A endocardite infecciosa (EI) continua sendo doença com alta morbimortalidade e seu diagnóstico pode ser complexo, já que se manifesta com sintomas diversos e muitas vezes inespecíficos.
O diagnóstico e início do tratamento precoces são importantes para reduzir o risco de complicações, porém o padrão ouro para diagnóstico definitivo envolve análise histológica do endocárdio. Assim, são utilizados critérios de imagem e hemoculturas, que compreendem os critérios de Duke.
Porém, além de os exames de imagem e cultura terem baixa sensibilidade, muitas vezes não estão disponíveis rapidamente. Assim, recentemente foi publicado um trabalho com a criação de um escore (EndoPredict-Dx), baseado em dados da história clínica e exames laboratoriais, que avalia a probabilidade de EI nas primeiras horas de admissão na emergência.
Métodos do estudo e população envolvida
A população do estudo foi composta por pacientes internados com suspeita de endocardite infecciosa (EI) entre 2011 e 2020. Todos tinham 18 anos ou mais, ausência de outra infecção pela avaliação clínica e laboratorial e pelo menos um dos seguintes: a) condição predisponente para EI (doença valvar conhecida, EI prévia ou uso de droga intravenosa) acompanhado de febre, novo evento embólico ou dispneia classe funcional III ou IV da New York Heart Association (NYHA)/insuficiência cardíaca subaguda; b) febre associada a sopro e/ou suspeita de embolia sistêmica em pacientes sem condição predisponente para EI.
Pacientes com EI do lado direito foram excluídos, pois suas características são diferentes, tanto em relação a fatores de risco como manifestações clínicas. Também foram excluídos pacientes que receberam antibióticos nas 72 horas anteriores.
O desfecho primário era o diagnóstico de EI possível ou definitivo de acordo com os critérios de Duke. Todos os pacientes foram seguidos até a alta hospitalar ou morte intra-hospitalar.
Resultados
A população final foi composta por 805 pacientes, sendo 65,8% diagnosticados com endocardite infecciosa (EI) e 34,2% com a doença descartada. Dos pacientes com EI, 82,3% foram classificados com EI definitiva e 17,7% possível de acordo com os critérios de Duke.
A idade média dos pacientes era 56 anos e a maioria era do sexo masculino (58,6%). Do total, 84,2% tinham um fator de risco predisponente, sendo a mais frequente doença valvar reumática (38,4%). Os achados mais frequentes foram febre (67,5%) e sopro (74,8%) e quase metade (45,6%) tinha dispneia CF III ou IV.
As principais características que levaram a suspeita da EI foram as condições predisponentes associadas à febre (56,4%), dispneia em CF III ou IV (39,5%) ou suspeita de embolia (7,2%). A suspeita por presença de febre associada a sopro e/ou suspeita de embolia, sem condição predisponente, ocorreu em 15,8%.
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O agente infeccioso foi identificado em 79,6% e o Streptococcus viridans foi o mais comum. Do total, 81% dos pacientes realizaram ecocardiograma transesofágico. Havia sinais de EI em 68% dos classificados como casos definitivos ou suspeitos, sendo esses achados vegetação (55,4%), abscesso (12,9%), regurgitação paravalvar (11,9%), perfuração ou ruptura da valva (7,7%) e fistula (3,1%). A valva aórtica foi acometida em 54,9% e a mitral em 51,9%.
Suspeita de embolia ocorreu em 80 pacientes e foi confirmada em 63, sendo 15,1% para o sistema nervoso central, 8,3% para o baço, 4,75% para os membros, 2,5% rins, 1,5% para o fígado e 0,1% para vértebras. Pouco mais da metade (55,7%) precisou de cirurgia cardíaca e a mortalidade foi de 30,2%.
Para a criação e validação do escore EndoPredict-Dx, foi feita análise de regressão logística com as seguintes variáveis, às quais foram atribuídas pontuações diferentes: sexo masculino (1 ponto), EI prévia (1 ponto), petéquias (2 pontos), sopro cardíaco (2 pontos), embolia suspeita (5 pontos), sintomas há pelo menos 14 dias da admissão (1 ponto), hemoglobina ≤ 12 g/dL (2 pontos), leucócitos ≥ 10 mil/L (1 ponto), proteína C reativa ≥ 20 mg/dL (2 pontos), hematúria ≥ 20 mil células/mL (1 ponto).
Os pacientes foram classificados como baixo risco quando escore 0 a 3, intermediário quando 4 a 6 e alto risco quando ≥ 7 pontos. A prevalência da doença para cada grupo foi de 16,4%, 46,2% e 81% respectivamente. A sensibilidade do escore para pacientes de risco alto e intermediário foi de 74,7% e 98,3%, com especificidade de 62,5% e 15,6%.
Foi feita validação interna com utilização de 500 pacientes. A curva de calibração indicou tendência leve de subestimar o risco nos pacientes de alto risco e superestimar nos de baixo risco.
Ao comparar esse escore com os critérios de Duke, foi visto que os critérios de Duke foram mais específicos, porém o EndoPredict-Dx foi mais sensível.
Comentários e conclusão: escore para diagnóstico de endocardite infecciosa
O escore EndoPredict-Dx foi desenvolvido para predizer a probabilidade de endocardite infecciosa (EI) nas primeiras horas de suspeita clínica no departamento de emergência. É um escore que utiliza características clínicas e exames laboratoriais facilmente realizados, o que possibilita sua aplicação antes da realização de exames de cultura e ecocardiograma, o que facilita sua aplicação no dia a dia dos serviços de emergência médica.
Alguns pontos a serem levados em consideração são que o estudo foi unicêntrico e incluiu apenas pacientes com EI do lado esquerdo. Ainda, a generalização dos resultados pode ser dificultada pois os diferentes serviços podem ter diferentes perfis clínico e microbiológico.
Porém, os resultados mostraram boa discriminação e calibração do escore na validação interna e sua sensibilidade parece maior que dos escores de Duke, com menor especificidade. Assim, o EndoPredict-Dx pode servir como uma forma de avaliar o nível de suspeita clínica de EI e o escore de Duke como forma de confirmar o diagnóstico, com a combinação dos dois melhorando a acurácia diagnóstica nos estágios mais precoces da EI e ajudando na tomada de decisão.
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