Concentrações séricas de lipoproteína(a) superiores a 125 nmol por litro estão presentes em aproximadamente 20 a 25% da população global. Estudos de randomização mendeliana, bem como estudos epidemiológicos, demonstraram uma forte associação entre concentrações elevadas de lipoproteína(a) e doença cardiovascular aterosclerótica, estenose aórtica e morte por qualquer causa.
Já se sabe que abordagens tradicionais para redução do risco de doença cardiovascular, incluindo mudanças no estilo de vida e terapia com estatinas, têm efeitos mínimos sobre as concentrações séricas de lipoproteína. Inibidores da PCSK9 reduzem levemente as concentrações de lipoproteína(a), mas ainda não foram estudados em ensaios randomizados.
Nenhuma terapia farmacológica foi aprovada por autoridades regulatórias, embora a aférese plasmática seja aprovada em alguns países. As concentrações de lipoproteína(a) na circulação são determinadas em grande parte pelo gene LPA, que produz o RNA mensageiro (mRNA) responsável pela síntese da apolipoproteína(a), a etapa limitante na produção da lipoproteína(a).
Lepodisiran é um RNA de interferência pequeno (siRNA) não canônico que inibe a produção hepática de apolipoproteína(a). Em um estudo de fase 1, a dose mais alta estudada de lepodisiran, 608 mg, reduziu as concentrações séricas de lipoproteína(a) em mais de 90% por 337 dias após uma única injeção.
Hoje vamos apresentar o ensaio de fase 2 projetado para avaliar mais profundamente a segurança do lepodisiran em uma população com concentrações mais elevadas de lipoproteína(a), determinar a magnitude e duração da redução dessas concentrações e ajudar a informar a dose e o intervalo de dosagem para um ensaio de fase 3, que já está em andamento.
Métodos
Ensaio randomizado, controlado por placebo, com participantes em 66 centros na Argentina, China, Dinamarca, Alemanha, Japão, México, Países Baixos, Romênia, Espanha e Estados Unidos. O estudo incluiu adultos com 40 anos ou mais que apresentavam uma concentração sérica de lipoproteína(a) de pelo menos 175 nmol por litro.
Participantes em uso de medicamentos que modificam lipídios, incluindo estatinas, inibidores de PCSK9 e outros medicamentos conhecidos por influenciar as concentrações de lipoproteína(a), deveriam estar em doses estáveis por pelo menos 4 semanas antes da triagem.
Critérios de exclusão: Mulheres em idade fértil, pessoas com evento cardiovascular nos 3 meses anteriores ou que apresentavam insuficiência cardíaca moderada ou grave, TFG < 30r a 30 mL por minuto por 1,73 m² de superfície corporal ou níveis de enzimas hepáticas superiores a três vezes o limite superior da normalidade
Os participantes foram randomizados, em uma proporção de 1:2:2:2:2, para receber lepodisiran em dose de 16 mg, 96 mg ou 400 mg no início do estudo e novamente no dia 180, lepodisiran 400 mg no início e placebo (cloreto de sódio a 0,9%) no dia 180, ou placebo no início e no dia 180, todos administrados por injeção subcutânea. A randomização foi estratificada de acordo com a concentração basal de lipoproteína(a) (< 275 nmol por litro vs. ≥ 275 nmol por litro) e o risco de eventos cardiovasculares (alto risco, conforme definido no protocolo, vs. não alto risco).
Desfechos
O desfecho primário foi a variação percentual média no tempo em relação à linha de base na concentração sérica de lipoproteína(a) no período do dia 60 ao dia 180.
Os desfechos secundários incluíram a variação percentual média no tempo, ajustada pelo placebo, desde a linha de base na concentração de lipoproteína(a) nos períodos do dia 240 ao dia 360, do dia 30 ao dia 180 e do dia 30 ao dia 360, além dos níveis de proteína C reativa de alta sensibilidade.
Resultados
Um total de 320 participantes foi submetido à randomização, e 312 participantes completaram o estudo. A idade média era de 62,7 anos; 138 participantes (43%) eram mulheres, 219 (68%) atendiam aos critérios de alto risco para evento cardiovascular, 153 (48%) tinham doença arterial coronariana conhecida e 99 (31%) haviam tido infarto do miocárdio prévio. A concentração mediana de lipoproteína(a) no soro foi de 253,9 nmol por litro, a concentração mediana de colesterol LDL foi de 79,3 mg por decilitro e a concentração mediana de apolipoproteína B foi de 79,0 mg por decilitro. Os medicamentos concomitantes incluíam estatinas em 236 participantes (74%), ezetimiba em 105 participantes (33%) e inibidores de PCSK9 em 19 participantes (6%). As características dos participantes foram amplamente semelhantes entre os grupos.
Neste estudo envolvendo participantes com concentração mediana de lipoproteína(a) de 253,9 nmol por litro, uma única injeção da maior dose de lepodisiran administrada neste ensaio, 400 mg, resultou em uma redução percentual média ajustada pelo placebo, em relação ao valor basal, de 93,9 pontos percentuais na concentração sérica de lipoproteína(a) entre o dia 60 e o dia 180. Após a administração de uma segunda dose de 400 mg no dia 180, a variação percentual média ajustada pelo placebo, em relação ao valor basal, na concentração sérica de lipoproteína(a) entre o dia 30 e o dia 360 foi de −94,8 pontos percentuais, mantendo-se 91,0 pontos percentuais abaixo da linha de base no dia 360 e 74,2 pontos percentuais abaixo no dia 540.
Foi observado um perfil de segurança favorável, sem relatos de eventos adversos graves relacionados ao lepodisiran. Reações no local da injeção, geralmente leves e dependentes da dose, ocorreram em 0 a 12% dos participantes. Uma morte por complicações de doença coronariana crônica ocorreu no grupo de 16 mg. Elevações nos níveis de enzimas hepáticas para mais de 3 vezes o limite superior da normalidade ocorreram em 7 dos 251 participantes que receberam lepodisiran (3%), e todos os níveis retornaram ao valor basal sem intervenção.
A longa duração de ação de medicamentos siRNA, como o lepodisiran, representa um dilema desafiador para os programas de desenvolvimento. O estudo de fase 1 do lepodisiran mostrou que uma única dose teve efeitos substanciais na redução da lipoproteína(a) que duraram um ano em participantes saudáveis com níveis de lipoproteína(a) de 75 nmol por litro ou mais. Essa duração prolongada de ação exigiu um período de observação estendido no ensaio de fase 2 para avaliar a durabilidade da primeira e da segunda dose em participantes com níveis de lipoproteína(a) de 175 nmol por litro ou mais.
Para acelerar o desenvolvimento, um estudo avaliando os desfechos cardiovasculares com o lepodisiran (NCT06292013) foi iniciado com base na recomendação do comitê interno de avaliação, sendo a frequência inicial de dosagem determinada a partir dos dados disponíveis no momento em que o último participante completou o dia 180. Estava previsto que os dados finais da fase 2, com seguimento de até 540 dias, seriam utilizados para orientar a frequência de dosagem no estudo de fase 3 após o primeiro ano, por meio de uma emenda no protocolo, se necessário.
Após uma única dose de 400 mg de lepodisiran, observou-se uma redução percentual média ajustada pelo placebo de 88,5 pontos percentuais na concentração sérica de lipoproteína(a) do dia 30 ao dia 360. O efeito prolongado do lepodisiran pode permitir administração pouco frequente no estudo de fase 3 em andamento.
O desenvolvimento de terapias voltadas para reduzir as concentrações séricas de lipoproteína(a) se intensificou nos últimos anos. Além do lepodisiran, outros dois medicamentos redutores de lipoproteína(a) — o pelacarsen, um oligonucleotídeo antissenso, e o olpasiran, um siRNA — estão atualmente sendo avaliados em estudos de fase 3 com desfechos cardiovasculares. Esses estudos determinarão se a redução das concentrações de lipoproteína(a) resulta em diminuição da incidência de eventos cardiovasculares adversos maiores.
A magnitude necessária de redução da lipoproteína(a) para gerar benefício clínico ainda é incerta e tem sido debatida. Dados do UK Biobank sugerem uma relação linear entre as concentrações séricas de lipoproteína(a) e os desfechos cardiovasculares até níveis muito baixos, um padrão semelhante ao observado com o colesterol LDL. Modelagens baseadas em estudos epidemiológicos e de randomização mendeliana apresentam resultados variáveis, com estimativas de que uma redução entre 85 a 250 nmol/L seria necessária para reduzir em aproximadamente 22% os eventos cardiovasculares adversos maiores.
Um desfecho secundário, a variação ajustada pelo placebo nas concentrações séricas de apolipoproteína B com lepodisiran, demonstrou reduções máximas dependentes da dose, variando de 2,8 pontos percentuais no grupo de 16 mg no dia 540 até 15,5 pontos percentuais no dia 240 no grupo que recebeu duas doses de 400 mg. Como as partículas de lipoproteína(a) consistem em apolipoproteína(a) ligada à apolipoproteína B, a redução das concentrações de lipoproteína(a) leva à diminuição dos níveis de apolipoproteína B. Reduções nas concentrações de apolipoproteína B têm sido consistentemente associadas a redução do risco de eventos cardiovasculares adversos maiores. Contudo, ainda é incerto se essas reduções com terapias de ácidos nucleicos para lipoproteína(a) traduzem-se em benefício clínico.
Limitações
Poucos participantes negros. Como concentrações elevadas de lipoproteína(a) são mais comuns em pessoas negras do que em brancas, mais estudos nessa população serão necessários. Além disso, apenas duas doses de lepodisiran foram administradas neste estudo, e o efeito de doses adicionais ainda é desconhecido.
Conclusão
Uma única injeção da maior dose de lepodisiran (400 mg) resultou em redução significativa e duradoura nos níveis de lipoproteína A. A medicação se mostrou segura. Aguardamos, então, os resultados da fase 3 para avaliar os efeitos da medicação sobre os desfechos cardiovasculares.
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