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Cardiologia1 dezembro 2025

Estenose carotídea assintomática: Novos horizontes no manejo terapêutico 

Os avanços na terapia medicamentosa levantam questões sobre o tratamento preferencial da estenose carotídea assintomática

A estenose carotídea assintomática de alto grau permanece uma das condições mais desafiadoras na prevenção de acidente vascular cerebral, sobretudo pela necessidade de equilibrar o risco de eventos embólicos contra o risco inerente às intervenções de revascularização. Nas últimas décadas, houve uma mudança substancial no risco de AVC nesses pacientes devido à incorporação de estatinas de alta potência, terapia intensiva de redução pressórica, expansão do uso de antiplaquetários, surgimento de inibidores de PCSK9, controle glicêmico mais eficaz e mudanças comportamentais populacionais, especialmente redução do tabagismo. Essa evolução questionou diretamente se os benefícios de revascularização demonstrados na era pré-tratamento intensivo ainda se manteriam. 

É justamente nesse contexto que o CREST-2 foi conduzido. O estudo procurou responder uma pergunta atualizada e clínica­mente crucial: em pacientes assintomáticos com estenose carotídea ≥ 70%, a adição de stent ou endarterectomia ao melhor tratamento clínico ainda reduz significativamente o risco de AVC quando comparada ao tratamento clínico intensivo isolado? 

Objetivo do estudo 

O objetivo central do CREST-2 foi avaliar se a revascularização carotídea, seja por stent transfemoral ou por endarterectomia, oferece benefício adicional na redução de AVC perioperatório ou tardio, quando comparada ao tratamento clínico intensivo isolado. 

A inclusão de dois ensaios paralelos independentes permitiu avaliar separadamente os efeitos de cada técnica, fornecendo respostas diretas e comparáveis. 

Metodologia 

O CREST-2 foi composto por dois ensaios randomizados, multicêntricos e paralelos, ambos conduzidos com desenho observador-cego. Um deles comparou tratamento clínico intensivo isolado a stent transfemoral mais tratamento clínico, o outro comparou tratamento clínico a endarterectomia mais o regime clínico.  Ao contrário de ensaios anteriores que misturavam técnicas em único braço de intervenção, o CREST-2 garantiu independência metodológica, evitando viés entre técnicas e permitindo conclusões mais precisas. 

Os critérios de inclusão seguiam os seguintes aspectos: 

  • Idade ≥ 35 anos 
  • Estenose ≥ 70% por USG doppler (critérios validados), angiotomografia, angiorressonância ou angiografia. 
  • Sem AVC/TIA/amaurose fugaz nos 180 dias prévios.

Foram excluídos pacientes com fibrilação atrial anticoagulação-dependente, angina instável, AVC incapacitante prévio. A coorte final representou um grupo majoritariamente idoso, com elevada carga de comorbidades, com média de idade ao redor de 70 anos e alta prevalência de hipertensão, dislipidemia e diabetes. O tratamento clínico intensivo foi um dos componentes mais robustos do estudo. O protocolo incluía metas rígidas:   

  • Pressão arterial sistólica inferior a 130 mmHg 
  • LDL abaixo de 70 mg/dL com uso ampliado de estatinas de alta potência e, quando necessário, adição de PCSK9 como alirocumabe 
  • O controle glicêmico seguiu diretrizes recentes e houve acompanhamento clínico e terapêutico estruturado.  

Esse rigor no tratamento clínico é um diferencial do CREST-2 e explica, em parte, as baixíssimas taxas de eventos neurológicos observadas no grupo clínico. Os procedimentos foram realizados por operadores altamente experientes, selecionados por rigorosa certificação. No stent, a proteção embólica era obrigatória, com dupla antiagregação pré e pós-procedimento.  

A endarterectomia, majoritariamente realizada sob anestesia geral, obedeceu às melhores práticas cirúrgicas contemporâneas. 

O desfecho primário combinou AVC ou morte no período perioperatório de 44 dias com AVC isquêmico ipsilateral durante os quatro anos subsequentes. Essa formulação captura simultaneamente o risco da intervenção e seu benefício protetor tardio, oferecendo uma medida clínica realista do impacto terapêutico global. 

O método estatístico foi excepcionalmente robusto, garantindo estabilidade estatística e minimizando supostos vieses em desfechos raros. 

Resultados 

O estudo incluiu 1.245 participantes no ensaio de stent e 1.240 no de endarterectomia, com seguimento mediano entre 3,6 e 4 anos. A proporção de pacientes que alcançaram metas pressóricas e lipídicas elevou-se nos primeiros meses e manteve-se consistentemente alta. No ensaio de stent, o desfecho primário ocorreu em 6,0% dos pacientes no grupo clínico e em apenas 2,8% no grupo submetido ao stent, diferença absoluta de 3,2 pontos percentuais, com significância estatística. 

O risco relativo de eventos foi mais que duplicado no grupo clínico, mesmo diante do risco perioperatório inerente ao stent, que se limitou a 1,3%, um valor substancialmente menor que o observado em ensaios anteriores. No período pós-procedimento, o benefício foi ainda mais marcante: a taxa anual de AVC ipsilateral foi de 1,7% no grupo clínico e de apenas 0,4% no grupo stent, sugerindo redução aproximada de 75% no risco tardio. 

O ensaio de endarterectomia mostrou resultados mais modestos. A incidência de eventos no desfecho primário foi de 5,3% no grupo clínico e de 3,7% no grupo cirúrgico, diferença que não alcançou significância estatística (p=0,24). Embora a endarterectomia também tenha reduzido o risco de AVC tardio de 1,3% para 0,5% ao ano, o risco perioperatório, maior que o observado no stent (1,5% vs 1,3%), neutralizou o efeito global positivo, levando à ausência de benefício significativo no desfecho composto. 

A análise de subgrupos não identificou heterogeneidade relevante.  

Estenose carotídea assintomática: Novos horizontes no manejo terapêutico 

Discussão e impactos práticos 

Os resultados do CREST-2 têm implicações profundas na abordagem moderna da estenose carotídea assintomática.  

Em primeiro lugar, fica evidente que o tratamento clínico intensivo contemporâneo já reduz o risco basal de AVC.  Esse resultado, por si só, redefine o papel da revascularização, que deixa de ser necessária em grande parte dos pacientes e passa a ser considerada apenas quando o benefício é claro. 

O stent, no entanto, demonstrou benefício significativo mesmo nesse cenário de risco basal reduzido. O fato de ter mantido risco perioperatório baixo e ter reduzido substancialmente o risco tardio de AVC ipsilateral sugere que sua eficácia está relacionada à estabilização duradoura da placa aterosclerótica. Esse efeito protetor tardio foi suficiente para superar o risco perioperatório, garantindo superioridade sobre o tratamento clínico isolado. 

Os pacientes que podem ter maior ganho da intervenção são aqueles com: Placas instáveis confirmadas; Progressão rápida de estenose (> 20% em 2 anos); Observação de microembolias; Estenose bilateral com repercussão hemodinâmica e pacientes jovens (< 75 anos) com longa expectativa de vida. Esses subgrupos têm risco basal maior e podem ter maior benefício absoluto. 

A endarterectomia, apesar de também reduzir AVC tardio, não conseguiu superar seu próprio risco perioperatório no contexto atual. Isso contrasta fortemente com ensaios mais antigos, nos quais o risco basal era mais alto e o benefício absoluto da cirurgia era mais evidente.  

A ausência de benefício significativo no CREST-2 sugere que a endarterectomia perde relevância como intervenção rotineira para estenose assintomática e deve ser reservada a cenários específicos, como anatomia inadequada para stent, comorbidades favoráveis ao procedimento ou preferência do paciente. 

Limitações 

O estudo possui limitações importantes, tendo destaque que os procedimentos foram realizados apenas por operadores altamente experientes e certificados, o que pode restringir a generalização dos resultados, especialmente em serviços com menor volume.  

Houve também evolução das práticas terapêuticas ao longo do período do estudo, incluindo maior uso de PCSK9 e GLP-1 agonistas, além de metodologias modernas como TransCarotid Artery Revascularization, o que tende a reduzir ainda mais o risco basal e possivelmente diminui a diferença entre grupos. 

Mensagem Prática 

O tratamento clínico intensivo alcança resultados notavelmente eficazes e constitui o pilar central do manejo da estenose carotídea. Entretanto, o stent transfemoral demonstrou benefício claro e estatisticamente robusto, mesmo nesse cenário de controle agressivo de fatores de risco, tornando-se a estratégia com melhor relação risco-benefício para pacientes selecionados.  

A endarterectomia, por outro lado, não supera o tratamento clínico intensivo em desfechos compostos e perde espaço como intervenção rotineira. 

A decisão de revascularização deve ser individualizada, considerando progressão de estenose, presença de características de placa instável, ocorrência de microêmbolos, expectativa de vida, anatomia favorável e experiência local. 

O CREST-2 estabelece um novo paradigma no manejo da estenose carotídea assintomática, confirmando a centralidade do tratamento clínico intensivo e posicionando o stent como intervenção preferencial em casos de maior risco ou alta probabilidade de benefício adicional.

Autoria

Foto de Johnatan Felipe Ferreira da Conceicao

Johnatan Felipe Ferreira da Conceicao

Revisor médico do Portal PEBMED. Graduado em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Contato: [email protected] Instagram: @johnatanfelipef

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