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Infecções são uma complicação comum no paciente cirrótico e a evolução com disfunção orgânica e sepse grave é uma causa frequente de óbito. Na sepse grave, a presença de cirrose é um preditor de risco independente para morte, quase triplicando o risco de óbito. Apesar de comum e grave, há poucos estudos de sepse na população específica com cirrose. Há dois anos, a European Association of Liver Diseases (EALD) publicou orientações para o paciente cirrótico grave e recentemente pesquisadores brasileiros nos EUA fizeram uma revisão das novidades nessa área. Em nosso texto, preparamos o que tem de prático para o seu dia-a-dia.
Identificando o paciente com sepse grave
O primeiro desafio é dentre as milhares de infecções, identificar qual o paciente com maior risco para óbito. Assim como na população em geral, é a presença de disfunção orgânica o marcador de risco. Para facilitar, na definição Sepsis-3 foi recomendado o uso do escore de SOFA. Estudos recentes sugerem que no cirrótico ele deve ser modificado, e passe a ser chamado de Chronic Liver Failure (CLIF) Consortium Organ Failure Score.
1 | 2 | 3 | |
Bilirrubina | < 6 | 6-12 | > 12 |
Creatinina | < 2,0 | 2,5-3,5 | > 3,5 ou diálise |
Encefalopatia (West-Haven) | 0 | 1-2 | 3-4 |
INR | < 2,0 | 2,0-2,5 | > 2,5 |
Pressão Arterial Média | > 70 | < 70 | Aminas |
P/F ou Sat/FiO2 | > 300 ou > 358 | 200-300 ou 214-357 | < 200 ou < 214 |
O uso de qSOFA, SOFA e SIRS apresenta o risco de falso-positivo, mas na ausência de outros parâmetros/escores, eles devem continuar a ser usados e, se “positivos”, o paciente tratado como sepse grave fosse. O lactato apresenta o mesmo risco de falso positivo, mas se > 2 mmol/L, deve continuar a ser interpretado como marcador de má perfusão. Use o enchimento capilar como um aliado para identificar má perfusão neste cenário.
Abordagem inicial
Antibióticos
Devem ser administrado precocemente, em até 1 hora, de amplo espectro e em dose plena. Não há mudanças significativas apenas pelo fato do paciente ser cirrótico, a não ser a inclusão da peritonite bacteriana espontânea como um dos possíveis focos.
Reposição Volêmica
É a área mais polêmica. Apesar de não ser consenso, a maioria dos autores recomenda um bolus inicial de cristaloide (20 ml/kg) seguido da infusão de albumina. O coloide é obrigatório se houver ascite importante com paracentese e/ou piora da função renal.
Leia mais: Bacteremia: qual é o tempo médio necessário de antibioticoterapia?
Mas uma vez feito o volume inicial, a grande dúvida é: precisa de mais? Há diversos parâmetros para lhe ajudar, mas todos têm limitações na cirrose. Como adaptar então?
- Assim como nos cirróticos de forma geral, a creatinina pode subestimar a filtração glomerular e não há estudos com as calculadoras. A recomendação é usar a variação da creatinina e, principalmente, a diurese como parâmetro da função renal.
- O lactato é outro ponto polêmico, pois pode demorar a cair e até permanecer > 2 mmol/L. A orientação é não se prender a valores estáticos mas sim observar se ele reduz com a reposição volêmica: este é o objetivo.
- A PVC e o diâmetro da veia cava ficam muito prejudicados no paciente com ascite importante (ex: a veia cava inferior pode aparecer sem variação respiratória mesmo com hipovolemia). Por isso, os autores sugerem que se houver ascite grande e/ou tensa, você faça paracentese e aí sim use a variação da PVC e/ou da cava. O US point-of-care deve ser seu braço direito.
- O alvo de PAM pode ser ≥ 60 mmHg e não 65, como na população em geral.
E se houver “acute-on-chronic liver failure”? As terapias substitutivas artificiais não mostraram melhora na sobrevida. O transplante só é opção no paciente com infecção controlada e < 2 disfunções orgânicas. Por isso, o foco é tratar a sepse para estabilizar a cirrose.
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Referências:
- Management of the critically ill patient with cirrhosis: A multidisciplinary perspective. Nadim, Mitra K. et al. Journal of Hepatology , Volume 64 , Issue 3 , 717 – 735. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jhep.2015.10.019
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30516866
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