Sabemos que a maioria dos infartos do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) e das síndromes coronarianas agudas sem supradesnivelamento do ST (SCA sem supra) resulta de uma redução aguda do suprimento sanguíneo miocárdico devido à ruptura ou erosão da placa coronariana, sendo a ruptura o mecanismo predominante no IAMCSST. Outras causas menos frequentes incluem nódulos calcificados, dissecção espontânea da artéria coronária (SCAD), espasmo coronariano, disfunção microvascular e embolia coronariana.
Rupturas geralmente ocorrem em placas ricas em lipídios, enquanto a erosão é mais frequente em lesões ricas em proteoglicanos/glicosaminoglicanos. No entanto, essas alterações nem sempre causam sintomas ou provocam uma SCA. Eventos subclínicos desse tipo podem, entretanto, levar a processos de cicatrização local e evolução da placa.
A fisiopatologia da SCA pode diferir entre os sexos, com as mulheres apresentando mais frequentemente doença não obstrutiva, menor carga total de placa, mais frequentemente doença de um único vaso e menos frequentemente ruptura de placa como mecanismo deflagrador da SCA.
Considerando esse espectro amplo de doença, possivelmente precisamos ir além da abordagem tradicional da SCA, que é, hoje, excessivamente simplificada e baseada apenas em ECG e biomarcadores.
Esse foi o tema principal do Estado da Arte recentemente publicado no European Heart Journal.
Mecanismos da SCA:
A ruptura da placa continua sendo a principal causa de SCA. Entretanto, impulsionado pelo melhor controle dos fatores de risco tradicionais — como a redução agressiva do colesterol LDL —, mecanismos anteriormente subestimados, como a erosão da placa, passaram a assumir maior relevância clínica.
A) Ruptura da Placa
O ciclo de vida de uma placa aterosclerótica começa na segunda década da vida, quase meio século antes da manifestação clínica de muitas SCA. As placas ricas em lipídios e células espumosas, recobertas por uma capa fibrosa fina, são consideradas as mais suscetíveis à ruptura.
Em estudos contemporâneos utilizando tomografia de coerência óptica (OCT), a ruptura da placa foi responsável por aproximadamente 60% de todos os casos de SCA. Sabemos que tanto mecanismos inflamatórios quanto não inflamatórios podem alterar a homeostase estrutural da capa fibrosa, levando à sua ruptura.
O afinamento da capa fibrosa está associado à perda progressiva de células musculares lisas (CML) e ao acúmulo de macrófagos, sendo estes últimos, com perfil pró-inflamatório, predominantes nas regiões de maior tensão da placa. O desequilíbrio entre enzimas que degradam a matriz extracelular e seus inibidores favorece a ruptura da placa coronariana.
Macrófagos carregados de lipídios, em processo de apoptose, liberam colesterol livre, o que promove o acúmulo de cristais de colesterol. Os cristais frequentemente aparecem junto com placas complicadas e a sua presença, identificada por OCT, está associada a maior risco de eventos cardiovasculares maiores após a SCA inicial.
Infecções respiratórias, como influenza, também podem precipitar SCA, embora os mecanismos ainda sejam pouco elucidados, provavelmente envolvendo uma resposta imune mediada por células T, associada a um estado pró-trombótico em indivíduos geneticamente suscetíveis.
A imunidade adaptativa também exerce papel fundamental na estabilidade da placa: pacientes com SCA apresentam desequilíbrios marcantes nas subpopulações de células T CD4+ juntamente com uma redução quantitativa e qualitativa das células T reguladoras, comprometendo a homeostase imune.
Fatores não inflamatórios, como estresse emocional ou físico extremo, também podem precipitar a ruptura da placa. Exercício físico extenuante ou atividade sexual, por exemplo, ativam o sistema nervoso simpático, levando à liberação de catecolaminas adrenérgicas, que aumentam a pressão arterial e, através de efeitos sobre a agregação plaquetária, induzem um estado pró-trombótico.
B) Erosão de placa
A prevalência estimada da erosão de placa parece ter aumentado nas últimas décadas, atualmente sendo responsável por até um terço das síndromes coronarianas agudas (SCA), com uma proporção ainda maior nos casos de IAMSSST.
O surgimento e a crescente utilização de terapias eficazes para redução do LDL-C podem reduzir o conteúdo lipídico das placas, reforçando o conteúdo de colágeno na capa fibrosa, o que diminui o risco de ruptura, porém contribui para o aumento relativo da incidência de erosão de placa.
De fato, a erosão de placa tende a ocorrer com mais frequência em indivíduos com LDL-C e pressão arterial bem controlados. Além disso, as lesões erodidas tendem a se localizar próximo a locais de bifurcação.
A erosão da placa é caracterizada por:
- Descamação das células endoteliais
- Ativação local de plaquetas e neutrófilos
- Liberação de NETs (armadilhas extracelulares de neutrófilos)
- Formação de um trombo rico em plaquetas no local da denudação da íntima
Durante a formação das NETs, os granulócitos liberam DNA desemaranhado, juntamente com espécies reativas de oxigênio (ROS), proteinases e outras proteínas com propriedades pró-trombóticas e pró-inflamatórias, incluindo a minhaeloperoxidase (MPO). O produto da MPO, o ácido hipocloroso, promove a morte das células endoteliais e sua descamação.
As NETs desempenham um papel crucial na formação do trombo sobre a placa erodida. De fato, a rede de filamentos de DNA nuclear/mitocondrial favorece a propagação do trombo por aprisionamento de plaquetas.
Curiosamente, as estatinas podem aumentar a formação de NETs, enquanto a aspirina parece atenuar esse processo.
C) Cicatrização da placa
Aproximadamente um em cada três a quatro pacientes com SCA apresenta placas estratificadas (“cicatrizadas”) no local da lesão culpada, sugerindo que muitas lesões rompidas não resultam em uma SCA. Esses eventos de ruptura subclínica, entretanto, provocam processos de cicatrização que podem impulsionar a progressão da placa em direção a um fenótipo fibrocalcificado, capaz de gerar estenoses limitantes de fluxo, embora com menor propensão à ruptura.
O processo de cicatrização da placa envolve três fases sobrepostas:
- Lise e/ou organização do trombo
- Cicatrização tecidual
- Reendotelização
A cicatrização das placas rompidas envolve fatores de crescimento derivados de plaquetas, que estimulam a migração das CML e a produção de matriz extracelular (ECM). Assim, uma nova camada de matriz se forma sobre a lesão rompida, originando a “placa estratificada” observada na imagem intravascular.
Medidas de prevenção secundária — incluindo dieta hipolipemiante, estatinas, inibidores de PCSK9, além de terapias antiplaquetárias e anti-inflamatórias — podem promover a cicatrização da placa.
D) Outros mecanismos
Nódulos calcificados
Na concepção atual, o NC — predominantemente descrito em pacientes mais idosos, com prevalência semelhante entre homens e mulheres — pode romper a capa fibrosa sobrejacente e, por meio da perda do endotélio, gerar trombose (tipicamente suboclusiva) e SCA. Os mecanismos precisos para a formação dos NC permanecem pouco elucidados, mas, como eles ocorrem mais frequentemente em pacientes com doença renal crônica, distúrbios na homeostase do cálcio e fosfato podem contribuir para sua patogênese.
Infarto do Miocárdio sem obstrução das artérias coronárias (MINOCA)
O termo MINOCA refere-se à SCA na ausência de estenoses coronarianas hemodinamicamente significativas (ou seja, > 50%). Ocorre tipicamente na ausência de fatores de risco tradicionais e afeta preferencialmente pacientes mais jovens — é a segunda causa mais comum de SCA prematura, representando de 10% a 20% dos casos em jovens, com predomínio no sexo feminino.
Embora o MINOCA possa resultar de disrupção de placa (ruptura, erosão ou NC) levando à embolização distal, espasmo ou oclusão transitória, a maioria dos casos ocorre por causas não ateroscleróticas, incluindo:
- Dissecção espontânea da artéria coronária (SCAD)
- Espasmo coronariano (com alta prevalência em indivíduos do leste asiático e frequentemente associado ao uso recreativo de drogas)
- Embolia coronariana (associada, por exemplo, à fibrilação atrial)
- Disfunção microvascular
Dissecção Espontânea da Artéria Coronária (SCAD)
A SCAD, caracterizada por uma laceração súbita na parede da artéria coronária, afeta predominantemente pacientes jovens com SCA, especialmente mulheres. É a a causa mais frequente de SCA no período periparto e afeta frequentemente a artéria descendente anterior.
A etiologia da SCAD é multifatorial, envolvendo:
- Arteriopatias (hereditárias ou adquiridas), como displasia fibromuscular
- Doenças do tecido conjuntivo, incluindo:
- Síndrome de Marfan (mutação no gene FBN1)
- Síndrome de Ehlers-Danlos tipo vascular (mutação no gene COL3A1)
- Síndrome de Loeys-Dietz (mutações em cascatas de sinalização dependentes de TGF-β)
- Alterações hormonais, como no período periparto (especialmente na primeira semana pós-parto) ou durante terapia hormonal
- Doenças inflamatórias sistêmicas, como lúpus eritematoso sistêmico (LES), sarcoidose e doenças inflamatórias intestinais crônicas
- Fatores genéticos
Além disso, mais de 50% dos pacientes com SCAD relatam a presença de estressores extremos, sendo estresse emocional mais prevalente nas mulheres e estresse físico mais frequente nos homens.
Conclusão
O manejo adequado da síndrome coronariana aguda requer muito mais do que a tradicional classificação entre IAMCST, IAMSSST e AI. Atualmente, as diretrizes clínicas não diferenciam o manejo da SCA com base na morfologia da placa. No entanto, abordagens de medicina de precisão, baseada na fisiopatologia da SCA possuem um potencial enorme para melhorar o cuidado dos pacientes com SCA.
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