favoráveis à trombólise. Valores abaixo de 5 representam infartos extensos.
- Escala de Rankin modificada: define a funcionalidade após o AVCi (0 – sem comprometimento algum; 6 – óbito).
Veja também: Trombectomia mecânica ou trombólise por cateter no tratamento da embolia pulmonar?
A fronteira da idade
Inicialmente, presumia-se que a idade acima dos 80 anos representasse um risco proibitivo para a fibrinólise, tendo em vista maior tendência a sangramento intracraniano decorrente de angiopatia amilóide, microbleeds e transformação hemorrágica. Entretanto, estudo publicado em 2020 na revista Stroke, com N > 1.000, identificou que os benefícios funcionais eram preservados nessa faixa etária, com perfil de segurança semelhante entre os grupos submetidos ou não à trombólise.
No momento atual, os dados são limitados para a instituição de fibrinólise em indivíduos além dos 90 anos, devendo a decisão ser tomada caso a caso nesse subgrupo de pacientes.
A fronteira do tempo
A pergunta-chave da entrevista médica é: “Quando o paciente foi visto bem pela última vez?”. Entretanto, uma das limitações mais claras é no wake-up stroke (a recomendação atual é considerar a metade do tempo entre o início do sono e o despertar como o time do ictus do evento) ou em pacientes que apresentaram o ictus do evento de forma não presenciada. Nesses casos, a neuroimagem fornece pistas importantes para a cronologia. Um exemplo clássico é a presença de alterações à sequência de difusão da RM, sem correspondentes no FLAIR, a sugerir um evento instalado há poucos minutos/horas.
O tratamento do AVCi mudou drasticamente a partir de 1995, quando o estudo NINDS, publicado no NEJM, demonstrou a eficácia do r-tPA nas primeiras 3 horas do ictus na melhora dos desfechos funcionais em 3 meses.
Em 2008, o estudo ECASS-III demonstrou benefício funcional adicional para pacientes tratados entre 3 e 4,5 horas, levando à expansão da janela terapêutica para 4,5 horas nas diretrizes da American Heart Association/American Stroke Association. A droga de eleição é a alteplase (0,9 mg/kg, dose máxima de 90 mg, 10% infundido em bolus e o restante em 1 hora) e, mais recentemente, os dados têm se tornado consistentes também para a tenecteplase, em processo de aprovação pela ANVISA.
O conhecimento avança com estudos que selecionam pacientes com tecido cerebral viável identificado na TC perfusional ou RM de encéfalo para janelas estendidas de trombólise de 4,5, 9 e até 24 horas após o início dos sintomas, especialmente quando a trombectomia não está disponível ou não é planejada, ou enquanto ponte para a mesma.
Se o déficit é mínimo, o benefício da fibrinólise compensa o risco?
No AVC minor, a comparação entre dupla antiagregação plaquetária (DAPT) e fibrinólise não demonstrou variação significativa na funcionalidade conforme dados de uma metanálise de 5 estudos e que englobou cerca de 6.400 pacientes.
Uma das hipóteses aventadas é de que a escala NIH teria sensibilidade discriminativa limitada para identificar benefícios funcionais sutis nesse grupo de pacientes.
Portanto, a ideia é não trombolisar, a menos que exista um déficit particularmente deletério para aquele paciente em específico.
NIH alto e oclusão proximal de grandes vasos
No AVC isquêmico com NIH elevado (> 20-25 pontos) e oclusão proximal de grandes vasos, como a carótida ou segmento M1 da artéria cerebral média, a tendência é seguir com a trombectomia mecânica com janela ampliada de 24 horas, precedida por trombólise química.
O racional para essa abordagem é promover reperfusão precoce, potencialmente antes do procedimento endovascular, aumentar a taxa de recanalização, restaurar a microcirculação distal ao trombo principal e, assim, reduzir o risco de sequelas neurológicas permanentes. O procedimento, contudo, deve ser balizado pelos achados de TC perfusional ou RM de encéfalo.
Fibrinólise para um quadro mimetizador de AVCi: Qual o risco?
Os principais mimetizadores de AVCi são a hipoglicemia grave, paralisia de Todd, migrânea hemiplégica, migrânea com aura, conversão, tumor cerebral, esclerose múltipla e vertigem periférica.
Em casos duvidosos, a neuroimagem, sobretudo a RM de encéfalo é de grande valia.
Nos casos duvidosos, com potencial de se tratar de um verdadeiro AVCi, uma vez respeitada a janela de fibrinólise e os critérios de elegibilidade, deve-se proceder com a mesma.
A complicação mais temida é a hemorragia intracraniana sintomática, que pode ser grave, embora a incidência seja baixa e significativamente menor do que no AVCi verdadeiro: 0,4 a 1% vs. 3,5 a 7,9%.
Conclusão e Mensagens práticas
- A fibrinólise representou um marco no tratamento do AVC isquêmico, ao reduzir a incapacidade funcional e melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes. O clínico deve conhecer bem a disponibilidade da alteplase no Brasil, os critérios de elegibilidade e contraindicações, bem como a janela terapêutica clássica de até 4,5 horas. No entanto, com o suporte de técnicas avançadas de imagem, como a tomografia computadorizada de perfusão ou a ressonância magnética cerebral, essa janela pode ser estendida para até 9 ou mesmo 24 horas, conforme evidenciado por estudos recentes. Essa ampliação deve seguir rigorosamente os critérios de inclusão e geralmente ocorre em contextos de estratégia combinada (“ponte”) para trombectomia mecânica.
Confira a cobertura completa do Congresso Brasileiro de Clínica Médica 2025!
Autoria

Leandro Lima
Editor de Clínica Médica da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica (2016) e Gastroenterologia (2018) pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) ⦁ Residência em Endoscopia digestiva pelo HU-UFJF (2019) ⦁ Preceptor do Serviço de Medicina Interna do HU-UFJF (2019) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
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