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Cardiologia4 novembro 2025

Tratamento e mortalidade de pacientes com infarto e disfunção renal avançada

Estudo de coorte analisou a associação entre o tratamento guiado por diretrizes e a mortalidade intra-hospitalar de pacientes com SCA e DRCA

Síndrome coronariana aguda (SCA) é a principal causa de morte no mundo, com mortalidade intra-hospitalar de aproximadamente 5%. As diretrizes atuais recomendam tratamento medicamentoso específico para pacientes com SCA no geral, porém sua recomendação para pacientes com doença renal crônica avançada (DRCA), ou seja, pacientes com taxa de filtração glomerular (TFG) menor que 30mL/min/1,73m², é controversa.  

A população de pacientes com DRCA costuma receber menos medicação recomendada, com piores desfechos no curto e no longo prazo e há falta de estudos randomizados com estes pacientes, já que geralmente são excluídos dos grandes estudos. 

Alguns estudos mostraram que o uso de estatinas, IECA ou BRA e dupla antiagregação plaquetária (DAPT) podem ter menor benefício cardiovascular nesses pacientes, porém outros estudos tiveram resultados diferentes.  

Recentemente foi publicado um estudo de coorte para explorar a associação entre o tratamento guiado por diretrizes e a mortalidade intra-hospitalar de pacientes com SCA e DRCA. 

Métodos do estudo e população envolvida 

Foi um estudo retrospectivo, multicêntrico, observacional, feito a partir de duas bases de dados da China. O tratamento guiado por diretrizes foi definido como a administração de betabloqueadores, DAPT, estatinas, IECA/BRA em até 24 horas da admissão. Pacientes considerados como não recebendo o tratamento guiado por diretrizes foram os que não receberam todas as medicações citadas em até 24 horas da admissão. Também foram avaliados pacientes que receberam pelo menos duas ou três classes das medicações recomendadas.  

O desfecho do estudo foi mortalidade intra-hospitalar e as análises foram feitas com ajustes para múltiplas variáveis.  

Resultados 

Na primeira coorte (CNEDSSP) foram incluídos 184.850 pacientes com SCA e na segunda coorte (CCC-ACS) foram incluídos 104.516. Do total, havia 6.260 pacientes com DRCA, sendo 3.013 na primeira coorte e 3.247 na segunda.  Desses, 1.239 (19,8%) receberam tratamento guiado por diretrizes e 5.021 (80,2%) não receberam.  

A mortalidade intra-hospitalar nos pacientes com DRCA foi de 8,7% nas duas coortes, sendo de 62 (5%) nos pacientes que receberam o tratamento e 480 (9,6%) nos que não receberam o tratamento guiado por diretrizes.  

A idade média dos pacientes era de 72,7 anos e 55,2% eram homens. Pacientes que receberam o tratamento guiado por diretrizes geralmente tinham níveis mais altos de triglicérides, pressão arterial (PA) e TFG, além de terem com maior frequência história de infarto (IAM) prévio, intervenção coronária percutânea (ICP) e menos história de insuficiência cardíaca (IC), fibrilação atrial (FA) e acidente vascular cerebral (AVC). Pacientes da coorte CNEDSSP tinham maior proporção de história de IAM, IC e maior classe de Killip que a coorte CCC-ACS.  

Em relação a mortalidade, a análise multivariada mostrou que pacientes que receberam o tratamento guiado por diretrizes em até 24 horas da internação tiveram menor mortalidade que os que não receberam nas duas coortes, com RR das duas coortes em conjunto 0,62 (IC95% 0,47-0,81). As curvas de Kaplan-Meier de sobrevida tiveram uma separação evidente, com maior sobrevida intra-hospitalar no grupo que recebeu a medicação em até 24 horas.  

Análises posteriores em relação a medicações específicas mostraram que a mortalidade foi menor nos pacientes que receberam betabloqueadores, DAPT e estatinas, mas não nos que receberam IECA/BRA. A combinação de betabloqueadores e IECA/BRA aumentou a mortalidade, enquanto a combinação de estatinas e DAPT não mostraram benefício de mortalidade em pacientes com SCA e DRCA.  

Na análise do propensity score os resultados foram semelhantes, com grande heterogeneidade entre as coortes por diferença nos antecedentes de IAM entre as duas. Houve tendência de redução de mortalidade nos pacientes que receberam tratamento guiado por diretrizes, consistentes com as análises das coortes completas (RR 0,62; IC95% 0,45-0,86).  

Pacientes com diagnóstico de IAM (excluídos os com angina instável) e DRCA que receberam as medicações em até 24 horas eram mais jovens, tinham maior PA e maiores níveis de LDL e recebiam mais ICP na internação. Esse grupo teve mortalidade 61% menor que o grupo que não recebia tratamento em até 24 horas.  

Comentários e conclusão 

Nestas duas coortes os resultados mostraram que o tratamento guiado por diretrizes realizado de forma precoce, em até 24 horas, foi associado a redução de mortalidade intra-hospitalar nos pacientes com SCA e DRCA. Esses resultados foram consistentes em múltiplas análises realizadas.  

Após excluir pacientes com angina instável, foi visto que a redução de mortalidade foi mais significativa nos pacientes com IAM. O benefício do tratamento nos pacientes com angina instável talvez tenha sido menor pelo alto risco de sangramento ou piora renal com uso das medicações, com maior peso, já que o risco isquêmico destes não é tão alto quanto dos com IAM. 

O tratamento precoce foi semelhante à combinação de betabloqueadores e estatina ou betabloqueadores, estatina e DAPT, independente do uso de outras medicações na redução de mortalidade, o que sugere a necessidade de uma abordagem individualizada na seleção das medicações, já que esses pacientes têm geralmente alto risco trombótico e alto risco de sangramento.  

Este estudo contou com grande número de pacientes e foram feitos ajustes para possíveis confundidores, porém foi estudo observacional e pode ter havido ainda algum viés não percebido. Além disso, foi feito na população chinesa, o que limita sua generalização para outros países.  

Assim, mais estudos são necessários para confirmar esses resultados, porém parece haver benefício do tratamento guiado por diretrizes nos pacientes com IAM e DRCA e esta população merece uma individualização um pouco maior em relação às medicações utilizadas. 

Autoria

Foto de Isabela Abud Manta

Isabela Abud Manta

Editora médica de Cardiologia da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica pela UNIFESP ⦁ Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) ⦁ Atua nas áreas de terapia intensiva, cardiologia ambulatorial, enfermaria e em ensino médico.

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