A incidência de diabetes tipo 1 (DM1) está aumentando globalmente entre 2% e 5% ao ano, com prevalência estimada de quase 9,5 milhões de pessoas em 2025. Os avanços no tratamento do DM1 — como novos análogos de insulina de ação rápida e ultrarrápida, insulinas lentas de longa duração, bombas de insulina e sensores de glicose — melhoraram significativamente a qualidade e a expectativa de vida, principalmente ao limitar a progressão de complicações microvasculares e prevenir complicações metabólicas agudas.
Entretanto, com o aumento da sobrevida, surgiram complicações cardiovasculares, ressaltando a necessidade de estratégias preventivas direcionadas e intervenções terapêuticas especializadas. Pacientes com DM1 apresentam risco aumentado de eventos cardiovasculares e mortalidade, mesmo em adultos jovens.
A aterosclerose subclínica — caracterizada por aumento da rigidez arterial e da espessura médio-intimal carotídea e aórtica — é altamente prevalente em adolescentes e crianças com DM1. No entanto, o risco cardiovascular permanece aumentado mesmo em pacientes com DM1 bem controlado e sem outros fatores de risco, sugerindo a participação de mecanismos adicionais.
Apesar do impacto cardiovascular significativo imposto pela dislipidemia no DM1, as recomendações atuais derivam majoritariamente de dados obtidos em populações com DM2. Consequentemente, persiste uma lacuna crítica de conhecimento em relação às estratégias ideais e baseadas em evidências para tratar a dislipidemia no DM1.
Nesse contexto, foi publicada recentemente uma revisão que buscou sintetizar as evidências existentes e esclarecer o conhecimento atual.
Intervenções não farmacológicas
Tanto modificações no estilo de vida quanto farmacoterapia direcionada compõem as estratégias atuais para manejo da dislipidemia no DM1.
Intervenções no estilo de vida são recomendadas como terapia de primeira linha. A terapia nutricional médica pode reduzir o LDL-C entre 15 e 25 mg/dL em pessoas com diabetes.
- Dieta vegana vs. controle de porções: um ensaio clínico randomizado com 58 pacientes com DM1 mostrou que a dieta vegana reduziu significativamente o colesterol total (−32,3 mg/dL) e LDL-C (−18,6 mg/dL), enquanto o grupo de controle de porções apresentou reduções modestas ou nulas.
- Ingestão de sódio: dados de uma coorte finlandesa indicaram relação em “U” entre ingestão de sódio e mortalidade, com aumento do risco tanto para ingestão baixa (<2,3 g/dia) quanto alta (>5 g/dia).
As dietas DASH e Mediterrânea são as únicas recomendadas nas diretrizes como abordagem de primeira linha para redução do LDL-C. Essas intervenções melhoram o perfil lipídico, embora não haja evidências de ensaios randomizados demonstrando redução direta de risco cardiovascular em DM1.
Intervenções farmacológicas: estatinas
As estatinas são o tratamento de primeira linha para redução de LDL-C em pacientes com diabetes, com eficácia comprovada na população geral e em diabéticos.
- Redução de risco: para cada redução de 1 mmol/L (39 mg/dL) no LDL-C, observa-se redução de 20% no risco cardiovascular na população geral e de 25% em pessoas com diabetes, incluindo DM1, mesmo com LDL-C basal < 116 mg/dL.
Estatinas e risco glicêmico
Uma meta-análise conduzida em 19 ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos, comparando estatinas com placebo (123.940 participantes) avaliou o risco de desenvolvimento de diabetes de novo.
O risco de diabetes de novo foi aumentado em 10% com estatinas de baixa ou moderada intensidade e em 36% com estatinas de alta intensidade, correspondendo a excessos absolutos anuais de 0,12% e 1,27%, respectivamente. É importante destacar que a maioria dos casos (aproximadamente 62%) ocorre em indivíduos que já se encontravam próximos ao limiar diagnóstico para diabetes.
Apesar desses riscos, os benefícios cardiovasculares das estatinas superam os efeitos glicêmicos adversos. Esses dados indicam que, embora as informações sobre os benefícios das estatinas em pacientes com DM1 sejam promissoras, ainda são limitadas, reforçando a importância de mais estudos nessa população.
Ezetimiba
A ezetimiba atua inibindo seletivamente a absorção intestinal de colesterol, reduzindo os níveis de colesterol no sangue portal e no fígado, o que estimula a superexpressão dos receptores de LDL-C nos hepatócitos, resultando em queda dos níveis séricos de LDL-C.
O efeito mais potente da ezetimiba em pacientes com diabetes pode estar relacionado à sua ação sobre a hiperlipemia pós-prandial, característica do fenótipo lipídico diabético.
Um estudo exploratório, não randomizado e crossover, mostrou que a ezetimiba foi mais eficaz em reduzir LDL-C em pacientes com DM1 do que em pacientes com DM2; além disso, dentro do grupo DM1, a ezetimiba reduziu mais o LDL-C do que as estatinas isoladas. Essa maior eficácia pode estar relacionada à maior absorção e menor síntese de colesterol observada em pacientes com DM1.
Inibidores de PCSK9
Os inibidores de PCSK9 constituem uma classe mais recente de fármacos hipolipemiantes. Eles impedem a degradação dos receptores de LDL-C mediada por PCSK9 nos hepatócitos, aumentando assim a expressão desses receptores e reduzindo os níveis circulantes de LDL-C.
Em pacientes jovens com DM1, as concentrações de PCSK9 estão elevadas e correlacionam-se positivamente com triglicerídeos, colesterol total, LDL-C e HbA1c. Um controle glicêmico inadequado está associado a níveis mais altos de PCSK9 e maior prevalência de partículas pequenas e densas de LDL-C, enquanto valores de HbA1c < 7,5% associam-se a menores níveis circulantes dessas partículas.
Apesar da alta eficácia dos inibidores de PCSK9, com redução média de 47,8% no LDL-C em comparação ao placebo em pessoas com DM1, as evidências de benefício cardiovascular nessa população são limitadas, pois a maioria dos participantes dos estudos pivotais tinha DM2.
- FOURIER: entre mais de 27 mil pacientes incluídos, apenas 0,7% tinham DM1. Nesse subgrupo, a taxa de eventos cardiovasculares no grupo placebo foi a mais alta (20,4%), comparada a 15,2% em DM2 e 11% em não diabéticos. O tratamento com evolocumabe reduziu o risco de eventos maiores em todos os grupos. O maior benefício absoluto foi observado no subgrupo com DM1 (redução absoluta de 7,3%), embora com amplo intervalo de confiança devido ao pequeno número de pacientes (n=197). Esses achados sugerem benefício potencial, mas carecem de significância estatística definitiva.
- ODYSSEY DM–INSULIN: incluiu pacientes com DM1 ou DM2 em risco cardiovascular elevado e hipercolesterolemia não controlada com estatina máxima tolerada. Entre os pacientes com DM1, a redução de LDL-C com alirocumabe foi de 47,8%, semelhante à observada no DM2 (49,0%), além de reduções significativas em não-HDL-C, ApoB e lipoproteína(a).
Ácidos graxos ômega-3
As pesquisas sobre o uso de ácidos graxos ômega-3 — ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosa-hexaenoico (DHA) — para proteção cardiovascular têm apresentado resultados mistos.
Os estudos ASCEND e ORIGIN, que utilizaram suplementação de ômega-3 na dose de 840 mg/dia, não demonstraram redução significativa de eventos cardiovasculares maiores em pessoas com diabetes. No entanto, o ASCEND observou uma redução de 19% nas mortes vasculares.
Por outro lado, o estudo REDUCE-IT mostrou benefícios expressivos com o uso de 4 g/dia de EPA purificado em pacientes de alto risco, em uso concomitante de estatina e com triglicerídeos elevados.
Entre os participantes com diabetes, essa estratégia terapêutica resultou em:
- Redução de 23% no desfecho cardiovascular primário (morte CV, infarto não fatal, AVC não fatal, revascularização coronariana ou hospitalização por angina instável).
- Redução de 30% nos desfechos secundários (morte CV, infarto não fatal e AVC não fatal).
Leia também: Diretriz Brasileira de Diabetes – O que mudou no Diagnóstico no DM?
Diretrizes atuais de tratamento de pacientes com diabetes mellitus tipo 1
De acordo com as diretrizes da ADA, as recomendações para adultos com DM1 não são diferenciadas daquelas para DM2; indivíduos com DM1 estão incluídos no mesmo grupo de recomendação que aqueles com DM2 com menos de 40 anos.
- Para pacientes entre 20 e 39 anos, a terapia com estatina é considerada se outros fatores de risco cardiovascular estiverem presentes.
- Para indivíduos de 40 a 75 anos, sem histórico de doença aterosclerótica cardiovascular (ASCVD), recomenda-se estatinas em doses moderadas a altas.
- Para aqueles com alto risco cardiovascular ou ASCVD estabelecida, recomenda-se estatina em doses altas, com meta de colesterol LDL abaixo de 70 mg/dL ou até abaixo de 55 mg/dL.
- A adição de ezetimiba e inibidores de PCSK9 é considerada se as metas não forem atingidas.
Para a população pediátrica com DM1 e dislipidemia, recomenda-se que o controle glicêmico e a terapia nutricional hipolipemiante sejam a estratégia inicial, sendo necessário o uso de estatinas quando o LDL-C exceder 130 mg/dL, com metas abaixo de 100 mg/dL.
De acordo com as diretrizes de dislipidemia da ESC/EAS, pacientes com DM1 são classificados como tendo risco cardiovascular de moderadamente alto a muito alto, dependendo da duração do diabetes, da presença de complicações e de fatores de risco cardiovascular coexistentes. As metas de LDL-C são definidas conforme o grau de risco, e a terapia inicial geralmente envolve estatinas, com consideração de ezetimiba e inibidores de PCSK9 se essas metas não forem atingidas.
As diretrizes enfatizam a importância da intervenção precoce com metas mais rígidas de LDL-C em pacientes com maior duração de DM1. Na população pediátrica, essas diretrizes recomendam iniciar estatinas a partir dos 10–11 anos se o LDL-C estiver acima de 130 mg/dL ou se outros fatores de risco estiverem presentes. É importante mencionar que essa diretriz é mais rigorosa em relação à classificação de risco, metas de LDL e intensidade do tratamento hipolipemiante do que a diretriz ADA 2025.
As diretrizes ACC/AHA sobre o Manejo do Colesterol Sanguíneo apresentam recomendações semelhantes às da ADA 2025 para pacientes pediátricos com DM1 ou para aqueles com mais de 40 anos.
Em pacientes com 20 a 39 anos, recomenda-se iniciar estatinas se:
- a duração do DM1 for superior a 20 anos;
- houver marcadores de nefropatia (albuminúria, taxa de filtração glomerular estimada <60 mL/min);
- houver outras complicações microvasculares (retinopatia ou neuropatia);
- ou se o índice tornozelo-braquial for inferior a 0,9.
As metas de LDL-C recomendadas são tão rigorosas quanto as formuladas pelas diretrizes ESC/EAS para dislipidemias.
A ISPAD recomenda iniciar o rastreamento para dislipidemia aos 11 anos, ou antes se houver fatores de risco adicionais, com acompanhamento anual se forem detectadas anormalidades. A terapia com estatina é recomendada para crianças acima de 10 anos com níveis de LDL-C superiores a 130 mg/dL, visando uma meta abaixo de 100 mg/dL.
Saiba mais: Diabetes tipo 5: reconhecimento oficial, base fisiopatológica e implicações clínicas
Implicações clínicas
A falta de dados de desfechos específicos para DM1 cria incertezas para os profissionais de saúde, potencialmente contribuindo para o uso tardio ou subótimo de estatinas em pacientes elegíveis com DM1.
Preocupações relacionadas à polifarmácia em adultos jovens e à insuficiente conscientização sobre o risco cardiovascular nessa população também podem desempenhar um papel importante. Os calculadores tradicionais de risco cardiovascular não foram validados em populações com DM1 e podem subestimar o risco, principalmente em pacientes mais jovens.
Dessa forma, há necessidade do desenvolvimento de ferramentas de apoio à decisão clínica específicas para DM1, com o objetivo de melhorar a estratificação de risco cardiovascular e a implementação do tratamento.
Limitações
Este estudo representa uma revisão narrativa, uma vez que vários critérios metodológicos fundamentais para revisões sistemáticas não foram implementados.
As evidências atuais sobre o manejo da dislipidemia em DM1 apresentam várias restrições que limitam sua aplicabilidade clínica e recomendações em diretrizes:
- Número reduzido de estudos envolvendo especificamente populações com DM1.
- A maioria dos ensaios clínicos de desfechos relacionados a terapias hipolipemiantes foca em DM2 ou populações mistas, com menos de 5% de pacientes com DM1 em estudos fundamentais como IMPROVE-IT e FOURIER.
- O tamanho amostral limitado compromete o poder estatístico, especialmente para análises de subgrupos.
- As metas convencionais de LDL-C podem não refletir adequadamente o risco cardiovascular no DM1, já que os mecanismos aterogênicos diferem entre DM1 e DM2.
- As evidências pediátricas são ainda mais escassas, baseando-se majoritariamente em marcadores substitutos, e não em desfechos cardiovasculares duros.
Conclusões
Adultos com DM1 apresentam risco cardiovascular aumentado. Além disso, há evidências de que alterações pró-aterogênicas ocorrem desde a infância e adolescência nesses pacientes.
Os estudos sugerem que o LDL-C é o fator de risco modificável mais importante para doença aterosclerótica cardiovascular (ASCVD) no DM1, mesmo em pacientes com controle glicêmico adequado.
A terapia com estatina permanece como tratamento de primeira linha. No entanto, os resultados específicos em populações com DM1 ainda são inconclusivos, principalmente em grupos pediátricos, nos quais os benefícios sobre marcadores substitutos — como rigidez arterial ou espessura íntima-média — não estão claramente estabelecidos.
Outras terapias eficazes na redução do LDL-C, com potencial benefício cardiovascular, incluem ezetimiba e inibidores de PCSK9. Dados recentes sugerem maior eficácia da ezetimiba no DM1, possivelmente devido a diferenças no metabolismo do colesterol.
Autoria

Juliana Avelar
Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.