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Cardiologia25 novembro 2025

Cardioproteção do VD em pacientes com câncer de mama 

Estudo avaliou os efeitos da terapia cardioprotetora (TCP) com inibidores neuro-hormonais na disfunção cardíaca relacionada à terapêutica do câncer de mama
Por Juliana Avelar

A disfunção cardíaca relacionada à terapia oncológica (CTRCD, do inglês Cancer Therapy–Related Cardiac Dysfunction) é uma condição que afeta principalmente o ventrículo esquerdo. Ao longo dos anos, diversos critérios foram adotados para o diagnóstico de CTRCD, com foco na fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). As diretrizes mais recentes estabelecem que a CTRCD deve ser diagnosticada quando há uma redução da FEVE superior a 10 pontos percentuais, resultando em um valor inferior a 50%. 

Há evidências crescentes de que alterações na estrutura e na função do ventrículo direito (VD) podem ter papel importante na predição de desfechos em pacientes com CTRCD. Entretanto, a definição tradicional de CTRCD não inclui a avaliação do VD. 

Estudos em pacientes com câncer de mama relataram alterações em diferentes parâmetros do VD, em variados graus. Contudo, nenhum ensaio clínico avaliou o efeito de terapias cardioprotetoras (CPT) baseadas em inibidores neuro-hormonais sobre o ventrículo direito. 

O estudo SAFE teve como objetivo foi avaliar o efeito da cardioproteção de curto prazo com inibidores neuro-hormonais na CTRCD subclínica em mulheres com câncer de mama não metastático, de baixo risco cardiovascular, submetidas a quimioterapia intensiva com antraciclina. 

Trata-se de um ensaio clínico fase 3, duplo-cego, randomizado e controlado por placebo, com quatro braços de tratamento, conduzido em três centros na Itália. 

O objetivo foi avaliar o efeito do bisoprolol, ramipril ou da combinação de ambos em comparação ao placebo sobre a disfunção subclínica do VE e VD, avaliada por ecocardiografia 3D (FEVE) e strain longitudinal global (GLS) em pacientes com câncer de mama não metastático. 

O estudo incluiu mulheres com 18 anos ou mais, com carcinoma mamário invasivo confirmado histologicamente, elegíveis para tratamento sistêmico primário ou adjuvante com esquema baseado em antraciclina, com ou sem trastuzumabe. 

Critérios de exclusão 

Foram excluídas pacientes que já haviam recebido antraciclinas anteriormente, estavam em uso de IECA/BRA ou betabloqueadores ou apresentavam FEVE basal < 50%. 

Protocolo terapêutico 

A cardioproteção foi administrada por 1 ano, a partir do início da quimioterapia ou até o término do tratamento com trastuzumabe. As doses foram tituladas semanalmente até as doses-alvo de bisoprolol 5 mg e ramipril 5 mg (ou placebo), conforme tolerância. 

Em cada visita médica foram registrados: 

  • História clínica, 
  • ECG, 
  • Exame físico com foco em sinais de insuficiência cardíaca, 
  • Classe funcional NYHA, 
  • Escore de angina canadense. 

O NT-proBNP foi dosado em todos os tempos programados, assim como ECOTT. 

Resultados 

Esta análise secundária foi realizada em 222 pacientes que completaram todas as avaliações cardiológicas planejadas. As características basais, incluindo dados demográficos, perfil de risco cardiovascular e perfil anatômico e imunológico do tumor, foram semelhantes entre todos os grupos. 

Todas as pacientes receberam pelo menos um ciclo de antraciclina (faixa: 1–6 ciclos), e 97% receberam três ciclos ou mais. A dose mediana de doxorrubicina iso-equivalente foi de 288 mg/m². 

A incidência global de CTRCD do ventrículo esquerdo (VE), avaliada segundo as diretrizes da ESC, foi de 14,4%.  Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos: 

  • Placebo: 42,9%, 
  • Bisoprolol: 1,9%, 
  • Ramipril: 2,2%, 
  • Ramipril + Bisoprolol: 5,0% (p < 0,001). 

A FAC (fração de área de variação) apresentou queda aos 3 meses em todos os grupos: 

  • Placebo −8,9%, 
  • Ramipril −7,0%, 
  • Bisoprolol −7,4%, 
  • Bisoprolol–Ramipril −7,7%. 

A redução foi mais acentuada aos 6 meses e começou a reverter aos 12 meses nos grupos tratados, enquanto o placebo apresentou apenas leve melhora.
Aos 24 meses, a FAC retornou quase aos valores basais nas pacientes sob cardioproteção (Ramipril −2,6%, Bisoprolol −4,0%, Ramipril–Bisoprolol −4,2%), com diferenças significativas em relação ao placebo. 

O diâmetro do VD aumentou inicialmente no grupo placebo e manteve-se estável, enquanto nos grupos tratados houve regressão gradual e retorno aos valores basais aos 24 meses. 

O volume atrial direito (RAV) aumentou levemente aos 3 meses e normalizou ao final do estudo. A pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP) teve variações discretas, sem significância estatística. 

Os níveis de NT-proBNP aumentaram progressivamente até 12 meses em todos os grupos, mas mantiveram-se estáveis nas pacientes sob cardioproteção aos 24 meses. 

A incidência global de CTRCD do VD (definida como queda >10% no FAC) foi de 29,7%, distribuída da seguinte forma: 

  • Placebo: 49,2% 
  • Bisoprolol: 20,4% 
  • Ramipril: 22,2% 
  • Ramipril–Bisoprolol: 23,3% (p = 0.001) 

O uso de trastuzumabe esteve associado a maior ocorrência de CTRCD biventricular, embora sem significância estatística. 

Na análise multivariada, a cardioproteção com bisoprolol e/ou ramipril reduziu significativamente o risco de CTRCD do VD, enquanto IMC > 25 kg/m² e uso de trastuzumabe tiveram impacto negativo leve. 

Cardioproteção do VD em pacientes com câncer de mama 

Discussão: cardioproteção no tratamento do câncer de mama  

O principal achado deste estudo é que a cardioproteção neuro-hormonal com inibidor da ECA, betabloqueador ou ambos reduziu o agravamento da função do ventrículo direito em pacientes com câncer de mama submetidas à quimioterapia potencialmente cardiotóxica. 

A cardioproteção resultou em menor declínio funcional nos primeiros 6 meses e em recuperação significativa nos 12 meses seguintes, ao passo que o grupo placebo apresentou melhora discreta e persistente piora relativa. 

Atualmente, não há recomendações formais para o uso profilático de inibidores da ECA, BRA ou betabloqueadores em pacientes com baixo risco cardiovascular recebendo antraciclinas, e nenhum estudo prévio havia analisado o impacto desses fármacos na função do VD. O presente trabalho preenche essa lacuna, mostrando que o mesmo regime utilizado para prevenir a disfunção do VE também protege o VD contra a cardiotoxicidade da quimioterapia. 

A análise comparativa entre CTRCD do VE e do VD revelou que o dano isolado do VD foi mais frequente (23%), sugerindo maior vulnerabilidade do VD aos efeitos tóxicos da quimioterapia. Isso pode ser explicado por características morfofuncionais próprias, como parede mais fina, menor densidade de miofibrilas e predominância de fibras subendocárdicas longitudinais, mais suscetíveis à lesão química. 

Entre as limitações do estudo, destaca-se a ausência de medidas de strain do VD (global e parede livre), que poderiam fornecer maior sensibilidade para detecção precoce. No entanto, os parâmetros utilizados (FAC, TAPSE, S’RV) são amplamente disponíveis e padronizados, aumentando a aplicabilidade clínica dos achados. 

Conclusão 

A cardioproteção neuro-hormonal de curto prazo com ramipril e/ou bisoprolol reduziu significativamente tanto a CTRCD do VE quanto a CTRCD do VD em pacientes com câncer de mama tratadas com antraciclinas. A terapia cardioprotetora atenuou a queda da função do VD aos 12 meses e permitiu recuperação quase completa aos 24 meses. Esses resultados reforçam a importância de considerar o ventrículo direito como alvo de vigilância e de intervenção preventiva durante o tratamento quimioterápico potencialmente cardiotóxico em pacientes com câncer de mama.

Autoria

Foto de Juliana Avelar

Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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Referências bibliográficas

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