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Carreira7 abril 2025

Dia Mundial da Saúde: o que a covid-19 nos trouxe de aprendizado como médicos?

Por Ester Ribeiro

Lembro-me de estar sentada na sala de aula da faculdade, estudando sobre a Peste Negra e as incertezas daquela época, quando a medicina ainda era tão primitiva. Pensava: “Ainda bem que hoje em dia não teremos mais esse tipo de medo. Afinal, tudo é tão certo neste século”.

Pois, no fim de 2019, as notícias mostraram que não era bem assim. Ainda tínhamos muito a aprender em pleno século XXI.

E, como num piscar de olhos, vieram as incertezas. O primeiro paciente diagnosticado no Brasil em fevereiro de 2020 marcou o início de uma crise sanitária sem precedentes. Os casos se multiplicaram de forma exponencial e o medo tomou conta da população.

Médicos se despediram de familiares e foram enfrentar, heroicamente, as linhas de frente em prontos-socorros e UTIs espalhadas em todo Brasil

O caos da informação e a incerteza científica

Seria o vírus tão contagioso e virulento no Brasil quanto em outros países? Havia risco de efeitos teratogênicos? Precisávamos realmente usar máscaras o tempo todo? Lavar as compras era necessário? Quem poderia sair às ruas com segurança? Quando teríamos um tratamento eficaz ou uma vacina?

As discussões sobre saúde rapidamente se misturaram às tensões políticas da época. Se alguém tinha certeza absoluta sobre qualquer coisa, era porque provavelmente estava mal-informado.

No isolamento, as pessoas passaram a enxergar o mundo exterior por meio das telas. Televisão, redes sociais, noticiários on-line – todos se tornaram canais onde a ciência real e as pseudociências travaram batalhas acirradas.

Médicos renomados perderam credibilidade diante de determinados grupos, enquanto profissionais, até então desconhecidos, assumiram o protagonismo de debates sobre prevenção, tratamento e imunização.

Agora, cinco anos depois, o que mudou? O que aprendemos como médicos?

Lições aprendidas

  • A medicina precisa ser mais do que opinião

O argumento “o médico disse” perdeu força. Em um cenário onde profissionais de saúde divergiam publicamente, os pacientes passaram a questionar quem seguir. Hoje, mais do que nunca, devemos embasar nossas condutas em evidências sólidas e transparentes, garantindo que a medicina continue sendo guiada pelo método científico.

No auge da pandemia, surgiram múltiplos protocolos de tratamento sem tempo hábil para comprovar sua eficácia cientificamente. A evolução do conhecimento mostrou que algumas dessas abordagens eram ineficazes ou até prejudiciais. Isso reforçou a importância da medicina baseada em evidências e da necessidade de aguardar estudos confiáveis antes de adotar novas condutas.

Ao mesmo tempo, mostrou que, em determinadas urgências, os estudos deveriam ser abreviados e atualizados praticamente a cada dia para orientar melhor os profissionais sobre o que seguir. Em uma pandemia, nem sempre é possível esperar a evidência 1A, tão requerida em outros contextos.

  • A necessidade de atualização constante nunca foi tão urgente

A pandemia acelerou a velocidade com que o conhecimento médico evolui. Novas doenças, variantes, protocolos e tecnologias impõem a necessidade de um aprendizado contínuo e adaptável. Um médico que não estuda é um médico que fica obsoleto.

Durante a pandemia, profissionais que não estavam habituados ao manejo de doenças respiratórias graves precisaram aprender rapidamente a lidar com ventilação mecânica e uso de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO). A capacidade de adaptação foi essencial para salvar vidas.

  • A relação médico-paciente redefiniu-se

Antes, a confiança médica era praticamente inquestionável. Agora, os pacientes sentem-se mais inclinados a buscar uma segunda opinião e a verificar informações por conta própria. Isso reforça a importância de uma comunicação clara, acessível e empática, para que o paciente se sinta seguro e bem-informado.

Muitos pacientes passaram a questionar informações médicas devido à grande quantidade de dados (e desinformação) disponível na internet. O médico moderno precisa desenvolver habilidades para explicar conceitos científicos de forma clara e didática, reduzindo a ansiedade e fortalecendo a confiança.

  • As equipes multidisciplinares são indispensáveis

A pandemia deixou claro que a medicina não é um campo isolado. O trabalho conjunto entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e outros profissionais se tornou essencial para o tratamento integral dos pacientes. A abordagem multidisciplinar veio para ficar e precisa ser fortalecida.

Pacientes com covid-19 grave frequentemente necessitavam de suporte respiratório prolongado. O trabalho conjunto entre fisioterapeutas respiratórios e intensivistas foi crucial para reduzir complicações e acelerar a recuperação dos pacientes.

  • A saúde mental dos profissionais de saúde importa

O esgotamento físico e emocional dos médicos durante a pandemia mostrou que o autocuidado é fundamental. Burnout, ansiedade e depressão foram problemas comuns entre profissionais que estavam na linha de frente. Precisamos nos auto-avaliar, cuidar da nossa própria saúde mental e criar ambientes de trabalho que favoreçam o bem-estar.

Muitos médicos enfrentaram jornadas exaustivas, acompanhadas do medo de contaminar familiares. A falta de suporte psicológico adequado levou muitos profissionais ao limite e não foram poucas as notícias de colegas que tiraram sua própria vida. Precisamos  de políticas institucionais voltadas à saúde mental de quem cuida.

Conclusão

A covid-19 expôs lacunas e fragilidades na medicina que não podem ser ignoradas. A era da informação trouxe desafios inéditos para médicos, exigindo um novo nível de transparência, atualização e habilidade comunicacional.

Se há algo que a pandemia nos ensinou, é que a medicina é uma ciência em constante evolução. O médico do futuro é aquele que compreende que nunca sabe o suficiente. Que estejamos sempre dispostos a aprender, a questionar e a crescer – para que, diante do próximo desafio global – ou mesmo de nossos pequenos desafios diários – , estejamos, cada dia mais, melhor preparados.

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