Existem poucos estudos sobre cardiomiopatia associada à sepse e estes são bastante heterogêneos, o que prejudica a interpretação dos dados sobre a doença, principalmente em relação ao prognóstico de longo prazo. Recentemente foi publicada uma revisão sobre o assunto, com ênfase na definição de cardiomiopatia associada à sepse, seu impacto na interpretação dos dados disponíveis em relação ao prognóstico de longo prazo e o tratamento recomendado pelas principais diretrizes. Abaixo seguem os principais pontos abordados.
Definições
A própria definição de longo prazo para a avaliação de prognóstico já é bastante heterogênea. No caso de choque séptico considerou-se o longo prazo o período de 30 dias a partir da alta.
A definição de cardiomiopatia induzida pela sepse também apresenta muita variação na literatura. Isso ocorre por diversos fatores: diversos novos métodos de avaliação da função cardíaca, dúvida em relação a considerar apenas função do ventrículo esquerdo (VE) ou se deve-se incluir o ventrículo direito (VD), se deve-se incluir disfunção diastólica ou, ainda, se há necessidade de se excluir disfunção prévia para este diagnóstico.
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Em decorrência dessa variação, a prevalência acaba também sendo muito variável, sendo relatada de 10% a 70% dos pacientes com sepse. Uma metanálise que incluiu apenas pacientes com medidas de fração de ejeção (FE) do VE em até 72 horas da admissão hospitalar e excluiu pacientes com doença cardíaca prévia encontrou prevalência estimada de 20%.
Prognóstico
Alguns estudos encontraram aumento de mortalidade nos pacientes com cardiomiopatia induzida pela sepse, porém foram estudos pequenos e a maioria avaliou mortalidade intra-hospitalar. Outros não encontraram essa associação.
Outra metanálise mostrou que a disfunção do VD também parece se associar com maior mortalidade, porém os estudos avaliados têm diversas limitações e questionamentos em relação a metodologia, além de focarem em mortalidade intra-hospitalar.
A utilização da função do VD de forma isolada para definir disfunção miocárdica induzida pela sepse é problemática, pois a síndrome respiratória aguda grave e a ventilação mecânica geram dificuldades na interpretação da função do VD.
A cardiomiopatia induzida pela sepse geralmente é reversível e há melhora em 7 a 10 dias, porém os estudos com seguimento mais longo não poucos e pequenos. Assim, mais estudos, com um desenho mais bem feito e definições mais claras são necessários para avaliar o prognóstico de longo prazo.
Tratamento
Apesar da falta de informações em relação ao prognóstico de longo prazo, existem algumas recomendações que podem ser feitas em relação ao tratamento, baseado principalmente na FEVE após a alta.
Na fase aguda da doença, caso o paciente persista com hipoperfusão apesar da ressuscitação volêmica, indica-se infusão de inotrópicos. A disfunção persistente após um episódio de choque séptico deve ser tratada de forma semelhante à disfunção por outras causas, com uso de inibidores do sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA) e betabloqueadores (BB), inibidores do SGLT2 (iSGLT2) e antagonistas do receptor mineralocorticoide (ARM). Essas medicações devem ser iniciadas apenas se houver evidência forte de disfunção ventricular.
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Caso haja evidência clínica de IC com FE preservada persistente, pode-se considerar o tratamento com iSGLT2 e diuréticos. Já para o tratamento da ICFER recomenda-se a utilização das quatro classes de medicação citadas acima, com objetivo de reduzir morbidade e mortalidade.
Essas medicações podem ser iniciadas simultaneamente ou em uma sequência rápida, com aumento progressivo das doses até alcançar a dose ideal. Sua utilização acaba sendo extrapolada do contexto de internações por ICFER descompensada para os pacientes com miocardiopatia induzida pela sepse que persistem com disfunção ventricular.
Comentários e conclusão
O estudo da miocardiopatia induzida pela sepse encontra várias dificuldades, desde a falta de uniformização das definições, com consequente heterogeneidade na estimativa de incidência, prognóstico e significado clínico.
Não é bem definido se o tratamento do paciente que persiste com queda da FE do VE em decorrência de sepse deve receber um tratamento diferente de outras causas de queda da FE. Como o quadro normalmente é reversível em 7 a 10 dias, sugere-se aguardar esse período e, caso a disfunção persista, indica-se o tratamento descrito.
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