Logotipo Afya
Anúncio
Cardiologia24 dezembro 2025

Angioplastia imediata x estagiada de lesões não culpadas no IAMCST 

Estudo comparou a ICP imediata com ICP guiada por ressonância magnética cardíaca em pacientes com IAMCST e doença multiarterial
Por Juliana Avelar

As diretrizes atuais recomendam a revascularização de lesões não culpadas em pacientes com infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCST) e doença arterial coronariana multiarterial. Em estudos prévios, essa estratégia esteve associada a melhora da sobrevida e redução de reinfarto quando comparada à intervenção coronária percutânea (ICP) restrita à lesão culpada. As diretrizes também sugerem a realização da ICP de lesões não culpadas durante o procedimento inicial de revascularização, com base em resultados de dois estudos prévios e uma metanálise. Acontece que esses estudos foram desenhados como estudos de não inferioridade e incluíram revascularização não planejada como desfecho primário. Por isso, as recomendações atuais para ICP imediata de lesões não culpadas em IAMCST requerem confirmação adicional. 

Foi publicado recentemente no NEJM um estudo que comparou a ICP imediata das lesões não culpadas guiada por instantaneous wave-free ratio (iFR) com ICP guiada por ressonância magnética cardíaca com estresse (stress CMR) em pacientes com IAMCST e doença multiarterial, avaliando a ocorrência de morte por qualquer causa, reinfarto ou hospitalização por insuficiência cardíaca. 

Sobre o estudo

O estudo iMODERN (iFR-Guided Multivessel Revascularization during Percutaneous Coronary Intervention for Acute Myocardial Infarction) foi um ensaio clínico prospectivo, aberto, randomizado, controlado, conduzido em 41 centros ao redor do mundo. 

Pacientes com IAMCST eram elegíveis se tivessem 18 anos ou mais com ICP primária bem-sucedida dentro de 12 horas do início dos sintomas e ao menos uma lesão não culpada em artéria não relacionada ao infarto, com estenose > 50% e passível de ICP. Foram excluídos pacientes com histórico de IAMCST, oclusão crônica total, lesões não culpadas complexas ou estenose > 50% de tronco de coronária esquerda, além de pacientes hemodinamicamente instáveis ou Killip III–IV. 

Durante o procedimento inicial, os pacientes foram randomizados 1:1 para ICP imediata guiada por iFR ou ICP guiada por stress CMR, realizada até 6 semanas após o evento índice. 

No grupo iFR, todas as lesões com estenose > 50% foram avaliadas com fio de pressão. Lesões > 90% podiam ser tratadas diretamente, sem iFR. A ICP era realizada em todas as lesões com iFR ≤ 0,89. Se o procedimento imediato não fosse viável, a ICP poderia ocorrer até 24 horas após. 

A RM com estresse foi realizada dentro de 6 semanas do procedimento índice. O estresse farmacológico era feito com adenosina ou regadenoson. A ICP era indicada quando o stress CMR mostrava isquemia atribuível à lesão não culpada. Uma abordagem de resgate com iFR era permitida pelo protocolo. 

O seguimento ocorreu presencialmente aos 6 e 12 meses e por telefone aos 3 meses e 3 anos. A pandemia de COVID-19 levou à substituição temporária de visitas presenciais por consultas telefônicas para garantir o acompanhamento dos desfechos. 

O desfecho primário foi composto por morte por qualquer causa, reinfarto e hospitalização por insuficiência cardíaca em 3 anos. Desfechos secundários incluíram os componentes isolados aos 6 e 12 meses, além de morte cardíaca, AVC, AIT, sangramento maior, angina instável, angiografia não planejada, revascularização não planejada e trombose de stent aos 3 anos. 

De 28 de dezembro de 2017 a 23 de fevereiro de 2022, 1146 pacientes com IAMCST foram incluídos e randomizados para ICP imediata guiada por iFR (558 pacientes) ou ICP diferida guiada por ressonância magnética cardíaca com estresse (stress RM) (588 pacientes). A visita final de seguimento foi realizada em 15 de maio de 2025. 

A idade média foi de 63±11 anos, e 78% eram homens. Os fatores de risco cardiovascular foram semelhantes entre os grupos, com exceção de história de tabagismo, mais frequente no grupo iFR. 

Entre os 556 pacientes alocados ao grupo iFR incluídos na análise por intenção de tratar, o iFR foi medido com sucesso em 541 (97,3%), e 6 foram submetidos a ICP sem avaliação de iFR da lesão não culpada. Uma ou mais lesões coronarianas com iFR positivo, indicando isquemia, foram identificadas em 243 dos 541 pacientes (44,9%) avaliados com iFR, e a ICP de artéria não culpada foi realizada em 237 dos 556 pacientes (42,6%) (e em 281 das 739 lesões [38,0%]) no grupo iFR. O número médio total de stents implantados por paciente foi de 2,1. 

Entre os 587 pacientes do grupo RM incluídos na análise por intenção de tratar, 476 (81,1%) foram submetidos a ressonância magnética cardíaca em mediana de 27 dias após o procedimento índice. 65 pacientes (11,1%) não realizaram a ressonância cardíaca e foram submetidos a procedimento de resgate guiado por iFR em mediana de 34 dias. 

Dos 476 pacientes submetidos à ressonância cardíaca, 96 (20,2%) apresentaram resultado positivo, indicando isquemia, e 32 dos 65 pacientes submetidos ao procedimento de resgate guiado por iFR tinham lesão coronariana com iFR positivo. No total, 128 pacientes (21,8%) apresentaram lesão não culpada com isquemia, dos quais 110 (85,9%) foram submetidos à ICP em mediana de 40 dias. O número médio de stents por paciente foi de 1,8. 

No seguimento de 3 anos, o desfecho primário composto de morte por qualquer causa, reinfarto ou hospitalização por insuficiência cardíaca ocorreu em 50 de 536 pacientes (9,3%) com dados disponíveis no grupo iFR e em 55 de 562 pacientes (9,8%) com dados disponíveis no grupo RM, sem diferença estatística. Também não houve diferença em morte por qualquer causa ou reinfarto. A hospitalização por IC ocorreu menos frequentemente no grupo iFR. 

Os desfechos secundários de morte cardíaca, falha de lesão-alvo, sangramento maior e angina instável em 3 anos ocorreram em número semelhante de pacientes nos dois grupos de tratamento. 

Eventos adversos graves ocorreram em 145 pacientes no grupo iFR e em 181 no grupo RM. 

O estudo iMODERN mostrou que, entre pacientes com IAMCST e doença coronariana multiarterial submetidos à ICP primária, a estratégia de ICP imediata guiada por iFR não foi superior à estratégia de ICP diferida guiada por stress RM em lesões não culpadas em relação ao desfecho composto de morte por qualquer causa, reinfarto ou hospitalização por insuficiência cardíaca em 3 anos de seguimento. 

Em relação aos outros estudos sobre o tema: No estudo COMPLETE, observou-se que morte cardiovascular ou reinfarto ocorreu em mais pacientes submetidos apenas à ICP da lesão culpada do que naqueles submetidos à revascularização completa guiada por angiografia (10,5% vs. 7,8% em 3 anos). Uma metanálise de seis ensaios clínicos randomizados confirmou esses achados, e a ICP de lesões não culpadas em pacientes com IAMCST passou a ter recomendação classe 1A nas diretrizes americanas. 

Entretanto, o momento ideal para realizar a ICP de revascularização completa permanece incerto. Na diretriz de 2021 do American College of Cardiology, American Heart Association e Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, a ICP estagiada recebeu recomendação classe 1A, enquanto a ICP durante o evento índice recebeu recomendação classe 2B, podendo ser considerada. As diretrizes de 2025 atualizaram essa recomendação, sugerindo que a ICP de lesões não culpadas durante a ICP primária pode ser preferível à abordagem em dois tempos. Essa atualização baseou-se em dois ensaios clínicos randomizados e uma metanálise. 

No estudo BIOVASC, uma análise pós hoc mostrou que o desfecho composto de morte cardiovascular ou infarto ocorreu em 2,9% dos pacientes no grupo de ICP imediata e em 5,2% no grupo de ICP estagiada. Contudo, 60% dos pacientes tinham infarto sem supradesnivelamento do ST, no qual diferenciar lesão culpada de lesões não culpadas pode ser mais difícil, o que torna a realização precoce de ICP adicional potencialmente mais vantajosa do que em pacientes com IAMCST. 

Já no estudo MULTISTARS AMI, um evento de desfecho primário ocorreu em 9% dos pacientes no grupo de ICP imediata e em 16% no grupo de ICP em estágio (P<0,001 para não inferioridade). O benefício pareceu decorrer principalmente da redução em revascularizações não planejadas. 

Recentemente, o estudo OPTION-IAMCST não demonstrou não inferioridade da ICP imediata de lesões não culpadas em comparação com procedimento realizado durante a mesma internação do procedimento inicial. 

Vale destacar as diferenças entre os tipos de avaliação de isquemia. Enquanto o iFR mede o gradiente de pressão através de uma estenose coronariana epicárdica, a ressonância cardíaca avalia a perfusão miocárdica. Dessa forma, territórios isquêmicos pequenos podem não ser detectados na ressonância. Por outro lado, o fluxo basal está aumentado em pacientes com IAMCST, levando a valores de iFR mais baixos e, possivelmente, falsamente positivos. Esse efeito é limitado, com uma diferença média de iFR relatada de 0,01 (não significativa) e taxa de falso-positivo de 11%, mas pode ter contribuído, ao menos em parte, para a diferença nas taxas de revascularização observadas nesse estudo (grupo iFR revascularizou quase o dobro do grupo RM). 

Limitações 

O número de eventos foi menor que o esperado, resultando em intervalos de confiança relativamente amplos, o que dificulta a exclusão de benefício moderado ou potencial dano. Além disso, no grupo RM, alguns pacientes não foram submetidos a avaliação adicional de isquemia ou intervenção, principalmente por recusa, o que pode ter influenciado os resultados. 

Angioplastia imediata x estagiada de lesões não culpadas no IAMCST 

Conclusão: angioplastia imediata x estagiada 

Entre pacientes selecionados com IAMCST e doença coronariana multiarterial, uma estratégia de ICP imediata guiada por iFR em lesões coronarianas não culpadas não se mostrou superior a uma estratégia de ICP guiada por RM com estresse em relação ao desfecho composto de morte por qualquer causa, reinfarto ou hospitalização por insuficiência cardíaca em 3 anos. 

O estudo tem limitações importantes, mas a princípio contrapõe os achados recentes dos estudos MULTISTARS e BIOVASC que sugeriram benefício da ICP imediata. Nesse estudo, a revascularização imediata de lesões não culpadas não se traduziu em redução de desfechos duros. 

Autoria

Foto de Juliana Avelar

Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Cardiologia