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Cardiologia30 agosto 2025

ESC 2025: Betabloqueadores após IAM ainda devem ser prescritos de rotina?

Os estudos REBOOT, BETAMI e DANBLOCK foram apresentados no segundo dia do evento. Todos tinham objetivo de avaliar o uso dos BB após IAM.
Por Isabela Abud Manta

Atualmente é recomendado que todo paciente com infarto agudo do miocárdio (IAM) receba betabloqueador (BB) como parte do tratamento, independente da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). Essa recomendação vem a partir de estudos antigos, realizados antes da disponibilidade de tratamento que temos hoje em dia.

No geral, parece não haver tanto benefício dessa classe de medicação para os pacientes com FEVE preservada, porém os resultados de estudos observacionais e metanálises são controversos. O único estudo randomizado mais recente sobre o assunto, o REDUCE-AMI, do ano passado, não encontrou benefício dessa classe de medicação.

No segundo dia do Congresso Europeu de Cardiologia, promovido European Society of Cardiology, foram apresentados alguns estudos que avaliaram o uso dos BB após IAM em pacientes com FEVE preservada ou levemente reduzida.

Estudo REBOOT

O primeiro estudo apresentado foi o REBOOT, estudo controlado, prospectivo, randomizado, aberto, porém com desfecho cego, realizado em 109 centros da Espanha e Itália. Foram incluídos pacientes com IAM tipo 1 ou tipo 2 estratificados de forma invasiva e que tinham FEVE > 40% antes da alta. Pacientes com história de insuficiência cardíaca (IC), contraindicação a BB ou indicação de BB eram excluídos.

Os pacientes foram randomizados em dois grupos, um que recebia BB, cujo tipo e dose eram definidos pelo médico assistente, e um que não recebia BB.

O desfecho primário era composto por morte por qualquer causa, reinfarto ou internação por IC. Desfechos secundários eram os componentes individuais do desfecho primário, morte por causas cardíacas, taquicardia ventricular sustentada, fibrilação ventricular e parada cardíaca ressuscitada. Os desfechos de segurança eram internações por bloqueios atrioventriculares avançados e internações por acidente vascular cerebral (AVC).

Foram incluídos na análise final 4207 pacientes para o grupo BB e 4231 para o grupo não BB. A idade média foi de 61,3 anos e 19,3% eram mulheres. Do total, 51,9% eram hipertensos, 21,4% tinham diabetes, 51,4% dislipidemia, 44,8% eram tabagistas, 9,5% tinham IAM prévio e 12,1% usavam BB antes da internação. Na alta, 97,9% estavam em uso de dupla antiagregação plaquetária, 98,4% de estatinas e75% de inibidores do sistema renina angiotensina.

Em relação ao IAM, metade teve IAM com supra e metade sem supra de ST, 25,9% tinham doença multiarterial e o tratamento mais frequente foi angioplastia, realizada em 92,1% dos pacientes, com revascularização completa em quase 90%.

O BB mais prescrito foi bisoprolol, em 85,9%, seguido de metoprolol em 7,5%, carvedilol em 3,1%, nebivolol em 2,8% e atenolol em 0,6%. O seguimento médio dos pacientes foi de 3,7 anos. Houve um cross-over alto, sendo que ao final de 48 meses, 77,9% dos pacientes do grupo BB estavam em uso da medicação e 27,9% dos pacientes do grupo não BB estavam usando essa classe.

O desfecho primário ocorreu em 316 pacientes (22,5 eventos por 1000 pacientes-ano) no grupo BB e em 307 pacientes (21,7 eventos por 1000 pacientes-ano) no grupo não BB, sem diferença estatística (p=0,63). Não houve diferença também nos desfechos secundários e nos desfechos de segurança.

Esse estudo mostrou que o uso de BB nos pacientes com IAM e FEVE > 40% não leva a benefício em redução de eventos de morte por qualquer causa, reinfarto ou internações por IC em um período de seguimento de 3,7 anos.

Importante ressaltar que a taxa de eventos foi consistente em todo o período de seguimento, não ocorrendo com maior frequência no primeiro ano após o IAM, quando a ocorrência de eventos normalmente é maior.

A análise de subgrupos mostrou que pode haver algum benefício para as mulheres e para os casos de IAM com supra de ST. Além disso, houve uma tendência de menos eventos para pacientes com FE levemente reduzida (entre 40 e 49%), porém o número de eventos foi baixo para conclusões mais definitivas.

Algumas limitações foram o fato de ser estudo aberto, com taxa de eventos menor que a esperada por exemplo. Além disso, um dado importante foi a alta taxa de cross-over, já esperada para esse tipo de estudo, porém as análises indicam que isto não teve influência nos resultados.

Assim, este estudo sugere que não há benefício no uso de BB em pacientes com IAM e FEVE > 40% e talvez algum subgrupo deve ser mais bem investigado, como o das mulheres e FE levemente reduzida.

Estudo BETAMI-DANBLOCK

Os estudos BETAMI e DANBLOCK, apresentados na mesma sessão, foram iniciados separadamente, mas por terem grandes semelhanças foram unificados durante seu andamento. Também foram estudos de superioridade, controlados, prospectivos, randomizados, abertos, porém com desfechos cegos. O estudo BETAMI foi realizado em 25 centros da Dinamarca e o DANBLOCK em 19 centros da Noruega.

Foram incluídos pacientes com IAM tipo 1 (BETAMI) ou IAM tipo 1 ou tipo 2 (DANBLOCK) nos últimos 14 dias, que tinham FEVE ≥ 40% (BETAMI) ou > 40% (DANBLOCK). O BETAMI incluiu apenas pacientes submetidos a revascularização, critério não existente no DANBLOCK. Pacientes com história de insuficiência cardíaca (IC), contraindicação a BB ou indicação de BB eram excluídos.

Os pacientes foram randomizados em dois grupos, um que recebia BB, cujo tipo e dose eram definidos pelo médico assistente, e um que não recebia BB.

O desfecho primário era composto por morte por qualquer causa ou eventos cardiovasculares adversos maiores (novo IAM, revascularização não planejada, AVC isquêmico, IC, arritmias malignas). Desfechos secundários eram os componentes individuais do desfecho primário, internações para implante de marcapasso ou por bloqueios atrioventriculares de segundo ou terceiro grau.

Foram incluídos na análise final 5574 pacientes, sendo 2783 para o grupo BB. A idade média foi de 63 anos e 20,8% do sexo feminino. IAM com supra ocorreu em 47,5% e a maioria (84,7%) tinha FEVE ≥ 50%. Do total 94,5% foram submetidos a revascularização, 10,5% tinham história de IAM prévio e, na alta, 95% estavam com aspirina, 88,6% com inibidor de P2Y12 e 97,3% com estatina. O BB mais prescrito foi metoprolol, em 94,5%, com dose média de início de 50mg.

O seguimento médio foi de 3,5 anos e a aderência foi de 89% nos dois grupos. A ocorrência de eventos foi de 14,2% no grupo BB e 16,3% no grupo não BB, com HR 0,85, IC95% 0,75-0,98, p=0,03. Essa redução de eventos no desfecho primário ocorreu principalmente por redução de novo IAM (5% x 6,7%, HR 0,73, IC95% 0,59-0,92).

Neste estudo, BB iniciado até 14 dias após o IAM reduziu a ocorrência do desfecho primário em pacientes com IAM e FEVE preservada ou levemente reduzida, principalmente às custas de redução de novo IAM. Os resultados foram consistentes nos dois países incluídos nos estudos e o benefício da medicação já estava presenta no seguimento de 12 meses.

Algumas limitações são que o estudo foi aberto, houve a combinação de dois estudos enquanto eles já estavam em andamento e a ocorrência de eventos foi baixa. Ainda, quase todos os pacientes utilizaram metoprolol, o que torna esses resultados não generalizáveis para os outros BB. Porém, parece que o uso da medicação reduziu a ocorrência de eventos cardiovasculares na população estudada.

Levando em conta esses dois estudos, a utilização de BB após IAM no paciente com FEVE levemente reduzida ou preservada continua com resultados controversos e mais estudos são necessários, principalmente para os pacientes com FEVE preservada.

Metanálise

Nesta mesma sessão foi apresentada uma metanálise, com objetivo de tentar esclarecer os resultados para os pacientes com FEVE levemente reduzida. Essa metanálise incluiu 4 estudos, o REBOOT, BETAMI, DANBLOCK e o CAPITAL-RCT.

Foram avaliados os pacientes com FEVE de 40-49% dos estudos BETAMI e CAPITAL-RCT e de 41-49% dos estudos REBOOT e DANBLOCK. O desfecho primário foi morte por todas as causas, novo IAM ou IC.

Em relação às características de base, a maioria dos pacientes teve IAM com supra (68%), a FEVE média foi 45%, mais de 95% realizaram angioplastia e a maior parte dos pacientes utilizou metoprolol (49%) ou bisoprolol (44%).

O seguimento médio foi de 3,5 anos e o uso de BB levou a redução de 25% na ocorrência de eventos do desfecho primário (14,4% x 10,7%, HR 0,75; IC95% 0,58-0,97; p=0,031). Não houve diferença nos desfechos secundários ou desfechos de segurança e a análise de subgrupos não mostrou benefício para pacientes com 75 anos ou mais, mas sim para menores de 75 anos, o que precisa ser mais bem explorado.

Esta metanálise também apresenta diversas limitações, como ser aberta, sem reavaliação da FEVE no seguimento e com pouca representatividade de mulheres. Porém, os resultados reforçam o benefício do BB em pacientes com FEVE entre 40 e 49%, com redução de morte por todas as causas, novo IAM e IC.

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