As doenças pericárdicas representam um espectro heterogêneo de distúrbios, incluindo inflamação aguda e crônica do pericárdio (pericardite), derrame pericárdico, pericardite constritiva e massas pericárdicas com infiltração maligna.
Foi publicado recentemente um consenso clínico do American College of Cardiology, que abordou avanços diagnósticos e terapêuticos na pericardite aguda e recorrente e suas complicações, empregando uma abordagem terapêutica guiada por multimodalidade de imagem.
Destacamos a seguir os pontos principais.
Definições
- Pericardite: Inflamação do pericárdio levando a dor torácica pleurítica característica, que pode ser acompanhada por atrito pericárdico à ausculta, alterações típicas no eletrocardiograma, novo/piora derrame pericárdico e elevação de marcadores inflamatórios em exames laboratoriais.
- Derrame pericárdico: Acúmulo de líquido no espaço pericárdico.
- Tamponamento cardíaco: Compressão cardíaca por acúmulo anormal de líquido no espaço pericárdico, levando à redução do débito cardíaco e comprometimento hemodinâmico.
- Pericardite constritiva: Perda de elasticidade e, frequentemente, espessamento anormal do pericárdio, prejudicando o enchimento diastólico e levando à síndrome de insuficiência cardíaca. Pode ser transitória/subaguda (predominantemente inflamatória e reversível) ou avançada/crônica (frequentemente calcificada e irreversível).
- Pericardite constritiva com derrame: Presença de fisiologia constritiva persistente mesmo após a drenagem do derrame pericárdico.
Anatomia e fisiologia
O pericárdio limita a distensão cardíaca de curto prazo para otimizar as relações pressão-volume das câmaras e seu débito, atenua os efeitos da respiração e das mudanças de posição e aumenta a complacência global do pericárdio.
A relação pressão-volume do pericárdio é dinâmica: pequenos aumentos no volume cardíaco resultam em alterações mínimas na pressão intracavitária. À medida que o volume excede o limite superior normal de enchimento cardíaco, ocorre uma transição abrupta, na qual aumentos adicionais de volume levam a elevações desproporcionais da pressão. Essa mudança brusca na relação pressão-volume evidencia a capacidade de reserva limitada e a redução da complacência do saco pericárdico, restringindo a expansão cardíaca adicional e resultando em interdependência ventricular.
Epidemiologia e etiologias
A pericardite é responsável por 0,1% das internações hospitalares e por 5% das avaliações no departamento de emergência por dor torácica. Ocorre mais frequentemente em homens de 16 a 65 anos. Entretanto, a pericardite recorrente é mais comum em mulheres. As etiologias idiopáticas e virais são as causas mais frequentes de pericardite em países de alta renda, enquanto a tuberculose — frequentemente associada ao HIV — é a causa mais comum em países de baixa renda.
Possíveis etiologias:
- Idiopática (presumidamente autoinflamatória, podendo ser viral)
- Infecciosa (viral, bacteriana, fúngica)
- Autoimune (LES, artrite reumatóide, esclerodermia)
- Induzida por medicamentos (isoniazida, hidralazina, ciclosporina)
- Neoplásica (mesotelioma, fibrossarcoma, lipoma)
- Secundária/metastática (pulmão, mama, linfoma)
- Radioterapia
- Pós procedimento cardíaco
- Pós IAM (síndrome Dressler)
- Metabólica (distúrbios da tireoide, uremia)
Novos critérios diagnósticos
O consenso propõe a divisão em três categorias: diagnóstico definitivo (2 ou mais critérios), possível (um critério) e improvável (nenhum critério).
Critérios
Dor torácica pleurítica ou equivalente com apresentação clínica sugestiva (deve estar presente obrigatoriamente).
Mais um:
- Atrito pericárdico
- Alterações no eletrocardiograma (elevação difusa do segmento ST e/ou depressão do segmento PR)
- Elevação de biomarcadores inflamatórios (PCR, VHS)
- Evidência de novo ou agravado derrame pericárdico
- Evidência de inflamação pericárdica em imagem cardíaca (especialmente realce tardio do pericárdio na RM, sendo a tomografia computadorizada uma alternativa)
Esses critérios, em comparação com os critérios das diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia de 2015, dão maior ênfase à presença clínica da dor torácica típica (geralmente aguda, pleurítica, aliviada ao sentar ou inclinar-se para frente) como necessária para o diagnóstico, incorporando igualmente biomarcadores inflamatórios elevados e achados de imagem cardíaca multimodal de derrame e inflamação pericárdica.
(Se possível, aqui relembrar os diagnóstico clássico, que era feito se preenchesse dois dos critérios a seguir > Dor torácica típica, alterações eletrocardiográficas típicas, atrito pericárdico, derrame pericárdico)
Aproximadamente 15% dos pacientes apresentarão miocardite concomitante, como na perimiocardite (miocardite dominante) ou miopericardite (pericardite dominante), manifestadas por elevação de marcadores de lesão miocárdica (troponina) e disfunção sistólica ventricular esquerda global ou regional.
A pericardite abrange várias condições, incluindo um fenótipo não inflamatório (PCR baixa ou próxima do normal, frequentemente associado a condições autoimunes) observado em 10% a 20% dos casos, e um fenótipo inflamatório observado em 80% a 90% dos pacientes. Esses pacientes com fenótipo inflamatório e PCR elevada podem apresentar febre alta, leucocitose neutrofílica e derrame pericárdico e/ou pleural.
Quando tratados com terapias anti-inflamatórias adequadas, a maioria dos casos de pericardite aguda terá um curso benigno e se resolverá sem recorrência.
Fatores de risco para mau prognóstico e/ou necessidade de hospitalização: Febre alta, curso subagudo, derrame pericárdico grande com achados ecocardiográficos de tamponamento, ausência de resposta aos AINES e presença concomitante de miocardite.
Em relação ao curso da doença, a pericardite aguda é aquela que tem resolução completa dos sintomas em até 4 semanas.
A pericardite recorrente é diagnosticada quando há reaparecimento dos sintomas após um intervalo livre de sintomas de pelo menos 4 a 6 semanas após o episódio inicial, com término do tratamento médico. As taxas de recorrência após um episódio inicial variam de 15% a 30%, aumentando para 50% após a primeira recorrência. Fatores de risco para recorrência incluem ausência de resposta aos AINEs, uso precoce de corticosteroides, PCR elevada e presença de realce tardio significativo do pericárdio.
Pacientes que não entram em remissão e permanecem sintomáticos por mais de 4 a 6 semanas, mas menos de 3 meses antes da resolução, deixam de ter pericardite aguda e são classificados como portadores de pericardite incessante, que pode ser mais agressiva. Já a pericardite crônica exige mais de 3 meses de sintomas.
Avaliação e imagem multimodal
A avaliação começa com uma anamnese detalhada, exame físico, eletrocardiograma e exames laboratoriais, especialmente a velocidade de hemossedimentação e a PCR, juntamente com a dosagem de troponina se houver suspeita de miocardite. Na presença de histórico pessoal e familiar ou fatores de risco para infecções, doenças autoimunes ou neoplasias, devem ser realizadas investigações associadas.
A ecocardiografia transtorácica (ETT) permanece como modalidade de imagem de primeira linha para avaliação da suspeita de pericardite. Embora muitas vezes normal, os achados de pericardite na ETT podem incluir:
- Presença de derrame pericárdico (com ou sem tamponamento)
- Espessamento pericárdico
- Sinais de fisiologia constritiva
- Envolvimento miocárdico no contexto de mio-pericardite (como disfunção sistólica ventricular esquerda e/ou anormalidades segmentares da contratilidade)
A principal limitação ECOTT é a incapacidade de caracterizar o tecido e identificar ou graduar a inflamação pericárdica.
A ressonância magnética cardíaca (RMC) tornou-se uma valiosa modalidade de segunda linha para diagnóstico, estratificação de risco e acompanhamento (incluindo resposta ao tratamento). Ela deve ser considerada em pacientes com pericardite aguda complicada, incessante, recorrente ou crônica, especialmente quando houver incertezas diagnósticas; em pacientes que não respondem às terapias de primeira linha e/ou nos quais se planeja escalonamento terapêutico; e na suspeita de complicações pericárdicas como derrames complexos e/ou fisiologia constritiva.
Principais achados da RMC na pericardite:
- Realce tardio do pericárdio (idealmente com supressão de gordura), indicando inflamação e neovascularização
- Sinal aumentado do pericárdio na sequência T2-STIR, indicando edema
- Espessamento pericárdico (>3 mm)
- Derrame pericárdico
- Sinais de fisiologia constritiva
A tomografia computadorizada cardíaca é a modalidade preferida para avaliação de calcificações pericárdicas na pericardite constritiva.
Manejo
O manejo visa controlar os sintomas e prevenir complicações (principalmente recorrências) e hospitalizações. O tratamento farmacológico de primeira linha continua sendo terapia anti-inflamatória dupla com colchicina (3 meses após o primeiro episódio, ≥6 meses após a primeira recorrência) e AINEs ou aspirina (iniciando em dose alta e reduzindo gradualmente após resolução dos sintomas e normalização dos marcadores inflamatórios).
A restrição de exercícios por pelo menos 1 mês até a remissão clínica é importante. O aumento da frequência cardíaca pode desencadear inflamação pericárdica ao aumentar a fricção das camadas pericárdicas.
Em pacientes com pericardite autoimune, o foco deve ser o tratamento da condição autoimune subjacente primeiro, já que a pericardite frequentemente melhora ou se resolve apenas com isso.
Tradicionalmente, para pacientes considerados não respondedores à terapia dupla de primeira linha (apresentando recorrência ou intolerância ao tratamento com esses agentes), corticosteroides eram adicionados ao regime terapêutico. O consenso destaca, para esse perfil, o uso de agentes anti–interleucina-1 (anti–IL-1) que demonstraram, em diversos ensaios clínicos recentes, alta eficácia em pacientes com pericardite e elevação de PCR (>1 mg/dL ou >10 mg/L), mantendo um bom perfil de segurança.
Como resultado, ocorreu uma mudança recente no paradigma de manejo de pacientes com o fenótipo inflamatório (febre e/ou elevação de PCR e/ou evidência de inflamação pericárdica na RMC): o uso de terapias direcionadas ao processo autoinflamatório. Esses agentes devem ser considerados a opção preferencial em relação aos corticosteroides nesse cenário.
Tipicamente, outros anti-inflamatórios podem ser descontinuados gradualmente uma vez estabelecida a terapia com agentes anti–IL-1 (como prednisona, depois AINE, depois colchicina), embora a colchicina possa, por vezes, ser mantida, havendo evidências limitadas de benefícios aditivos ou sinérgicos, especialmente com o uso de anakinra.
A duração ideal do tratamento com terapias anti–IL-1 permanece incerta, já que as taxas de recorrência são muito baixas durante o tratamento, mas muitos pacientes (cerca de 50%–75%) apresentam recorrência após a descontinuação. Uma extensão de longo prazo recentemente publicada do estudo RHAPSODY (Rilonacept in Acute Pericarditis Study) apoia o uso prolongado por mais de 18 meses para obter melhor e mais duradouro controle da doença, e mais pesquisas são necessárias para determinar a duração ideal e a estratégia de suspensão ou redução para cada agente anti–IL-1.
Em contraste, corticosteroides em baixa dose são tipicamente utilizados para pacientes sem evidência do fenótipo inflamatório, já que mecanismos autoimunes são presumidos como mais significativos nesses casos.
Complicações
Derrame pericárdico
O derrame pericárdico é definido pelo acúmulo de mais de 50 mL de líquido no espaço pericárdico e pode ser resultado de inúmeras patologias. Aproximadamente metade dos derrames pericárdicos são idiopáticos e, na América do Norte e na Europa Ocidental, a infecção pós-viral é a causa identificável mais comum, enquanto a tuberculose é a causa mais frequente em regiões onde é endêmica. As neoplasias também representam uma causa importante de derrame pericárdico e podem se apresentar como um derrame inflamatório com citologia negativa para câncer.
O ecocardiograma transtorácico (ETT) é o exame de imagem de primeira linha por ser amplamente disponível. A tomografia computadorizada cardíaca (TCC) é um exame de segunda linha, com potenciais vantagens como melhor definição do tamanho e extensão do derrame, caracterização do líquido pericárdico com base nas unidades de Hounsfield, identificação de causas secundárias como malignidade e auxílio no planejamento da drenagem. A ressonância magnética cardíaca (RMC) também é considerada exame de segunda linha e apresenta a vantagem adicional de avaliar inflamação e constrição pericárdicas.
Tamponamento cardíaco
As consequências hemodinâmicas de um derrame pericárdico estão mais relacionadas à rapidez do acúmulo de líquido no pericárdio do que ao volume absoluto, já que a complacência pericárdica pode aumentar quando o derrame se desenvolve lentamente. O débito cardíaco pode ser mantido inicialmente por taquicardia sinusal compensatória antes da deterioração hemodinâmica. Outras manifestações clínicas incluem pulso paradoxal e hipotensão — presentes na maioria, mas não em todos os casos.
O ecocardiograma é essencial na suspeita de tamponamento cardíaco, e a correlação clínica com sintomas, frequência cardíaca e pressão arterial é fundamental. Uma veia cava inferior dilatada (>2,1 cm) com mínima ou nenhuma variação respiratória é uma ferramenta útil para rastrear tamponamento (alta sensibilidade), mas não o confirma; o colapso diastólico do ventrículo direito é o achado mais específico.
A pericardiocentese é realizada com finalidade terapêutica em casos de tamponamento cardíaco iminente ou estabelecido, especialmente em situações urgentes ou emergenciais, com orientação ecocardiográfica, e com finalidade diagnóstica quando há suspeita de causas específicas, como etiologias bacterianas, tuberculosas ou malignas. Em pacientes com derrame pericárdico inflamatório e sem suspeita de tamponamento, deve-se priorizar a terapia anti-inflamatória antes da pericardiocentese.
Pericardite constritiva
A fisiopatologia constritiva decorre da perda de elasticidade do pericárdio, o que prejudica o enchimento ventricular diastólico e se apresenta como uma síndrome de insuficiência cardíaca, geralmente com fração de ejeção preservada. Essa condição pode ser causada por espessamento e fibrose pericárdica irreversíveis, denominadas pericardite constritiva crônica, ou por inflamação pericárdica significativa, denominada pericardite constritiva transitória. Essa distinção é crucial, já que a forma crônica normalmente requer pericardiectomia radical cirúrgica, enquanto a forma transitória pode resolver espontaneamente ou com terapia anti-inflamatória administrada por 3 a 6 meses.
Em regiões onde a tuberculose é endêmica, esta é a causa mais comum de pericardite constritiva. Fora desse contexto, a causa mais frequente é idiopática, seguida de pericardite pós-cirurgia cardíaca e irradiação mediastinal prévia.
Os objetivos principais da imagem nesta situação são identificar a fisiopatologia constritiva e avaliar a presença e a gravidade da inflamação pericárdica. A ecocardiografia e a ressonância magnética cardíaca (RMC) desempenham papéis complementares: a ecocardiografia atua como método primário e inicial, enquanto a RMC oferece a avaliação mais completa da inflamação pericárdica.
A tomografia computadorizada cardíaca (TCC) avalia calcificações pericárdicas e define a anatomia torácica antes da pericardiectomia, particularmente a relação entre estruturas cardiovasculares e o esterno.
Na pericardite constritiva tuberculosa, a terapia antituberculosa pode reverter a fisiopatologia constritiva, e corticosteroides podem potencializar a melhora clínica.
Em pacientes com pericardite constritiva crônica e insuficiência cardíaca, a terapia diurética pode tratar a sobrecarga de volume, mas não altera a história natural da doença. Pode-se implementar terapia para insuficiência cardíaca guiada por metas, embora as evidências sejam limitadas.
A pericardiectomia radical cirúrgica é o tratamento preferido, consistindo na ressecção de todo o pericárdio — incluindo segmentos anterior, diafragmático e posterior — com circulação extracorpórea, e deve ser realizada em centros cirúrgicos terciários experientes para otimizar os resultados clínicos.
Pericardite em pacientes oncológicos
O envolvimento pericárdico em pacientes com malignidade conhecida pode ocorrer por disseminação direta, hematogênica ou linfática. A maioria das metástases pericárdicas é identificada durante exames de tomografia computadorizada de tórax para estadiamento ou PET-CT. Frequentemente, a presença de novo derrame pericárdico ou nódulos pericárdicos nos exames de estadiamento é o primeiro indicativo de envolvimento maligno do pericárdio.
A presença de derrame pericárdico hemorrágico ou complexo aumenta a probabilidade de metástase pericárdica nesse contexto. Os sintomas de metástase pericárdica, quando presentes, estão relacionados ao derrame pericárdico associado ou à pericardite.
Quando há suspeita de envolvimento pericárdico, o principal papel da imagem cardíaca é:
- Confirmar a presença de metástases pericárdicas
- Identificar complicações associadas, incluindo pericardite, hemorragia, pericardite constritiva (CP) e consequências hemodinâmicas da infiltração tumoral pericárdica
A pericardite pode ser a primeira manifestação de malignidade envolvendo o pericárdio; contudo, é mais frequentemente relacionada ao tratamento oncológico nesses pacientes.
Pacientes imunossuprimidos podem apresentar pericardite infecciosa, com etiologias bacterianas e fúngicas mais prevalentes do que na população não oncológica. A pericardite inflamatória e a miocardite concomitante são frequentemente associadas à quimioterapia e imunoterapia, podendo ser subclínicas ou causar sintomas significativos.
Em pacientes submetidos à radioterapia, a pericardite e a pericardite constritiva são complicações relevantes, especialmente quando o campo de radiação inclui ou está próximo ao pericárdio.
O tratamento da pericardite em pacientes oncológicos deve ser adaptado à etiologia subjacente, visando alívio sintomático e estabilidade hemodinâmica. Embora o tratamento siga, em geral, as recomendações para pericardite, ele deve ser personalizado de acordo com os objetivos de cuidado do paciente.
Conclusões
Esse consenso do ACC propõe novos critérios diagnósticos para pericardite, destacando a avaliação por imagem multimodal e os marcadores inflamatórios. Além disso, põe em evidência os avanços nas terapias biológicas, posicionando esses agentes como tratamento de segunda linha após terapias anti-inflamatórias convencionais.
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