O tratamento do diabetes tipo 2 evoluiu nas últimas décadas. Se antes o foco era o controle glicêmico, hoje o objetivo é mais amplo: reduzir o risco de complicações cardiovasculares e renais, que são as principais causas de morbidade e mortalidade entre esses pacientes. O desenvolvimento de novas classes terapêuticas, como os agonistas do receptor de GLP-1 (ARGLP-1) e os inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2), promoveu não apenas melhor controle glicêmico, mas também benefícios clínicos importantes nesses desfechos. Mais recentemente, a finerenona foi incorporada como opção para pacientes com doença renal crônica associada ao diabetes, enquanto a tirzepatida demonstrou superioridade no controle glicêmico e na redução de peso em relação aos agonistas de GLP-1 tradicionais.
Estudo
Diante desse contexto, surge uma dúvida clínica: qual a magnitude dos benefícios proporcionados pela combinação dessas medicações em comparação ao uso isolado de cada uma delas? Essa foi a pergunta investigada por Shokravi e colaboradores em uma revisão sistemática com meta-análise publicada recentemente na revista Cardiovascular Diabetology. O estudo analisou os efeitos da combinação de ARGLP-1, iSGLT2 e/ou finerenona sobre desfechos cardiovasculares e renais em comparação com a monoterapia, reunindo dados de quatro análises post hoc de ensaios clínicos randomizados (ECRs) e dez estudos observacionais. Nos ECRs, o foco foi a adição de ARGLP-1 em pacientes com ou sem uso prévio de iSGLT2, enquanto os estudos observacionais avaliaram diretamente combinações em comparação com monoterapias no cenário do mundo real.
Nos ensaios clínicos, o uso de ARGLP-1 foi associado a reduções consistentes em eventos cardiovasculares maiores (MACE), mortalidade cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal, acidente vascular cerebral (AVC), mortalidade por todas as causas, hospitalizações por insuficiência cardíaca e desfechos renais compostos. Esses benefícios foram mantidos independentemente do uso prévio de iSGLT2, sugerindo um efeito aditivo entre as classes.
Resultados
Já nos estudos observacionais, a superioridade da combinação de ARGLP-1 e iSGLT2 em relação à monoterapia foi ainda mais evidente. Comparada ao uso isolado de iSGLT2, a combinação reduziu em 41% o risco de MACE, 27% o infarto do miocárdio, 28% o AVC, 43% a mortalidade geral e 29% as hospitalizações por insuficiência cardíaca. Quando comparada ao uso isolado de ARGLP-1, observou-se redução de 65% na mortalidade cardiovascular, 7% no risco de infarto do miocárdio, 8% no AVC, 41% na mortalidade geral, 16% nas hospitalizações por insuficiência cardíaca e 57% nos eventos renais graves. Adicionalmente, um estudo avaliou a combinação de finerenona com iSGLT2, demonstrando redução de 56% nos eventos renais adversos maiores e de 59% na mortalidade por todas as causas em comparação à monoterapia.
Esses achados sustentam a hipótese de que há benefício clínico incremental com a combinação de diferentes classes terapêuticas em pacientes com diabetes tipo 2 e alto risco cardiorrenal. Esse benefício pode ser explicado pela complementaridade dos mecanismos de ação: os iSGLT2 promovem natriurese, glicosúria e efeitos hemodinâmicos renais protetores; os ARGLP-1 oferecem controle glicêmico associado à perda de peso e propriedades antiateroscleróticas e anti-inflamatórias; e a finerenona, ao antagonizar os receptores mineralocorticoides, reduz inflamação e fibrose em tecido cardíaco e renal. Quanto à segurança, os eventos adversos entre as combinações foram semelhantes ao observado com cada classe em monoterapia.
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Considerações finais: benefício cardiovascular incremental
Apesar dos resultados mostrados, o artigo aponta algumas limitações. Os ensaios clínicos incluídos na análise não foram desenhados para avaliar diretamente os efeitos da terapia combinada, limitando-se a análises de subgrupos. Além disso, os estudos observacionais apresentaram heterogeneidade significativa em vários desfechos, e a evidência em relação a combinação com a finerenona ainda é limitada.
Apesar das limitações metodológicas, esta revisão sistemática reforça as evidências já consolidadas dos benefícios cardiovasculares e renais do ARGLP-1, iSGLT2 e finerenona em monoterapia, e acrescenta que há dados consistentes de um benefício incremental quando essas medicações são utilizadas em combinação, especialmente em pacientes com diabetes tipo 2 e alto risco cardiorrenal.
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