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Cardiologia4 março 2025

Qual o melhor escore para prever risco de sangramento após ICP? 

Uma análise post hoc comparou o valor preditivo da classificação ZON-HR com a pontuação PRECISE-DAPT para prever risco de sangramento
Por Juliana Avelar

Na prevenção de complicações tromboembólicas após intervenção coronária percutânea (ICP), a terapia antiplaquetária dupla (DAPT) tem sido, por muitos anos, a recomendação inequívoca nas diretrizes. Desde a introdução da DAPT, inúmeros estudos exploraram diferentes durações em busca de um equilíbrio ideal entre eventos isquêmicos e hemorrágicos.  

Para tentar facilitar a adoção e o uso da estratificação de risco entre os médicos, um consórcio no sudeste dos Países Baixos, o ‘Zuidoost Nederland Hart Registratie’ (ZON-HR), desenvolveu uma nova classificação, mais simplificada. 

O estudo discutido hoje teve como objetivo validar externamente a classificação ZON-HR para prever alto risco de sangramento (HBR), focando em pacientes sem anticoagulantes orais (OAC).  

A análise utilizou a população do estudo GLOBAL LEADERS e comparou a classificação ZON-HR com o escore PRECISE-DAPT. Além disso, o estudo explorou o impacto de uma estratégia de desescalonamento, comparando a monoterapia com inibidores de P2Y12 após 1 mês de DAPT com a DAPT de 12 meses. 

Desenho do estudo e participantes 

Trata-se de análise pós-hoc do estudo GLOBAL LEADERS, um ensaio multicêntrico, aberto e randomizado que comparou a monoterapia com ticagrelor após 1 mês de DAPT com a DAPT padrão. O ensaio incluiu 15.968 pacientes submetidos à ICP para síndrome coronariana crônica (CCS) ou síndrome coronariana aguda (ACS), sendo excluídos aqueles em uso de OAC. 

Os pacientes foram randomizados em dois grupos: 

  • Grupo experimental: monoterapia com ticagrelor por 24 meses após 1 mês de ticagrelor mais aspirina. 
  • Grupo controle: DAPT conforme as diretrizes (clopidogrel mais aspirina para CCS e ticagrelor mais aspirina para ACS). 

Definições 

Na classificação ZON-HR, o alto risco de sangramento foi estratificado de acordo com: 

  • Histórico de hemorragia intracraniana; 
  • Sangramento espontâneo prévio no último ano com pontuação Bleeding Academic Research Consortium (BARC) de pelo menos 2; 
  • Hemoglobina < 11 g/dL na linha de base; 
  • Taxa de filtração glomerular estimada (eGFR) < 30 mL/min. 

No estudo GLOBAL LEADERS, o sangramento prévio não foi restrito aos últimos 12 meses antes da ICP, portanto, este parâmetro da ZON-HR foi substituído por todos os eventos hemorrágicos anteriores. Além disso, o histórico de hemorragia intracraniana foi um critério de exclusão do estudo GLOBAL LEADERS, então nenhum paciente atendeu a esse critério da ZON-HR para HBR. 

O escore PRECISE-DAPT foi calculado para cada paciente com base na idade, depuração de creatinina, concentração de hemoglobina, contagem de leucócitos e histórico de sangramento espontâneo. 

Desfechos do estudo 

Os pacientes foram estratificados para HBR de acordo com a classificação ZON-HR ou um escore PRECISE-DAPT ≥ 25. Avaliou-se o desempenho preditivo e o valor prognóstico de ambos os métodos de estratificação de risco para eventos hemorrágicos menores e maiores, segundo a classificação BARC, e para eventos cardíacos e cerebrais adversos maiores (MACCE), incluindo infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte cardíaca em 1 ano de seguimento. 

As análises foram realizadas na população geral e em subgrupos conforme a indicação da ICP (ACS e CCS).  

Resultados 

Um total de 2.467 (16,6%) pacientes apresentavam HBR segundo o escore PRECISE-DAPT ≥ 25, enquanto 555 (3,7%) pacientes foram classificados como HBR pela ZON-HR, dos quais 485 também foram considerados HBR pelo escore PRECISE-DAPT ≥ 25. 

O tratamento alocado com DAPT por 12 meses ou ticagrelor por 11 meses após um mês de DAPT foi semelhante entre os pacientes com ou sem HBR em ambas as classificações. 

Embora a incidência de HBR tenha sido baixa segundo a classificação ZON-HR, esses pacientes apresentaram eventos hemorrágicos BARC 2, 3 e 5 com maior frequência (13%) em comparação com os pacientes classificados como HBR pelo escore PRECISE-DAPT (8%). Isso resultou em maior valor preditivo positivo, razão de probabilidade positiva e negativa e acurácia para a classificação ZON-HR. 

Na população geral, pacientes com HBR em qualquer uma das classificações apresentaram significativamente mais eventos hemorrágicos BARC 2, 3 e 5, além de eventos BARC 3 e 5, e também maior incidência de MACCE em comparação com pacientes sem HBR. 

As análises de subgrupos para pacientes com CCS e ACS mostraram resultados semelhantes.  

Na população com CCS, comparou-se clopidogrel mais aspirina versus monoterapia com ticagrelor após um mês de ticagrelor mais aspirina. Não houve diferença entre as estratégias de tratamento em relação a eventos hemorrágicos BARC 2, 3 e 5 em pacientes com ou sem HBR. 

A curva de incidência cumulativa do grupo experimental mostra o maior aumento nos eventos hemorrágicos ocorrendo no primeiro mês após a ICP, período em que os pacientes receberam ticagrelor mais aspirina. 

Na população com ACS, comparou-se ticagrelor mais aspirina versus monoterapia com ticagrelor após 1 mês de ticagrelor mais aspirina. Houve uma redução significativa nos eventos hemorrágicos no grupo de pacientes sem HBR, o que não foi observado em pacientes com HBR. 

Podemos perceber, então, que a classificação ZON-HR foi relativamente conservadora na predição do risco de sangramento em comparação com o escore PRECISE-DAPT, que adotou uma abordagem mais liberal.  

Essa característica conservadora da classificação ZON-HR apresentou algumas vantagens e desvantagens em comparação com o escore PRECISE-DAPT. O valor preditivo positivo (PPV) e a especificidade da classificação ZON-HR foram mais elevados, indicando que pacientes com baixo risco de sangramento são menos frequentemente classificados erroneamente como HBR.  

Leia também: Angioplastia por infarto — Aspirina ou clopidogrel após dupla antiagregação?

Efeito do tratamento 

As curvas de eventos cumulativos sobre o efeito do tratamento mostraram que a monoterapia com inibidores de P2Y12 reduziu os eventos hemorrágicos apenas em pacientes com SCA sem HBR. Esse achado é consistente com estudos prévios dentro da população do estudo GLOBAL LEADERS. 

Além da apresentação clínica, esses resultados podem ser atribuídos a diferenças no tratamento no grupo controle entre pacientes com CCS e SCA. Comparados ao clopidogrel mais aspirina, os pacientes com CCS e HBR de acordo com a ZON-HR tratados com ticagrelor apresentaram um número não significativo maior de eventos hemorrágicos. Isso sugere que pacientes com risco (muito) elevado de sangramento podem sofrer mais danos com o ticagrelor (monoterapia) em comparação ao clopidogrel mais aspirina. 

Em pacientes com SCA, o grupo controle recebeu ticagrelor mais aspirina, proporcionando uma comparação mais equilibrada com a monoterapia com ticagrelor. Os resultados mostraram que pacientes com SCA e HBR não se beneficiaram da monoterapia com ticagrelor.  

Limitações 

Esta validação externa apresenta várias limitações. O mais importante é que os pacientes incluídos no estudo tinham risco relativamente baixo de sangramento, o que pode explicar o número de pacientes com HBR. 

Outra limitação importante é que um histórico de hemorragia intracraniana foi um critério de exclusão do estudo e esse é um dos quatro critérios da classificação ZON-HR. Como nenhum paciente do estudo atendeu a esse critério, o efeito de uma hemorragia intracraniana prévia nos eventos hemorrágicos não pôde ser avaliado. 

Por fim, as análises de subgrupos realizadas no estudo não faziam parte do desenho original do estudo, e é possível que o tamanho amostral tenha sido insuficiente. 

Conclusão 

O ZON-HR foi mais viável, pois exigiu menos parâmetros e teve menor taxa de pacientes sem dados disponíveis (0,1% vs. 7%). Foi também mais conservador na definição de HBR, resultando em maior especificidade e valor preditivo positivo. No entanto, apresentou baixa sensibilidade, o que pode subestimar o risco em pacientes com risco moderado de sangramento. Ambos os métodos apresentaram capacidade discriminativa semelhante para prever sangramentos graves (BARC 3 e 5). 

Além disso, pacientes classificados como HBR por qualquer método tiveram maior risco de sangramento e eventos cardiovasculares adversos maiores 

Em relação ao efeito do tratamento, a monoterapia com inibidor de P2Y12 após 1 mês de DAPT reduziu eventos hemorrágicos apenas em pacientes com SCA sem HBR. Em pacientes com CCS, o uso de ticagrelor em monoterapia após 1 mês não mostrou diferença significativa em sangramentos comparado a clopidogrel + aspirina.

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Referências bibliográficas

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