Em março desse ano, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu avisos de onda de calor para grande do Rio Grande do Sul, oeste de Santa Catarina e Paraná, sudoeste de São Paulo e leste do Mato Grosso do Sul. Será que o calor extremo está associado a um maior risco cardiovascular?
Evidências
Publicado recentemente no European Heart Journal o artigo “Heat extremes and cardiovascular diseases”, uma declaração científica europeia conjunta de várias sociedades de saúde cardiovascular. Essa publicação trouxe uma revisão de evidências científicas sobre aumento do risco cardiovascular em pacientes expostos a eventos climáticos extremos.
O calor extremo é definido como “temperaturas anormalmente altas que estão fora da faixa esperada para uma determinada localização geográfica e época do ano”. Do ponto de vista fisiológico, o calor tem o potencial de reduzir o volume plasmático, aumentar a viscosidade sanguínea, aumentar a frequência cardíaca, ocasionar disfunção endotelial e, dessa forma, agravar comorbidades preexistentes, aumentando o risco de arritmias, de isquemia miocárdica e de eventos trombóticos. Através desses mecanismos, indivíduos expostos ao calor têm o seu risco cardiovascular potencializado.
Sabe-se atualmente que a exposição ao calor extremo está associada a um aumento na mortalidade geral e cardiovascular (incluindo infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca). No verão europeu de 2022, por exemplo, foram registradas mais de 60 mil mortes atribuídas ao calor, e uma parcela significativa desses óbitos ocorreu entre pessoas com condições cardíacas preexistentes.
Estudos populacionais indicam que a exposição ao calor extremo está associada a aumentos significativos na mortalidade por doenças cardiovasculares. Evidências de coortes mostram que o risco cardiovascular aumenta nos dias com temperaturas elevadas, mesmo após ajuste para presença de poluição do ar e outros fatores. Estudo com mais de 32 milhões de óbitos em 567 cidades de 43 países identificou que o calor é responsável por uma fração importante das mortes cardiovasculares, principalmente em pacientes com AVC, síndrome coronariana aguda e insuficiência cardíaca. Uma meta-análise de dados observacionais mostrou que cada aumento de 1 °C acima do limite de conforto térmico está associado a: 2,1% de aumento na mortalidade cardiovascular geral, 3,8% de aumento em mortes por AVC, 3,5% de aumento por síndrome coronariana aguda e 2,6% por insuficiência cardíaca. O artigo também destaca que a mortalidade cardiovascular aumenta tanto com o frio extremo quanto com o calor extremo (relação “U-invertido”) e que em países tropicais e regiões urbanas densas, o impacto do calor é mais significativo.
Considerações
Outro aspecto colocado no artigo é o papel dos medicamentos cardiovasculares (como os diuréticos e betabloqueadores) no agravamento dos efeitos do calor ao interferirem na termorregulação e no equilíbrio eletrolítico. Também destaca a importância da vulnerabilidade social e ambiental. Populações em áreas urbanas densamente construídas, com pouca vegetação, sem acesso a sistemas de resfriamento, ou em contextos de pobreza, enfrentam riscos ainda maiores. Pessoas com doenças cardiovasculares pré-existentes têm um risco até 7 vezes maior de morte durante períodos de calor extremo.
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Conclusão
Apesar do reconhecimento do calor extremo como fator de agravo potencial de doenças cardiovasculares, há muita heterogeneidade nos resultados entre diferentes regiões, faixas etárias e subgrupos populacionais. Avaliações imprecisas da exposição ao calor e o controle insuficiente de fatores de confusão são limitações metodológicas importantes presentes nos estudos. Em virtude dessas limitações, estudos futuros adicionais com melhor delineamento metodológico devem mostrar de uma forma mais clara como se dá essa associação. Por ora, fiquemos com o alerta desse importante documento e atentos para uma vigilância maior em pacientes mais vulneráveis residentes em regiões do nosso país mais expostos ao calor.
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