Anticoagulantes orais para fibrilação atrial (FA) e AVC hemorrágico
Pacientes com sangramento intracraniano espontâneo, decorrente de hemorragia intracerebral, intraventricular, subaracnóidea ou subdural, têm risco aumentado de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE). Pacientes com fibrilação atrial (FA) concomitante tem o maior risco de MACE entre todos e esse risco parece maior que o previsto pelo CHA2DS2-VASc.
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A anticoagulação oral em pacientes com FA reduz o risco de acidente vascular cerebral (AVC) em aproximadamente dois terços, apesar de aumentar o risco de sangramento. Porém, pacientes com sangramento intracraniano prévio foram excluídos dos estudos randomizados e os efeitos da anticoagulação nesses pacientes permanecem incertos. Três estudos piloto não deram uma resposta adequada, assim como metanálises prévias sobre este tema.
Análise recente
Foi feita uma metanálise prospectiva que incluiu participantes individuais dos estudos. Esses participantes eram sobreviventes de sangramento intracraniano, com fibrilação atrial (FA) e foram comparados em relação a começar ou evitar usar de anticoagulantes orais.
Foram incluídos quatro estudos que tiveram resultados avaliados em 2020 e 2021. Existem ainda 5 estudos em andamento, que terão os resultados até 2028. O desfecho primário foi definido como AVC sintomático não fatal ou morte cardiovascular, morte súbita cardíaca, morte de outra causa vascular não antes de 30 dias do evento ou morte de causa desconhecida.
Desfechos secundários foram eventos cardiovasculares isquêmicos maiores (AVC isquêmico, embolia arterial sistêmica, embolia pulmonar ou infarto agudo do miocárdio (IAM), eventos cardiovasculares hemorrágicos maiores (hemorragia intracraniana espontânea ou hemorragia extracraniana maior), morte por qualquer causa e morte ou dependência (escore na escala de Rankin de 3 a 6). Os desfechos de tempo para o evento foram o tempo para a ocorrência do evento após a randomização.
Resultados
Na análise final foram incluídos 4 estudos (SoSTART, APACHE-AF, NASPAF-ICH, ELDERCARE-AF), com total de 412 pacientes. Metade dos pacientes foram escolhidos para receber anticoagulação e metade para evitar anticoagulação. Esses números foram respectivamente 100 e 101 no estudo SoSTART, 50 e 51 no APACHE-AF, 41 e 39 ELDERCARE-AF, e 21 e 9 no NASPAF-ICH. Os estudos foram realizados na Europa, Canadá e Japão e recrutaram pacientes com sangramento intracraniano prévio e FA, sendo que o estudo ELDERCARE-AF incluiu apenas maiores de 80 anos e foi o único placebo controlado, os outros foram abertos.
O anticoagulante escolhido foi um de ação direta em 99% dos pacientes e varfarina em 1%. No grupo sem anticoagulação, 67% não usaram medicação e 34% usaram um antiplaquetário. Os desfechos foram avaliados entre 2 e 6 anos. Do total de pacientes, 75% tinham mais de 75 anos, 40% tinham escore CHA2DS2-VASc maior que 4 e 40% eram mulheres. Em relação ao sangramento 32% tinham história de hemorragia intracerebral lobar.
O desfecho primário de AVC ou morte cardiovascular ocorreu em 14% dos pacientes em uso de anticoagulação e 22% dos sem anticoagulação (HR 0,68; IC95% 0,42 – 1,10). A anticoagulação foi associada a redução de eventos cardiovasculares isquêmicos maiores (4% x 19%; HR 0,27, IC95% 0,13-0,56), sendo que o evento mais frequente foi AVC isquêmico (4% x 16%; HR 0,37, IC95% 0,17-0,83).
Não houve evidência de aumento de sangramento, com taxa de eventos cardiovasculares hemorrágicos maiores de 7% no grupo com anticoagulação e 5% no grupo sem anticoagulação (HR 1,80; IC95% 0,77-4,21), assim como não houve aumento de morte por qualquer causa (18% x 15%, HR 1,29, IC95% 0,78-2,11). Também não houve diferença em relação a morte ou dependência em 1 ano e em subgrupos específicos de acordo com idade, sexo, tempo desde o sangramento, CHA2DS2-VASc e local do sangramento.
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Comentários e conclusão
Nesta metanálise prospectiva com dados individuais, pacientes com hemorragia intracraniana e FA randomizados para receber anticoagulantes ou não tiveram redução pequena de desfechos de qualquer AVC ou morte com uso da medicação. Houve benefício maior na redução de eventos cardiovasculares isquêmicos, principalmente às custas de redução de AVC isquêmico.
O benefício na redução de eventos isquêmicos parece ser maior que o potencial malefício de ocorrência de sangramento maior, mas o benefício líquido ainda precisa ser estabelecido. Eventos hemorrágicos parecem ter consequências piores em relação a mortalidade e dependência e é incerto se o benefício líquido da redução de eventos isquêmicos também leva a benefício em mortalidade e dependência.
Apesar de ser estudo com número pequeno de participantes e aberto, o que aumenta o risco de viés, esse estudo avaliou amostra de diferentes populações, o que faz com que os resultados sejam mais generalizáveis, e não houve heterogeneidade nos efeitos do tratamento entre os estudos. Um ponto importante é que houve algumas questões em relação a aderência à medicação, o que pode ter atenuado os resultados a favor do anticoagulante.
A mensagem prática final é que a anticoagulação reduz eventos isquêmicos maiores, principalmente AVC isquêmico em pacientes com fibrilação atrial (FA) e história de sangramento intracraniano, com benefício parecido ao dos pacientes sem história de sangramento. Mais estudos são necessários para avaliação dos desfechos de sangramento e benefício líquido do uso da medicação e já há diversos estudos em andamento, com resultados previstos para os próximos 5 anos.
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