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Cardiologia4 abril 2025

ICFEP: Do diagnóstico ao tratamento contemporâneo 

Dados atuais mostram que a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP) está presente em até 50% dos pacientes adultos hospitalizados por IC.
Por Juliana Avelar

A insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP) é uma condição heterogênea causada por múltiplos mecanismos fisiopatológicos, incluindo envelhecimento cardíaco e distúrbios cardiometabólicos. Os pacientes afetados costumam ser mais idosos e do sexo feminino. Além disso, há maior prevalência de obesidade, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão, fibrilação atrial, doença renal crônica. 

A mortalidade associada à ICFEP varia entre 15% no primeiro ano e até 75% em 5 a 10 anos após a hospitalização. Anualmente, cerca de 6 a 10% dos pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada são hospitalizados devido à descompensação da IC. 

Diagnóstico 

O diagnóstico de ICFEP é desafiador devido à presença de múltiplas condições sobrepostas que a imitam e a diversos subtipos fenotípicos que contribuem para suas características fisiopatológicas.  

Uma abordagem pragmática para o diagnóstico requer uma estimativa ecocardiográfica de uma fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) de 50% ou mais (excluindo pacientes com FEVE recuperada) e evidências objetivas de disfunção diastólica ventricular esquerda ou aumento das pressões de enchimento ventricular esquerdo.  

Além disso, é essencial excluir possíveis condições que mimetizam a insuficiência cardíaca, como doenças respiratórias, cardiomiopatia hipertrófica e doenças de depósito e infiltrativas, como a doença de Fabry e a amiloidose cardíaca. 

A dosagem dos peptídeos natriuréticos é útil quando há suspeita de insuficiência cardíaca. Em pacientes suspeitos, níveis de NT-proBNP de 125 pg/mL ou mais são diagnósticos de insuficiência cardíaca. No entanto, é importante considerar que os níveis de peptídeos natriuréticos podem estar falsamente elevados em certas condições, como insuficiência renal ou fibrilação atrial, ou inapropriadamente baixos, especialmente na presença de obesidade. 

Vale destacar que existem sistemas de pontuação diagnóstica, mas eles carecem de validação robusta. Quando essas ferramentas são utilizadas, o diagnóstico permanece incerto em aproximadamente 30% dos pacientes. Para esses casos, avaliações hemodinâmicas invasivas do ventrículo esquerdo em repouso ou durante o exercício, bem como testes de estresse diastólico, podem confirmar o diagnóstico. Além disso, a ressonância magnética cardíaca pode ajudar a excluir outras condições que mimetizam a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, como cardiomiopatia hipertrófica ou amiloidose cardíaca. 

ICFEP: Do diagnóstico ao tratamento contemporâneo 

Imagem de freepik

Tratamento 

Os principais objetivos da terapia para pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada são tratar os sinais e sintomas da insuficiência cardíaca, melhorar a qualidade de vida e reduzir o risco de hospitalização. Até o momento, nenhum tratamento demonstrou uma redução significativa na mortalidade. 

A maioria dos ensaios clínicos têm recrutado pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) acima de 40% ou 45%, dificultando a formulação de conclusões específicas para a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada quando se utiliza um limite de 50%. 

O tratamento da causa subjacente e das condições cardiovasculares e não cardiovasculares associadas é a base das estratégias terapêuticas para pacientes com ICFEP. 

Inibidores do sistema renina-angiotensina 

O estudo CHARM-Preserved, que avaliou o bloqueador do receptor de angiotensina (BRA) candesartana, não mostrou benefício significativo no desfecho primário composto por morte cardiovascular ou hospitalização por insuficiência cardíaca em um acompanhamento mediano de 36 meses. No entanto, a terapia com BRA foi associada a uma menor incidência de hospitalização por insuficiência cardíaca em comparação com placebo. 

Apesar da falta de benefícios significativos nos ensaios de inibidores do SRA especificamente para a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, esses medicamentos continuam indicados para tratar as condições subjacentes, como a hipertensão. 

Inibidores do receptor de angiotensina–neprilisina 

O estudo PARAGON-HF avaliou o uso de sacubitril–valsartana em 4.822 pacientes com insuficiência cardíaca e FEVE superior a 45%. O estudo não mostrou uma redução significativa no desfecho primário de morte cardiovascular ou hospitalização por insuficiência cardíaca. No entanto, houve um sinal de possível benefício em mulheres e em pacientes com FEVE abaixo da mediana de 57%. 

O FDA (Food and Drug Administration) indica o uso potencial do sacubitril–valsartana nesse grupo de pacientes, especialmente em pacientes com FEVE abaixo do limite normal. 

Antagonistas do receptor de mineralocorticoide 

O estudo Aldo-DHF (Aldosterone Receptor Blockade in Diastolic Heart Failure), um ensaio de fase 2 com 422 pacientes, avaliou o efeito da espironolactona na dose diária de 25 mg sobre características diastólicas e funcionais. O estudo mostrou redução da massa ventricular esquerda e dos níveis de peptídeos natriuréticos, além de melhora em medidas da função diastólica, mas sem alterações nos sintomas e sinais de insuficiência cardíaca ou na qualidade de vida. 

No maior estudo de fase 3, TOPCAT (Treatment of Preserved Cardiac Function Heart Failure with an Aldosterone Antagonist), pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada e FEVE acima de 45% foram randomizados para receber espironolactona ou placebo. Esse estudo não demonstrou redução no desfecho primário composto por morte cardiovascular, parada cardíaca ressuscitada ou hospitalização por insuficiência cardíaca. 

No entanto, o estudo FINEARTS-HF (Finerenone Trial to Investigate Efficacy and Safety Superior to Placebo in Patients with Heart Failure) demonstrou recentemente que, em pacientes com FEVE de 40% ou mais, o uso de finerenona até a dose máxima de 40 mg/dia reduziu a incidência do desfecho composto primário de morte cardiovascular e eventos totais de insuficiência cardíaca, apoiando seu uso em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada. 

Betabloqueadores 

De acordo com dados observacionais, até 80% dos pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada utilizam betabloqueadores por outras indicações clínicas. No entanto, estudos com nebivolol e carvedilol não demonstraram redução na mortalidade, hospitalizações por insuficiência cardíaca ou melhora na qualidade de vida. 

Diuréticos 

As diretrizes recomendam o uso da menor dose possível de diuréticos e a descontinuação quando a euvolemia for alcançada. Em pacientes com hipertensão concomitante, os diuréticos tiazídicos também são uma opção. 

Inibidores de SGLT2 

As evidências para seu uso em insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada vêm de dois grandes ensaios clínicos: EMPEROR-Preserved (Empagliflozin Outcome Trial in Patients with Chronic Heart Failure with Preserved Ejection Fraction) e DELIVER (Dapagliflozin Evaluation to Improve the Lives of Patients with Preserved Ejection Fraction Heart Failure). 

Nesses estudos, os inibidores de SGLT2 reduziram o desfecho primário composto por morte cardiovascular ou hospitalização por insuficiência cardíaca em comparação com placebo: 

  • Empagliflozina 10 mg/dia no EMPEROR-Preserved (HR: 0,79; IC 95%: 0,69 a 0,90; P<0,001). 
  • Dapagliflozina 10 mg/dia no DELIVER (HR: 0,82; IC 95%: 0,73 a 0,92; P<0,001). 

Vale destacar que a redução foi impulsionada por uma menor taxa de hospitalizações por insuficiência cardíaca, enquanto a redução na mortalidade cardiovascular não foi estatisticamente significativa. 

Agonistas do receptor GLP-1 

O estudo STEP-HFpEF (Effect of Semaglutide 2.4 mg Once Weekly on Function and Symptoms in Subjects with Obesity-related Heart Failure with Preserved Ejection Fraction) demonstrou que, em comparação com placebo, a injeção semanal de 2,4 mg de semaglutida melhorou significativamente a qualidade de vida, promoveu perda de peso substancial, aumentou a tolerância ao exercício e reduziu a inflamação. 

O estudo SUMMIT avaliou a eficácia da tirzepatida, um agonista de longa ação dos receptores do polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) e GLP-1. Nesse estudo, envolvendo 364 pacientes com ICFEP e obesidade, a tirzepatida reduziu o risco do desfecho composto por morte cardiovascular ou piora da insuficiência cardíaca em comparação com placebo e melhorou a qualidade de vida. 

Esses estudos demonstraram a eficácia do agonismo do receptor GLP-1 no tratamento de pacientes com ICFEP e obesidade. No entanto, são necessários mais ensaios clínicos. 

Áreas de incerteza 

Ainda há incertezas quanto à classificação da ICFEP e aos critérios diagnósticos precisos que devem ser utilizados. São necessárias mais terapias modificadoras da doença. 

Embora os pacientes com ICFEP compartilhem muitas características comuns, subgrupos distintos estão emergindo. Por exemplo, pacientes com obesidade podem se beneficiar de tratamentos médicos específicos. 

Ainda não sabemos se os agonistas do receptor do GLP-1 e do GIP são úteis no tratamento da ICFEP em pacientes não obesos. Atualmente, existem tratamentos benéficos para pacientes com amiloidose cardíaca, mas há necessidade de mais opções terapêuticas. 

Apesar das recentes reduções nos desfechos compostos de morbidade e mortalidade em ensaios clínicos, nenhum estudo individual demonstrou até o momento uma redução significativa na mortalidade geral ou na mortalidade cardiovascular em pacientes com ICFEP. Diversos ensaios clínicos ainda estão em andamento nessa área. 

Diretrizes 

A atualização focada de 2023 das diretrizes europeias classifica o uso de inibidores de SGLT2 como uma recomendação de classe I (“recomendado”). 

As diretrizes dos Estados Unidos e do Japão fornecem uma recomendação de classe IIb (“pode ser considerado”) para o uso de inibidores da neprilisina e do receptor da angiotensina (ARNI) e antagonistas do receptor de mineralocorticoides (MRA) em pacientes com ICFEP. 

As diretrizes canadenses sugerem o uso de inibidores do sistema renina-angiotensina (RAS) e de MRA. No entanto, as diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia não fazem recomendações sobre esses agentes, pois o grupo responsável pela diretriz evitou emitir recomendações com base em análises de subgrupos de estudos clínicos nos quais os desfechos primários não demonstraram benefício. 

Pontos principais sobre ICFEP: 

  • A ICFEP é uma síndrome heterogênea. 
  • O diagnóstico da condição exige a exclusão de possíveis diagnósticos diferenciais, como doenças respiratórias, doença isquêmica do coração, doença hipertensiva ou valvular, cardiomiopatias e amiloidose. 
  • Para o diagnóstico da ICFEP, são necessários: sintomas e sinais de insuficiência cardíaca, fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) de 50% ou mais, além de evidências de anormalidades estruturais cardíacas em repouso ou durante o exercício. 
  • As diretrizes atuais recomendam: terapia com diuréticos e inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (SGLT2) para insuficiência cardíaca aguda, a fim de reduzir a congestão, e a manutenção do uso de SGLT2i para diminuir o risco de hospitalização por insuficiência cardíaca. 
  • Novas terapias cardiometabólicas, como os agonistas do receptor do GLP-1, demonstraram reduzir sintomas, melhorar a qualidade de vida e aumentar a tolerância ao exercício em pacientes com ICFEP e obesidade. 
  • Até o momento, nenhuma terapia médica disponível demonstrou redução na mortalidade em pacientes com ICFEP. Dessa forma, o foco do tratamento atual é reduzir o risco de hospitalização e melhorar a qualidade de vida.

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Referências bibliográficas

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