Buscas médicas: um novo termômetro da saúde pública?

Nos últimos anos, temos observado um crescimento importante no uso de ferramentas digitais de apoio à decisão médica no Brasil. Mas será que esses dados de busca, utilizados diariamente por médicos em sua prática, podem ter impacto além do atendimento individual?

Essa foi a pergunta que motivou nosso estudo, recentemente publicado no BMC Public Health: “Hospitalisations in Brazil: an ecological time series analysis of the impact of medical decision support data as an exogenous variable”

O estudo

Nesse trabalho, analisamos séries temporais de internações no SUS entre 2021 e 2024 e investigamos se o volume de buscas médicas no Afya Whitebook® poderia melhorar os modelos de previsão de hospitalizações. Os resultados foram bastante promissores: em 278 de 478 séries analisadas, os modelos SARIMAX (que incorporam dados exógenos) superaram os modelos univariados tradicionais. Isso ocorreu especialmente em doenças como DPOC, dengue, diabetes tipo 2, asma e depressão, que são condições de grande impacto clínico e epidemiológico.

Outro achado interessante foi a variação regional. Em estados como Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, mais de 70% das séries se beneficiaram da inclusão do dado exógeno, enquanto em outras regiões, como Roraima e Amapá, o efeito foi mais limitado. Esses resultados reforçam a ideia de que os dados de busca médica refletem padrões locais de prática e podem ajudar a construir modelos regionais mais sensíveis à realidade de cada estado.

Leia mais: A prática clínica com o apoio da IA

Diferencial

O grande diferencial está na disponibilidade desses dados em tempo real. Enquanto sistemas tradicionais de vigilância epidemiológica frequentemente sofrem com atraso no registro das notificações, os padrões de busca médica surgem imediatamente, funcionando como um detector precoce de alterações na demanda assistencial.

Em termos práticos, a mensagem principal é que o comportamento de busca dos médicos pode ser incorporado como uma variável preditiva em saúde pública, oferecendo uma nova camada de informação para vigilância epidemiológica e planejamento.

É um caminho que aponta para a integração cada vez maior entre ciência de dados, prática médica e políticas públicas.