Miocardiopatia induzida por arritmia
As arritmias geralmente coexistem com insuficiência cardíaca (IC) e cardiomiopatias (CMP) e elas podem ser tanto desencadeadas quanto ser causa dessas condições. O termo CMP induzida por arritmias tem sido utilizado para designar várias formas de CMP não isquêmica: induzidas por taquicardia, por fibrilação atrial (FA) e por extrassístoles ventriculares (ESV). Abaixo seguem os principais pontos de uma revisão sobre o assunto.
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CMP induzida por taquicardia
É uma causa reversível de disfunção do ventrículo esquerdo (VE) geralmente causada por frequência cardíaca (FC) aumentada, independente da origem da taquicardia. O risco depende do tipo, duração e frequência da taquicardia. A prevalência é incerta e em um estudo com pacientes que realizaram ablação ocorreu em 2,7%.
A CMP induzida por taquicardia pode ocorrer tanto na forma paroxística como incessante e deve ser considerada se não houver nenhuma outra causa para a disfunção do VE. As causas mais comuns são taquicardia supraventricular, principalmente FA e flutter de alta resposta. Outras causas são taquicardia atrial, taquicardia atrioventricular (TAV), taquicardia por reentrada nodal (TRN), taquicardia sinusal sustentada, taquicardia ventricular (TV) e taquicardia mediada por marcapasso.
A taquicardia leva a alterações estruturais e funcionais do miocárdio, com disfunção sistólica, dilatação e aumento do VE, redução do fluxo sanguíneo miocárdico, aumento do estresse da parede do VE e das pressões e volume de enchimento ventricular, assim como remodelamento elétrico e do cálcio, que resultam em alterações da contratilidade e disfunção diastólica. Isso tudo pode levar a redução da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE).
Surgimento dos sintomas
O surgimento de sintomas de IC ocorre precocemente e quanto maior a FC mais precocemente ocorrem os sintomas, principalmente quando os pacientes têm flutter ou taquicardia com bloqueio atrioventricular 2:1 e FC > 150bpm. Os principais sintomas são palpitações, IC classe funcional (CF) III e IV, síncope ou pré-síncope.
Para o diagnóstico pode ser útil monitorizar o ritmo por pelo menos 2 semanas. O ecocardiograma (eco) e a ressonância magnética (RM) auxiliam excluindo outras causas. Geralmente os achados são de dilatação ventricular, disfunção sistólica biventricular moderada a importante e ausência de hipertrofia ventricular. Insuficiência mitral pode ocorrer devido a dilatação ventricular e do anel mitral e aumento de peptídeos natriuréticos podem preceder a disfunção ventricular.
O término da taquicardia leva a normalização dessas alterações em alguns dias. O diagnóstico definitivo é feito após a recuperação ou melhora da função sistólica nos primeiros 6 meses após a resolução da taquicardia.
O tratamento envolve o controle com medicações antiarrítmicas ou ablação e o uso de medicações para IC é essencial para o remodelamento reverso. A melhora da FEVE geralmente ocorre após 4 a 12 semanas e os sintomas frequentemente melhoram para CF I ou ausência de sintomas na maioria dos pacientes. Porém, a recuperação completa do coração pode não ocorrer em alguns casos.
A recorrência da taquicardia pode levar a recorrência de sintomas mais rapidamente e com gravidade semelhante ao quadro inicial, porém a FEVE também pode ser recuperada e o tratamento permanente com ablação é especialmente importante para as arritmias com alta taxa de sucesso no tratamento, como flutter, TAV, TRN e TA.
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CMP induzida por FA
Pacientes com CMP induzida por fibrilação atrial paroxística ou persistente podem ter disfunção sistólica independente da FC e o controle desta é a chave para distinguir entre CMP induzida por taquicardia ou por FA. O mecanismo ainda é incerto e pode ser desencadeado pela frequência irregular, que leva a alterações na dinâmica do cálcio, e pela perda da contratilidade e enchimento atriais, que desencadeia ativação simpática e leva a restrição de enchimento e disfunção diastólica com aumento das pressões de enchimento e insuficiência mitral funcional.
É um desafio definir se a FA resulta de IC e CMP ou o contrário, já que exames de imagem são insuficientes para esclarecer. A CMP induzida por FA acaba sendo diagnóstico de exclusão. Deve ser suspeitado quando há MCP não isquêmica e FA persistente sem melhora apesar de tratamento e controle de FC adequados. Geralmente confirma-se o diagnóstico quando a função sistólica melhora ou retorna ao normal com a resolução da FA. O tratamento consiste em controle de FC e resolução da FA, de preferência com ablação, conforme mostrado em diversos estudos mais recentes.
CMP induzida por ESV
Caracterizada pela disfunção ventricular atribuída a ESV frequentes. CMP induzida por ESV superposta a CMP ocorre quando há piora de CMP pré-existente (queda de pelo menos 10% da FEVE) por conta de ESV. As ESV aumentam com a idade, principalmente nos com 75 anos ou mais, e geralmente estão associados a infarto agudo do miocárdio, doença coronária, CMP dilatada e IC. Metade dos pacientes com CF II e III tem ESV frequentes (> 1000 por dia) e elas são preditor independente de mortalidade.
Existe correlação robusta entre carga de ESV e disfunção do VE e as ESV podem ser consideradas um fator de risco modificável para IC sistólica. Os mecanismos são pouco entendidos e podem estar relacionados às alterações do cálcio, assim como a alterações eletrofisiológicas, fibrose e alterações no balanço autonômico com aumento da sobrecarga simpática. Outro possível mecanismo é a dissincronia.
A carga de ESV é um preditor de CMP induzida por ESV e esse diagnóstico é mais provável quando essa carga é acima de 16-24%, sendo que alguns estudos sugerem que para ocasionar a doença a carga deva ser de no mínimo 10%. A duração do QRS da ESV maior que 157ms e ESV de origem epicárdica parecem ser mais relacionadas a ocorrência da doença.
A doença pode ser manifestar em meses a anos e pode ser assintomática, ter sintomas de IC ou síncope. O exame físico geralmente é normal, porém pode apresentar ritmo irregular e sinais de IC.
A CMP induzida por ESV é diagnóstico de exclusão e deve ser suspeitada sempre que houver ESV frequentes (>10%) e ausência de isquemia. A monitorização ambulatorial pelo eletrocardiograma é crucial para o diagnóstico e no eco os achados são de disfunção ventricular leve a moderada, aumento do VE, insuficiência mitral e aumento do átrio esquerdo. A RM é importante para avaliar áreas de fibrose, que junto com outras alterações como bloqueio de ramo, taquicardia ventricular não sustentada são preditores de pior prognóstico. Existe um escore para predizer risco de eventos adversos na presença de ESV, que inclui o eixo, a carga de ESV, o intervalo de acoplamento e a presença de taquicardia ventricular.
O tratamento envolve estratégias que suprimem as ESV, tanto ablação quanto antiarrítmicos. A recomendação é tratar quando as ESV ocorrem em frequência maior que 15%. Quando em menor quantidade e FEVE preservada a indicação de tratamento não é bem definida e o paciente deve ser monitorado a cada 6 a 12 meses, com tratamento indicado e mais agressivo se houver sintomas de IC.
Uma parte dos pacientes pode ter resolução espontânea das ESV e, quando indicado tratamento, sucesso é considerado se houver redução de pelo menos 80% das ESV. As alterações no coração geralmente se resolvem em 2 a 12 semanas após resolução das ESV.
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Comentários e conclusão
Taquicardia, FA e ESV são comuns em pacientes com MCP e IC e podem contribuir para piorar sua condição clínica. Pacientes com alta carga de arritmia tem que ser monitorados de perto pois tem maior risco de CMP e o diagnóstico desta condição deve ser precoce, assim como o tratamento. Isso leva a menor chance de complicações e melhora o prognóstico do paciente, já que na maioria das vezes a CMP é reversível com o tratamento. O tratamento ideal ainda precisa ser definido e mais estudos com melhor compreensão dos mecanismos da doença poderão auxiliar.
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